Milagre da Cela 7: personagens fofos submetidos a muita injustiça

Cena do filme Milagre da Cela 7
O Milagre da Cela 7: filme dirigido por Mehmet Ada Öztekin

NÃO HÁ MILAGRE QUE CONSIGA CONSERTAR ESSE FILME

Se o filme Milagre da Cela 7 fosse mexicano, seria fácil. Bastaria classificá-lo como mais um daqueles dramalhões piegas que já fazem parte do anedotário popular. Como se trata de um filme turco – remake de um filme coreano com o mesmo nome – prefiro enquadrá-lo como uma obra de qualidades escassas. Esse cuidado é porque não conheço a cultura local em detalhes e, eventualmente, pode ter me escapado algum elemento estético que justifique tamanha pieguice.
        Descer a lenha em um filme desses é complicado. Muitos espectadores compram de imediato o apelo fácil de colocar em cena dois personagens fofos e submetê-los às mais violentas injustiças. Como as lágrimas vêm fartas, classificam o filme como emocionante. Mas em Milagre da Cela 7 a emoção é circunstancial e rasa. Não emerge das profundezas dos personagens como resultado das experiências e transformações impostas pelo contexto dramático. Tudo se resume a uma maçaroca de tristeza, raiva e sofrimento, deflagrada cena após cena.
        No papel de Memo, o adulto cujo déficit cognitivo o coloca no mesmo nível de maturidade de uma criança de cinco anos, o
 ator Aras Bulut Iynemli construiu seu personagem para ser apenas isso mesmo: um adulto retardado. Atua de forma caricata e não consegue comunicar nada além de inocência e ingenuidade. Nisa Sofiya Aksongur, a garotinha encantadora que interpreta Ova, a filha de Memo, tem olhos tão tristes que nos deixam penalizados. Sem a menor cerimônia, sua estampa luminosa é usada com fartura, para que, na plateia, continuemos sempre penalizados.
        O roteiro assinado por Kubilay Tat e Özge Efendioglu é rudimentar. Desfia uma sequência de cenas lineares, articuladas de forma maniqueísta, para apresentar uma série de estereótipos previsíveis: o militar autoritário e desumano, a avó sabia e sofredora, a professorinha meiga e generosa, os carcereiros desalmados, os prisioneiros nefastos... E no final, manipula o espectador com cenas dúbias, só para criar algumas oportunidades a mais de levá-lo às lágrimas.
        É tanto sofrimento em sequência, e tamanha desesperança a cada revés, que chegamos a acreditar que o tal milagre prometido ocorrerá, de fato, pela intervenção divina. Mas a conversão de todo o núcleo malvado da trama pela força da inocência e da ingenuidade dos personagens principais – um resultado inverossímil, para dizer o mínimo – acontece como era de se esperar, trazendo a redenção e o alívio num final feliz.
        Mehmet Ada Öztekin é um diretor sem receio de usar e abusar dos clichês. E faz isso o tempo todo, ao som de uma trilha sonora apelativa e nada sutil. Seus planos enquadrando personagens pensativos, encarando o vazio sem insinuar qualquer subtexto, demoram mais que o necessário. E mostrou que prefere conjugar o verbo “dramatizar” ao pé da letra em todas as cenas.
        Ao contrário do que ouvi por aí, Milagre da Cela 7 não é um filme edificante. Seus ensinamentos morais não são novidade nem para as crianças em idade pré-escolar. Não há esforço de superação dos personagens, que permanecem o tempo todo passivos, à espera do tal milagre. Tudo o que os realizadores conseguem é nos confrontar com a injustiça. Nos deixam com pena, com raiva e com vontade de que o final chegue de uma vez por todas.
        Em termos cinematográficos, Milagre da Cela 7 é uma obra irrelevante. Descer a lenha num filme como esse chega a ser catártico! Agora que me sinto mais tranquilo, consigo me lembrar qual foi a última vez em que assisti a um personagem sendo brutalmente maltratado, a ponto de me deixar penalizado, em total estado de empatia com a trama. Foi em John Wick – De Volta ao Jogo. Aqueles desalmados que mataram o cachorrinho dele tiveram o que mereciam!

Resenha crítica do filme Milagre da Cela 7

Ano de produção: 2019
Direção: Mehmet Ada Öztekin
Roteiro: Kubilay Tat e Özge Efendioglu
Elenco: Aras Bulut İynemli, Nisa Sofiya Aksongur, Celile Toyon, İlker Aksum, Mesut Akusta, Deniz Baysal, Yurdaer Okur, Sarp Akkaya, Yıldıray Şahinler, Deniz Celiloğlu, Ferit Kaya, Serhan Onat, Emre Yetim, Gülçin Kültür Şahin, Cankat Aydos, Doğukan Polat e Hayal Köseoğlu

Comentários

  1. Assisti Milagre da Cela 7, mas a versão coreana. E confesso que gostei. Concordo que é um filme de emoção fácil. Ainda assim o considerei uma boa diversão para domingo à tarde. Abraço!

    ResponderExcluir
  2. Sim, Jorge! É uma boa diversão. Assisti ao filme inteirinho! Pelo título e pela construção inicial do filme, já sabemos que o personagem vai se dar bem no final, então, é relaxar e curtir. No meu caso, o problema é depois do filme, na hora de analisar a forma além do conteúdo. Abtração!

    ResponderExcluir
  3. Não consegui passar dos 30 minutos de filme e nem quero. Um boa sujestão de cinema turco é o intrigante Sono de inverno.

    ResponderExcluir
  4. Concordo com você. Não consegui ir até o fim por ser extremamente apelativo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, como sou teimoso, fui até o final, até mesmo para poder escrever sobre o filme depois!!!!

      Excluir
  5. Concordo que é muito apelativo mas, para uma sessão da tarde é um dramalhão como muitos que passam na Globo. 😃😃😃😃

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, de fato, não podemos ter nada contra os dramalhões, desde que saibamos manter o espírito crítico.

      Excluir
  6. Às vezes, precisamos apenas de histórias mesmo que pouco verossímeis. Eu, ao contrário, não adivinhem o fim logo no começo. Fiquei esperando mais e mais sofrimento. Mas o final feliz realmente é pouco cível mas o título já diz. Só por um milagre mesmo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tem razão! No final, o que resta é mesmo o conceito do milagre! O final feliz é um alento.

      Excluir
  7. Apesar de ser óbvio, eu gostei do filme, não é meu estilo, mas esse tem lá seus encantos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O filme é eficiente em pôr as cartas na mesa e focalizar no sofrimento dos seus personagens. Como sabemos que haverá um milagre, ficamos envolvidos e dispostos a ir até o final. É onde encontramos o encantamento.

      Excluir

Postar um comentário

Confira também:

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema