Quero ser compositor - Parte 3
Compor canções não é criar poesia nem fazer música, é juntar as duas para inventar um terceiro produto
Quando me propus a fuçar o universo da música, já sabia que caminharia para a criação de canções. Reconheço que o território dos sons é vasto e estimulante, e para aqueles que mergulham de cabeça na música instrumental, é o que basta. Mas não para mim!
Meu maior
prazer é ver como o discurso verbal se envolve na teia sonora para formar uma
nova entidade, que não é poesia nem música: é canção! Ela nasce com os genes do
cognitivo, herdados da linguagem verbal, e com os genes da expressividade,
herdados da linguagem musical. É filha legítima de duas prosódias feitas uma
para a outra, que se casam no papel – com o perdão do trocadilho!
Essa noção
esteve presente desde quando me propus a inventar canções. Nunca perdi de vista
o fato de que as palavras, depois, quando são cantadas, ganham outras
dimensões. Por isso evitei musicar alguns dos poucos poemas que cheguei a
produzir. O certo seria partir do zero!
Minhas
primeiras canções nasceram quando estava desatento. Não dei importância ao
processo criativo que as trouxe à luz. Conclui apenas que elas resultaram de
decisões racionais e impulsos emocionais, que deixei acontecer sem freios. Não
calculei a dosimetria, não medi os tempos e não segui regras. Mas é óbvio que
gostei das canções que criei, caso contrário já teria desistido. Fiquei satisfeito
por constatar que poderia alçar voos mais altos. Mas para tanto, teria que
estudar.
Decidido a
trazer a aventura de compor canções para o plano consciente, busquei
informações que me dessem alguma base. Encontrei pouca literatura acessível a
leigos, mas suficiente para estruturar uma linha de estudos. Li entrevistas com
compositores, pesquisei as revistas acadêmicas, colecionei artigos e naveguei
pelos blogs de música. Em pouco tempo já tinha um punhado de dicas que
pretendia seguir.
Naquela
época, andava pelas ruas assoviando melodias, tentando encontrar uma ideia
musical que valesse a pena. Coloquei-me no estado mental apropriado. Era como
se houvesse ligado uma chave no meu cérebro, que me colocou no “modo
compositor”. Formei consciência de que estava em pleno processo de compor uma
canção – ainda que não houvesse escrito um único verso nem organizado qualquer
sequência de notas musicais. Aos amigos e colegas de trabalho, mencionava o
fato de estar “compondo uma canção” – mas desconversava quando me perguntavam
sobre os detalhes.
Assumindo uma atitude criativa
Essa atitude
mental é decorrência da minha experiência como profissional de criação no
mercado da publicidade. Quem trabalha nessa área sabe: as ideias surgem a
qualquer hora, em qualquer lugar, desde que você esteja em “modo criativo”.
Na
lanchonete, na fila do caixa eletrônico, diante do computador, no
supermercado... Qualquer coisa serve de estímulo. Qualquer estímulo gera uma
infinidade de possibilidades criativas. Minha mulher já mencionou meu olhar
vago e perdido quando entro nesse estado mental. Minha filha já me rotulou de
imprudente quando circulo pelas ruas sem prestar atenção nos perigos da fauna
urbana. O fato é que, além de distraído, sou um sujeito de sorte: nunca fui
assaltado – aqui dou três toques no tampo da mesa e aviso que também não sou
supersticioso.
À noite,
quando chegava em casa, me abraçava ao violão e experimentava algumas
progressões de acordes, testando melodias que julgava promissoras. Na época ficava
rodeando uma sonoridade baseada no blues, pois era este o gênero musical que
mais ouvia naquela fase.
Dois ou três
dias depois... nada aconteceu!
Nenhuma
melodia passou no teste, nenhum verso empolgante surgiu. A conclusão foi óbvia:
o que me faltava era um briefing. Na
publicidade, se você não tem um briefing,
você não tem nada! Mesmo quando o cliente, por desconhecimento ou por
desorganização, não consegue fornecer instruções consistentes para orientar a
criação, é dever do criativo reunir o máximo de informações que lhe permita deduzir
qual a direção certa a seguir. Se pretendia inventar uma canção, tinha que
saber ao menos qual tema seria abordado, que emoções gostaria de expressar e
que tipo de reação desejava provocar.
Meu estado
mental, vejam só, estava focalizando o alvo errado. Antes de pensar na música,
tinha que pensar nos resultados que desejava alcançar. Foi então que descobri:
ser compositor é diferente de ser publicitário. Compositor não tem um cliente a
ser atendido, nem metas comerciais a atingir, nem fatores que limitem a criação
– pelo menos os compositores empenhados em fazer música pela música. Como era
esse o meu caso, constatei que poderia atirar para o alvo que bem entendesse.
As escolhas eram só minhas.
Mas para onde
atirar, afinal?
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