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Adeus, Lenin!: uma comédia sutil, que enaltece os valores familiares

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Adeus, Lenin!: filme de Wolfgang Becker À PROCURA DA FELICIDADE, APESAR DO ESTADO Em 1989, a queda do muro de Berlim foi transmitida ao vivo e em cores para o resto do mudo. Cenas de jovens eufóricos, festejando empoleirados ao som de uma trilha sonora moderna e nervosa, anunciavam o começo de uma nova era de liberdade. Não havia mais espaço para os desmandos autoritários, vícios burocráticos ou interferências do estado policial, sustentado à base de privilégios para os dirigentes. Os cidadãos da RDA comemoravam o direito de ir e vir e faziam questão de mostrar que não queriam mais ser tutelados pela coletividade. Foram noites e dias de uma espécie de carnaval fora de época, deixando implícito a inevitável chegada de uma quarta-feira de cinzas com gosto azedo de ressaca. E ela chegou rápido para os alemães. O processo de reunificação foi complexo e penoso, mas rápido. Em pouco mais de dez anos, já não se encontravam vestígios da vida que se levava intramuros. Assim, quando o cineasta W

Sicario: Terra de Ninguém: de que lado está o assassino?

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Sicario: Terra de Ninguém: filme de Denis Villeneuve LUTANDO NA FRONTEIRA DA ÉTICA E DA MORAL Os policiais, no seu esforço para combater o tráfico de drogas, estão do lado dos mocinhos. Os traficantes, aferrados à violência, estão na horda dos bandidos. O embate entre ambos os lados resulta em incontáveis cenas de ação, coreografadas com precisão e capturadas graficamente nos seus detalhes mais sórdidos. É o que temos no cardápio da maioria dos filmes policiais, interessados em oferecer entretenimento ligeiro e despreocupados em matar nossa fome de bom cinema. Em Sicario: Terra de Ninguém , filme de 2015 dirigido por Denis Villeneuve, o prato principal é outro: os realizadores fazem questão de nos servir um punhado de temas filosóficos e questões morais, envoltos por uma atmosfera de tensão e desorientação, temperados com um forte sabor amargo de realidade. No final, saímos empanturrados de tanto cinema de qualidade!           A violência é ingrediente salpicado com generosidade em vár

Avatar: ficção científica com significados espirituais

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Avatar: filme dirigido por James Cameron VAMOS ACABAR FLUENTES NO IDIOMA NA’VI Quando foi lançado em 2009, o filme Avatar , dirigido por James Cameron, extasiou os amantes da ficção científica. A promessa de imagens espetaculares, geradas por meio de tecnologias de ponta na computação gráfica, foi atrativo mais do que suficiente para me arrastar até um cinema IMAX, onde assisti ao filme em 3D. Precisei comprar os ingressos com antecedência – dois, porque fiz questão de levar Ludy comigo. Minha mulher não é exatamente uma entusiasta do gênero, mas entrou no cinema certa de que aproveitaria bons momentos de entretenimento. Saiu satisfeita, mas sem demonstrar um décimo da empolgação que se apoderou de mim. Na volta para casa, já fazia planos para revisitar o filme tantas vezes quanto fossem necessárias, até investigar todos os seus detalhes.           Para os cinéfilos mais concentrados na arte cinematográfica, Avatar é cinema comercial por excelência, rotulado imediatamente como peça de

A Guerra do Amanhã: ação, drama familiar e uma premissa descabida

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A Guerra do Amanhã: dirigido por Chris McKay HAVERÁ FUTURO PARA NOSSOS FILHOS E NETOS? Nesses dias conturbados, temos uma guerra entre russos e ucranianos sendo transmitida ao vivo por todas as plataformas. E uma das incômodas, que produzem cenas tristes, lamentáveis e absurdas de tanta destruição. Quando o conflito eclodiu, o que primeiro chamou a atenção da opinião pública foi a idade dos soldados no campo de batalha. Jovens de 18 ou 19 anos, metidos em uniformes e armados de fuzis, que não conseguem disfarçar a expressão assustada. Entretanto, não há novidade na convocação da juventude para encarar os horrores da guerra. A humanidade faz isso desde sempre. Deixa os donos do poder – eles mesmos os causadores das guerras – na retaguarda, para dar ordens e costurar as narrativas que julgarem apropriadas, enquanto os garotos morrem no front. Essa lógica cruel que rege as guerras de verdade aparece invertida no filme A Guerra do Amanhã , dirigido em 2021 por Chris McKay. Nessa ficção cie

