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A Sombra de Stalin: a história real de um herói esquecido

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A Sombra de Stalin: dirigido por Agnieska Holland UM HERÓI DE VERDADE QUE MERECE SER LEMBRADO Estava passeando pelo serviço de streaming e decidi apertar o play num filme destacado como sugestão. É um risco, sei muito bem. Mas minha política é dar alguns minutos para que o filme ao menos possa mostrar a que veio. Muitos, de tão precários, acabam ganhando apenas isso: alguns poucos minutos. Mas A Sombra de Stalin , filme de 2019 dirigido pela polonesa Agnieszka Holland ganhou minha atenção e meu respeito. É uma produção acima da média, que apresenta um personagem admirável, envolvido numa história escabrosa, mas muito bem contada. Baseado em fatos, mistura thriller com melodrama e traz à tona elementos históricos que, apesar de terem acontecido há quase um século, ainda irradiam atualidade e urgência.           A cena de abertura nos apresenta a um escritor misterioso, martelando sua máquina de escrever num ambiente rural, cercado de animais. Sua narrativa remete ao protagonista, Gareth

Dersu Uzala: poesia audiovisual de Akira Kurosawa

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Dersu Uzala: dirigido por Akira Kurosawa QUANDO O CINEMA GANHA EXPRESSÃO POÉTICA Em Curitiba, nos anos 1970, havia um grande portal para o espaço-tempo. Costumava usá-lo com rotineira frequência – praticamente todos os finais de semana. Era enorme, daqueles com um imenso saguão de entrada, plateia e primeiro balcão. Usava-o para acessar mundos distantes e épocas remotas, passadas e futuras. Como é da natureza dos portais, havia pouco o que reparar nele. Todas as atenções se voltavam para a janela que se abria e o crucial momento da travessia. Enquanto isso, as expectativas eram vencidas com a ajuda de um saquinho de pipocas ou uma caixinha de balas Mentex. Apesar de perceber pessoas ao meu redor, as jornadas nas quais embarcava eram sempre solitárias e de esforço pessoal. Ainda hoje me sinto conectado com aquele lugar. E nesse momento em que escrevo, tal conexão é real! Palpável. Consigo me ver sentado numa das poltronas vermelhas, com o olhar vidrado. Encantado! Com a mente desconecta

Lion - Uma Jornada para Casa: o drama real de um garotinho indiano

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Lion - Uma Jornada Para Casa: dirigido por Garth Davis UMA HISTÓRIA SIMPLES E PODEROSA Os filmes têm esse poder de estabelecer conexões emocionais entre as experiências que vivenciamos de fato e aquelas das quais nos apropriamos depois fruir uma obra cinematográfica. Não há lógica nessas conexões, mas elas afetam a nossa visão do mundo e a maneira como lidamos com ele. Quando penso em Lion - Uma Jornada Para Casa , produção australiana de 2016 dirigida por Garth Davis, não consigo deixar de lembrar o fato que me aconteceu naquela noite chuvosa, antes de assistir ao filme.           Quando voltava para casa ao cair da tarde, parei em um posto para abastecer o carro. O frentista anotou o valor num papelzinho e eu tomei o rumo da loja. Queria chegar depressa ao caixa, pagar de uma vez e seguir viagem. O rapaz que abastecia na bomba ao lado também estava com pressa e veio logo atrás. Acontece que o chão estava liso e acabei escorregando. Foi um tombo... cinematográfico! Daqueles em que o v

O Expresso da Meia-Noite: exagerando os horrores da prisão

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O Expresso da Meia-Noite: filme de Alan Parker QUE ISSO SIRVA DE EXEMPLO Completei 18 anos quando o filme O Expresso da Meia-Noite foi lançado em 1978. Estava apto, portanto, a comprar meu ingresso e me acomodar numa das poltronas daquela sala de cinema quase vazia. Sabia que estava prestes a encarar um filme denso, com temática adulta e que prometia causar polêmica. Mas não estava preparado para tamanho impacto. O filme me apresentou a um novo tipo de cinema, feito para incomodar, que faz questão de ser impertinente e de tocar em temas espinhosos. Um filme que, logo entendi, pertencia à linhagem dos que têm o prazo de validade estendido por décadas – como Taxi Driver , de 1976.           Saí do cinema com dois nomes na cabeça, que havia extraído dos créditos: Alan Parker, o diretor e Oliver Stone, o roteirista. Os mesmos nomes nos quais tropecei ao percorrer as páginas dos cadernos de cultura dos jornais e das revistas especializadas. Na mídia, o filme  O Expresso da Meia-Noite logo

