Quero ser compositor - Parte 4
Fui oportunista, mas não deu certo. O primeiro ingrediente de uma canção tem que ser a honestidade
Verdade e
autenticidade. Na publicidade não existe criação bem-sucedida sem esses dois atributos.
O público identifica de imediato qualquer mensagem dissimulada. Um texto
escrito por um redator sênior, tentando emular a fala pontuada de gírias de um
adolescente, não passa no detector de mentiras; soa como piada involuntária.
Causa constrangimento! Da mesma forma, um jovem redator despreocupado com
questões geriátricas terá dificuldades para falar aos mais idosos.
É por isso
que considero a criação publicitária uma das atividades mais honestas. Quando
você vê um anúncio, assiste a um vídeo no intervalo comercial ou se detém
diante de um cartaz na rua, de imediato sabe que estão tentando lhe vender
algo. A função comercial já está subentendida. É uma premissa!
Meus amigos
jornalistas não gostam quando faço provocações, insinuando que o jornalismo
trabalha no sentido oposto. A premissa é que as matérias publicadas nos jornais,
revistas, televisões e sites de notícias não querem vender nada, apenas
informar. São consideradas expressões da verdade, baseadas apenas em fatos. Pela
cabeça do público não passa a ideia de que haja interesses comerciais
embutidos. Mas... e se houver? E se estiverem tentando vender alguma coisa, ou
alguma ideia, sem que você seja alertado com antecedência? Quando digo, em tom
de gozação, que o jornalismo é mais suscetível a subterfúgios e maniqueísmos,
meus amigos jornalistas tomam isso como mera impertinência e desconversam. Mas eu
continuo cutucando:
– Quando escrevo
um anúncio, é claro que só menciono os atributos positivos do produto e as
virtudes do cliente. Só que é justamente isso que o leitor espera! Já vocês, não
podem elogiar, senão o leitor fica com o pé atrás. No jornalismo, criticar dá
mais audiência. Quanto mais incisiva a crítica, maior a sensação de verdade, o
que dá margem a certos exageros. Se na peça publicitária o exagero é
compreendido de imediato, na matéria jornalística ele só pode ser percebido a
posteriori, por comparação com outras publicações. Minha conclusão: a publicidade,
por natureza, é mais honesta e transparente!
Provocações
à parte, o fato é que a publicidade só consegue convencer alguém a agir se
trouxer argumentos racionais, informações cofiáveis e uma boa pitada de
sedução. Se o público não enxerga verdade na mensagem que recebe, a necessária
conexão emocional não se estabelece e ele não se deixa seduzir.
O tema é sempre emocional
Acredito que essa lógica também funciona com as canções. Elas também precisam de uma conexão emocional para fechar o circuito. Precisam ter a sinceridade e a autenticidade como matérias-primas, para dar sustentação à letra. Um sujeito com mais de 50 anos fazendo música para adolescentes... só se engatar um discurso na linha da autoajuda e seguir as cartilhas da psicologia. E olhe lá!
Se não
quisesse fazer o papel de ridículo, teria que escolher um tema do qual fosse íntimo.
Sobre o qual conhecesse o suficiente para transmitir credibilidade. A ideia tinha
que nascer de parto natural. O problema é que nunca podemos saber qual vai ser
a hora do parto!
Passei mais
três dias assoviando melodias na rua e tamborilando nas mesas e balcões que
encontrava pela frente. Mas, agora, estava focalizado um tema específico: o
abandono. Amores perdidos, desencontros, separações, saudades... Quantas canções
já foram criadas para lamentar as dores do abandono afetivo? Milhões, talvez!
Trata-se de um assunto que interessa a qualquer um. É universal.
Acreditava
que uma canção construída a partir desse tema não precisava ser deprimente. Não
precisava falar da tristeza de ser abandonado. Talvez, só precisasse fixar o
abandono de forma genérica, pondo-me no estado de espírito do abandonado... Talvez,
surgisse alguma ideia musical que valesse a pena ser burilada!
E não é que
deu certo? Enquanto esperava por uma pizza no balcão da pizzaria da esquina,
fui visitado pela inspiração. De alguma forma encontrei o fio emocional que me
ligou a uma imagem verdadeira e sincera. Quando cheguei em casa e coloquei a
pizza na mesa, já tinha na mente um refrão bem construído e comunicativo.
Agora, sim! Estava compondo uma canção.
Martelei
minha ideia musical pelo resto da noite, até pegar no sono. Passados dois dias,
ainda não havia saído do refrão – que àquela altura já não parecia tão bem
construído. Se quisesse concluir minha canção, teria que dedicar mais tempo a ela.
Foi o que programei para o meu final de semana.
Não há nada
como se atracar com o violão numa tarde chuvosa de sábado. Harmonizei o refrão,
mas não me dei por satisfeito. Algo não estava me convencendo... Deixei de lado
o refrão e resolvi me dedicar ao que seriam os versos iniciais da minha canção.
Dedilhei alguns acordes numa tonalidade confortável para minha voz e arrisquei
uma melodia. Gostei! Então, algumas palavras me vieram:
– Sofrer de
amor – cantei.
Foi quando a
construção musical que vinha erguendo há uma semana desmoronou por completo! Esfarelou-se!
Este verso surgiu com tamanho vigor que mudou os rumos da criação. O que era
para ser um blues virou uma bossa nova. Empolgado, abandonei minha ideia
inicial – nem lembro como era o refrão que havia criado. Percebi que estava
nascendo uma canção consistente, musical e emocionalmente.
Estava na hora do parto!
Estava na hora do parto!
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