O Oscar 2022 e a cura da alopecia

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QUANTO VALE UM TAPA? A polêmica em torno do tapa de Will Smith na cara de Chris Rock durante a cerimônia do Óscar 2022 continua. Depois de incontáveis memes, alguns engraçados e outros desnecessários, foi a vez dos teóricos da conspiração assumirem a palavra, agora para esquadrinhar a provável armação que gerou um dos maiores espasmos de mídia espontânea dos últimos tempos. Não houve canto do planeta onde os nomes dos dois atores – e também o da senhora Jada Pinkett Smith – não tenham sido pronunciados.           Mas não foi só isso! Um nome antes desconhecido, tornou-se mundialmente famoso da noite para o dia: alopecia aerata! Agora, todos os viventes desse mundo sabem como chamar a doença autoimune associada a fatores genéticos, que afeta os folículos capilares e causa falhas no couro cabeludo, na barba, nos cílios e sobrancelhas. E podemos ir mais longe! Os viventes que pesquisaram sobre a doença nos seus celulares agora sabem que há um remédio chamado baricitinibe, fabricado pelo

O Grande Ditador: uma sátira brilhante criada por Charlie Chaplin

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O Grande Ditador: filme de Charlie Chaplin UM BIGODINHO CURTO NA FRONTEIRA ENTRE O BEM E O MAL Quando criança, os filmes de Charlie Chaplin exibidos vez ou outra na TV me faziam sentar diante da telinha. Ficava magnetizado pela estampa do vagabundo de bigodinho curto, chapéu coco e bengala, movimentando-se na velocidade mais acelerada dos filmes mudos. Quando, na aula de história, a professora mostrou uma foto de Hitler, lá estava de novo o tal bigodinho curto. Perguntei se era irmão do Carlitos e ela caiu na risada, mas desconversou. Havia muita semelhança física entre os dois personagens, mas também semelhanças biográficas – nasceram com poucos dias de diferença, em berço pobre e percorreram trajetórias de sucesso ancoradas na capacidade de realização – ainda que em direções opostas da linha entre o bem e o mal. No final dos anos 1930, fascinado por essas semelhanças e seus significados – e incentivado pelo produtor Alexander Korda – Chaplin decidiu realizar o filme O Grande Ditador

Óscar 2022: um tapa nos índices de audiência

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Óscar 2022: o perrengue entre Will Smith e Chris Rock LUZ, CÂMERA... AÇÃO! A vida seguia sem grandes novidades na noite de domingo. Guerra lá na Ucrânia, querelas eleitoreiras aqui no Brasil, impostos aumentando lá nos Estados Unidos, o dólar caindo... Por todo o mundo, as pessoas tentavam encontrar algo com que se entreter: filmes nos serviços de streaming, shows, livros, videogames... Quantos estavam verdadeiramente ligados na cerimônia do Óscar? Poucos, se levarmos em consideração a audiência que já foi esmagadora nos tempos áureos da premiação, mas despencaram. Entretanto, numa inversão brutal das tendências, não havia outro assunto na segunda-feira pela manhã em todas as redes sociais: o perrengue entre Will Smith e Chris Rock, envolvendo a mulher do primeiro, Jada Pinkett Smith, depois que ela foi alvo de uma piada de mal gosto feita pelo segundo. Foi um tapa nos índices de audiência!           Sim, caro leitor, estou insinuando que talvez o episódio tenha sido armado com objetiv

