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Mostrando postagens com o rótulo Drama

Sobre Meninos e Lobos: o perturbador Mystic River

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Sobre Meninos e Lobos: direção de Clint Eastwood PROFUNDIDADE DRAMÁTICA E CINEMA MINUCIOSO Sobre Meninos e Lobos , dirigido em 2003 por Clint Eastwood, não é um filme fácil. É doloroso, incômodo e provocador; obriga o espectador a encarar uma gama de emoções fortes, experimentadas por personagens introspectivos, com os quais é difícil estabelecer empatia – não gostaríamos de estar no lugar de nenhum deles! Ainda assim, é um grande filme, que merece ser visto e revisitado; oferece cinema de qualidade e tem lugar de destaque na filmografia de um diretor ousado o suficiente para transitar na contramão do cinema comercial – ao invés de impor um ritmo vertiginoso, pontuado com cenas rápidas, editadas em frenesi, prefere os planos longos, que capturam as minúcias do que seus atores têm para oferecer.           Antes de falar do filme, porém, gostaria de lembrar do material original, que foi adaptado para as telas: o livro Sobre Meninos e Lobos – Mystic River , es...

O Talentoso Ripley: um remake imprescindível

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O Talentoso Ripley: direção de Anthony Minghella UMA ILHA DE GÉLIDA PSICOPATIA, CERCADA DE BELEZAS Tempos atrás, escrevi uma crônica sobre a minissérie Ripley , dirigida em 2024 por Steven Zailian. Lembro que Ludy e eu maratonamos os oito episódios com avidez, hipnotizados por aquela produção envolvente; minha mulher, inclusive, ficou interessada em rever o filme O Talentoso Ripley , dirigido em 1999 por Anthony Minghella – o que fizemos dias depois. Num primeiro momento, considerei desnecessário escrever sobre essa adaptação do romance de Patricia Highsmith; seria cair em redundância, já que o personagem e a trama de assassinatos que ele protagoniza estão descritos no meu texto anterior. Acontece que a qualidade do cinema realizado por Minghella é tão notável que mudei de ideia; decidi revisitar o mundo do psicopata gélido que consegue se safar da punição por seus crimes, graças a uma combinação de sorte com uma gélida meticulosidade.           O romance d...

Os Vigaristas: uma comédia dramática envolvente

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Os Vigaristas: filme de Ridley Scott UM FILME REPLETO DE VIGARICES Para iniciar minha crônica sobre o filme Os Vigarista s, dirigido em 2003 por Ridley Scott, pensei em duas abordagens distintas. A primeira tem relação com seu título original, Matchstick Men – numa tradução livre, algo como “homens palito de fósforo” –, que inglês é uma gíria para vigaristas ou amigos do alheio; há, porém, uma sutileza: a sonoridade é bastante próxima à expressão Majestic Men – numa tradução livre, algo como “homens majestosos”. Um anglófono, portanto, entende que a estampa majestosa de um vigarista é parte integrante do seu ser, e que ela se desmanchará depois que a vítima tomar consciência de que foi tapeada; será apenas um inútil palito de fósforo carbonizado e deformado. Ou seja: só esse título original já fez rodar um filme inteiro na minha cabeça de cinéfilo ansioso.           A segunda abordagem está relacionada com episódios reais que vivenciei. Lembro que minha mã...

Conclave: suspense papal voltado para os não católicos

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Conclave: direção de Edward Berger NARRATIVA MANIPULADORA, PERSONAGENS CARICATOS Esta crônica contém spoilers . Um tal alerta logo de início não é comum aqui na Crônica de Cinema; por regra, evito revelar detalhes cruciais, para não estragar a surpresa dos cinéfilos. No entanto, Conclave , filme de 2024 dirigido por Edward Berger, pisa num terreno tão escorregadio que decidi fazer uma exceção. Caso você ainda não tenha assistido a esse filme, sugiro que o faça antes de continuar a leitura; mas peço que tenha em mente alguns pontos importantes: o filme descarta o conteúdo religioso, para se concentrar nos meandros da disputa eleitoral de um novo papado; esboça os embates políticos de forma caricata e desenha personagens estereotipados; escancara um viés progressista, com uma narrativa manipuladora em favor de mudanças na Igreja; desconsidera a fé como princípio vital que há dois mil anos rege o catolicismo – ao contrário, enaltece a dúvida!           Se você...

A Paixão de Cristo: respeitoso, honesto e intenso

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A Paixão de Cristo: direção de Mel Gibson CINEMA OFERENCENDO UMA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA INTENSA As palavras sempre me fascinaram. Quando criança, costumava me entreter com uma brincadeira singela: escolhia uma palavra qualquer – por exemplo, “banana” – e a repetia mentalmente milhares de vezes. Depois de um certo tempo, as sílabas deixavam de fazer sentido e a palavra perdia qualquer vínculo com a imagem que representava; virava uma massa pastosa, capaz de assumir outra forma qualquer – por exemplo, a de um carro vistoso que acabara de passar na rua. Chamar um carro de banana, agora era perfeitamente possível. Vejam só! Ainda que tivessem vida própria, as palavras estavam sujeitas aos meus desmandos.           Em escala global, isso também aconteceu com a palavra “paixão”. Vinda do latim “passione”, significava o ato de suportar um sofrimento; de sofrer por causa de algum mal, seja no corpo, seja na alma. Foi o que Jesus Cristo experimentou durante a crucifi...