Tempos Modernos: até hoje, o ícone mais palpável da modernidade

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Tempos Modernos: filme de Charlie Chaplin A PANTOMIMA QUE RESISTE AO CINEMA FALADO Não há escapatória! Os profissionais da comunicação que criam para a internet, concebendo anúncios, postagens, vídeos e peças promocionais, precisam lançar mão de um recurso gráfico que se tornou obrigatório: o ícone. Esses signos, pequenas imagens que carregam extraordinário poder de síntese, valem por todas as palavras que não pronunciamos porque estamos sempre apressados. Decidiu qual produto comprar? Então clique no desenho do carrinho de supermercado. Quer mostrar seu apreço pela foto postada por um amigo? Então clique no desenho da mão gesticulando um positivo. Tudo muito intuitivo, rápido e fácil, como nos cabe nesses... tempos modernos!           Por óbvio que os ícones não são invenções dessa geração que agora está no comando. Remontam ao surgimento da própria escrita e são utilizadas desde sempre para representar variados conceitos. Não sei se Charlie Chaplin os tinha em mente quando criou seu

O Homem Que Viu o Infinito: a história real de Srinivasa Ramanujan

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O Homem Que Viu o Infinito: filme dirigido por Matt Brown TODA A MODÉSTIA QUE NÃO SE ESPERA DE UM GÊNIO Matemática nunca foi meu forte. Meu pendor sempre foi para as matérias da área de humanas. Quando frequentei os bancos do curso técnico em eletrônica, no ensino médio, precisei estudar um ou outro conceito mais avançado dessa ciência tão exigente. Lembro também de ter me empolgado com a beleza e a elegância da geometria analítica. Porém, tão logo entrei para a faculdade de comunicação, esqueci tudo. Tudo mesmo! A única lembrança que guardei foi a noção da matemática como uma poderosa linguagem, capaz de dar materialidade aos conceitos mais abstratos. Invejava os que conseguiam enxergá-los apenas de olhar os números, mas jamais me dispus a desenvolver a necessária intimidade com a matéria.           Por isso, quando o filme O Homem Que Viu o Infinito , realizado em 2015 por Matt Brown, se ofereceu diante dos meus olhos no serviço de streaming, relutei em assistir. A biografia de um m

O Escritor Fantasma: um thriller de suspense com toque noir

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O Escritor Fantasma: dirigido por Roman Polanski AH, CLARO... SÓ PODIA SER DO POLANSKI! Tive um dia atarefado, escrevendo conteúdo para o site de um cliente e tentando – mais uma vez – estruturar o canal da Crônica de Cinema no YouTube. Para relaxar, peguei o controle remoto e me acomodei no sofá. Já bastante sonolento, comecei a zapear num ato reflexo. De repente, fui fisgado por uma cena lindamente fotografada, onde o ator Ewan McGregor circulava por uma incrível mansão de arquitetura moderna e arrojada. O enquadramento cuidadoso e os movimentos precisos da câmera me fizeram pensar – Uau! Esse diretor sabe o que faz. Merece atenção!           É nesses momentos que ergo as mãos para o céu e agradeço pela tecnologia que hoje está à disposição dos cinéfilos. Cliquei no botão para retomar a programação ao vivo e me preparei para assistir ao filme desde o início. Porém, estava tão sonolento que só me dei conta de onde estava me metendo quando o título ficou nítido diante dos meus olhos. D

Druk - Mais uma Rodada: um filme... etílico!