Patch Adams - O Amor É Contagioso: uma história real

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Patch Adams - O Amor É Contagioso: dirigido por Tom Shadyac SOBROU COMÉDIA E AÇUCAR, FALTOU O DRAMA Há muitos erros em Patch Adams - O Amor é Contagioso , dirigido em 1998 por Tom Shadyac. Mas há pelo menos dois acertos que ajudaram a conquistar uma legião de fãs para o filme. O primeiro deles foi trazer à tona um tema sensível, que sempre resvalou nossas vidas, ainda que não nos déssemos conta: a impessoalidade com a qual somos tratados pela classe médica. De repente, nos damos conta de que saúde e doença são estados que expressam a nossa individualidade, mas a sociedade teima em enxergá-los como manifestações padronizadas, que só se materializam no coletivo. Os sintomas servem apenas para levar ao diagnóstico. Os tratamentos que funcionam com uns, devem funcionar com a maioria. A cura é um processo que vem ao nosso encontro, de fora para dentro... Enquanto tais conceitos questionáveis saltam aos olhos, o filme nos faz confrontar duas realidades, que se tangenciam: de um lado, a angús

O Homem da Máfia: adaptado do livro escrito por um virtuoso dos diálogos

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O Homem da Máfia: dirigido por Andrew Dominik PERSONAGENS QUE FALAM, FALAM... E SE REVELAM! Tom de voz, microexpressões, figurinos, o jeito de andar, o gestual... Um ator se vale de diferentes recursos para melhor caracterizar seu personagem, buscando transmitir verossimilhança e profundidade dramática. O diretor também faz a sua parte: mantém a câmera a uma distância adequada, imprime o ritmo certo para a cena, escolhe enquadramentos expressivos, uma música incidental pertinente, a luminosidade apropriada... Quando esse conjunto toca afinado o resultado é... cinema! Mas acontece que uma boa história não pode ser contada apenas com elementos cosméticos. É preciso revelar a verdade do personagem. É preciso explicitar suas intenções, escancarar seus segredos, radiografar o que se passa no seu inconsciente... Quem faz isso é o roteirista! E o faz por meio de um poderoso recurso narrativo: o diálogo. O Homem da Máfia , filme de 2012 dirigido por Andrew Dominik, é um filme que valoriza as f

O Povo Contra Larry Flint: o drama real do fundador da Revista Hustler

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O Povo Contra Larry Flint: filme dirigido por Miloš Forman A LUTA PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO Defender a liberdade de expressão de alguém cujas ideias você concorda, é fácil. Tolerar que alguém com crenças e valores iguais aos seus tenha voz na mídia, é moleza. Mas quando o sujeito é inconveniente, infame e lhe parece asqueroso? Quando ele faz questão de lidar com temas desconfortáveis e vai na direção oposta à sua? Quando ultrapassa todos os limites e fala sobre aquilo que você não quer ouvir? É justamente aí que a tal liberdade de expressão ganha concretude e passa a fazer sentido. Mas também é aí que a tentação de amordaçar aparece. Os controladores acham que liberdade de expressão tem limites. Os liberais lembram que liberdade limitada deixa de ser liberdade. Quem vence essa discussão? A opinião pública americana foi testada por um provocador contumaz e acabou se rendendo ao óbvio: a liberdade não pode ter limites! É o que vemos no filme O Povo Contra Larry Flint , dirigido em 1996

Contra o Gelo: uma história real de sobrevivência e coragem

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Contra o Gelo: filme dirigido por Peter Flinth SOMOS FISGADOS PELA AUTENTICIDADE Filme de sobrevivência, baseado em fatos envolvendo personagens reais! Eis aí uma isca que consegue fisgar a maioria dos cinéfilos. Funciona com a Ludy, funciona comigo. Minha mulher e eu sempre damos uma chance a qualquer história que traga tais palavras na sinopse. Foi o que fizemos quando nos deparamos no serviço de streaming com o filme Contra o Gelo , dirigido em 2022 por Peter Flinth. Dessa vez, não nos arrependemos. É uma produção de qualidade e envolvente, que nos impele a seguir com atenção até os créditos finais.           Trata-se de um filme dinamarquês – a oferta de bom cinema chegando daquele país tem sido grande nos últimos anos! A história se desenrola nos primeiros anos do século XX, quando ainda havia lugares inexplorados em nosso planeta e homens intrépidos o suficiente para arriscar-se no desconhecido, seguros de que retornariam vitoriosos. E quando voltavam, traziam relatos assombrosos

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