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Druk - Mais uma Rodada: filme de Thomas Vinterberg BEBER É ARRISCADO, MAS PODE SER UMA JORNADA DE APRENDIZADO Apenas quatro dias depois de iniciar as filmagens de Druk - Mais uma Rodada , seu filme de 2020, o diretor Thomas Vinterberg recebeu uma ligação que o pôs devastado: tragicamente, sua filha Ida, de 19 anos, perdera a vida num acidente de carro. Ela estava escalada para interpretar a filha de um dos protagonistas e se mostrava empolgada com a produção, que abordaria o universo dos estudantes do ensino médio. Inclusive, várias cenas seriam filmadas na sala de aula que frequentava, com alguns de seus colegas como figurantes. Vinterberg, certo de que seria desejo da filha ver o filme concluído, encontrou forças para seguir em frente. Realizou um filme denso, complexo e tocante.           Começar a escrever sobre um filme partindo de circunstâncias trágicas, que não têm relação direta com seu enredo, pode ser arriscado. Pode criar um gatilho emocional que termine por contaminar a op

Roma: um bairro na cidade do México eternizado em filme

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Roma: filme dirigido por Alfonso Cuarón MEMÓRIAS DE INFÂNCIA, REVISITADAS COM SENSIBILIDADE O sucesso que Alfonso Cuarón alcançou com Gravidade , lançado em 2013, foi retumbante. O filme arrasou nas bilheterias e faturou sete Óscares, incluindo o de melhor diretor – o primeiro conferido a um mexicano. Depois desse fenômeno, Cuarón se tornou um gigante do cinema mundial e se viu na privilegiada posição de poder filmar o que bem entendesse. Para nossa sorte, ele entendeu que deveria realizar Roma , sua obra-prima de 2018!           Roma é um filme de memórias. Tem mais de duas horas, é fotografado em branco e preto e apresenta raras linhas de diálogos – poucas delas estruturadas de forma convencional. Nada disso afugentou o público, que tem encontrado o título nos serviços de streaming. A maior parte das cenas são contemplativas, algumas são expositivas, mas todas são emocionantes! Alfonso Cuarón realizou um filme delicado, envolvente e belo.           Para minha surpresa, quando busque

Feitiço do Tempo: um personagem na trilha do autoconhecimento

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Feitiço do Tempo: filme dirigido por Harold Ramis CADA UM APRENDE NO SEU TEMPO, MAS PHIL CONNORS TEVE TODO O TEMPO DO MUNDO No cinema, quem é o dono de uma história, afinal? O seu autor? O roteirista que a estruturou num discurso palatável para as audiências? O diretor que a concebeu visualmente, a envolveu na atmosfera adequada e lhe deu um ritmo apropriado? O detentor dos seus direitos de exibição? Há um sem número de pendengas jurídicas tribunais afora, na tentativa de encontrar respostas. Há também muitos descontentes que se consideram plagiados. O filme  Feitiço do Tempo , comédia dramática de 1993 dirigida por Harold Ramis, não escapou dessa polêmica. Mas para tocar nesse assunto, é preciso partir da sua sinopse.           O filme conta a história de Phil Connors (Bill Murray), um repórter do tempo presunçoso e arrogante. Alcançou o status de subcelebridade e já não se contenta com o pedestal onde subiu. Quer alcançar um mais alto. Antes, porém, terá que roer os ossos do ofício e

Nomadland: a vida sem residência fixa

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Nomadland: filme dirigido por Chloé Zhao LIBERDADE, UM BOM MOTIVO PARA METER O PÉ NA ESTRADA Há um tom de ironia na palavra “nomadland”, que dá título ao filme vencedor do Óscar de 2021. Numa tradução apressada, entendemos que se trata de uma “terra dos nômades”. Ora, nômades, por definição, não têm terra! Seguem errantes em busca de recursos e jamais se fixam. Logo, o termo deve ter sido cunhado para se referir a uma suposta terra imaginária, de sonhos e fantasias, como em “Disneyland”, ou “La La Land” – para citar outro ganhador do Óscar. Esse raciocínio me levou a supor qual seria, afinal, o viés do filme dirigido pela cineasta Chloé Zhao: ressaltar o quão melancólica e infeliz é a escolha dos que se afastam do sistema econômico e se agarraram a uma vida nômade, na tentativa inútil de alcançar uma liberdade... utópica!           Ora, liberdade nada tem de utopia. É um conceito abstrato que emana da razão. É um direito fundamental e seu exercício é básico para que o ser humano seja f

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