Cabrini: cinebiografia da padroeira dos imigrantes

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Cabrini: dirigido por Alejandro Monteverde HISTÓRIA INSPIRADORA, CINEMA CONSISTENTE Ao se deparar nos serviços de streaming com o filme Cabrini , dirigido em 2024 por Alejandro Monteverde, alguns cinéfilos talvez se ponham de sobreaviso. Primeiro, porque aparenta se tratar apenas de uma obra religiosa. Segundo, porque o diretor e o roteirista são os mesmos que assinaram Som da Liberdade , filme que dividiu opiniões por toda a mídia. Terceiro, porque é uma realização da Angel Studios, a produtora especializada em temas cristãos, responsável pelas bem-sucedidas campanhas de crowdfunding que viabilizaram sucessos estrondosos, como a série The Chosen .           Se você é apegado aos valores conservadores, é claro que esses pontos que listei já são motivos sobrados para apertar o play. Minha crônica, entretanto, está voltada para os cinéfilos interessados em cinema de qualidade. Cabrini é uma obra consistente, com sólidos atributos cinematográficos, narrativa...

O Leopardo: minissérie épica em seis episódios

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O Leopardo: direção de Tom Shankland DRAMATURGIA ITALIANA COM TEMPERO BRITÂNICO O escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa escreveu O Leopardo , mas não viveu para testemunhar seu incrível sucesso editorial;  publicado postumamente em 1958, depois de recusado por vários editores, o romance histórico alcançou um lugar de destaque na literatura do seu país – muitos agora se referem a ele como o Guerra e Paz da Itália! O autor se inspirou na história dos seus antepassados e desenrolou uma trama épica, repleta de intrigas, romances e disputas pelo poder.           O Leopardo é um livro conciso, com apenas 384 páginas. Mas quanta literatura! As entrelinhas vêm abarrotadas de referências e imagens tão ricas que se desdobram em acontecimentos na mente do leitor. Começa em 1860, em pleno declínio dos Bourbon, quando os Camisas Vermelhas de Garibaldi invadem a Sicília para anexá-la à Itália, nos momentos cruciais do Risorgimento, o movimento que unificou...

Brazil – O Filme: uma distopia inspirada em George Orwell

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Brazil - O Filme: direção de Terry Gillian QUANDO MONTY PYTHON ENCONTRA GEORGE ORWELL No Brasil do começo dos anos 1980, o humor anárquico do grupo inglês Monty Python não era popular; poucos tiveram a oportunidade de assistir no cinema ao filme Monty Python em Busca do Cálice Sagrado . Com o advento dos videocassetes, as fitas com os programas de TV da trupe britânica apareceram nas locadoras e atraíram mais fãs; serviram de chamariz para os filmes A Vida de Brian e Monty Python – O Sentido da Vida , que vieram na sequência. Na época, poucos enxergaram a conexão entre esses títulos e Brasil – O Filme , dirigido em 1985 por Terry Gillian – aliás, uma conexão sutil e se a menciono aqui, é apenas para criar um efeito narrativo.           Acontece que Terry Gillian, o diretor, foi um dos integrantes dos Monty Python – o único americano do grupo. Como cartunista, contribuiu com as animações que permeiam os filmes da trupe, além de ter colaborado nos roteiros e...

O Último Duelo: uma superprodução ousada

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O Último Duelo: direção de Ridley Scott UM DRAMA, TRÊS PONTOS DE VISTA O Último Duelo , dirigido por Ridley Scott em 2021, é uma prova de que a sétima arte já não é mais a mesma. O filme tem DNA de cinemão e consumiu um orçamento polpudo, mas amargou um retumbante fracasso nas bilheterias – não arrecadou 20% do que os investidores aportaram. É um filme ruim? Longe disso! É cinema de primeira, bem realizado, com ótimas atuações e uma história envolvente. Mas o público não se dispôs a visitá-lo nas salas de exibição;  parece que, ultimamente, está mais cômodo ficar em casa e consumir as ofertas do streaming.           Produções caras viraram artigos exclusivos para poucos cineastas – os Nolans, Camerons e Villeneuves da vida – ou restritos a temáticas infantilizadas – Godzillas, Coringas, Wolverines e Deadpools... Ousadias como O Último Duelo terão que se contentar com orçamentos modestos. O fracasso financeiro do filme é algo a se lamentar, pois arrefe...

Jurado Nº 2: os dilemas de se fazer justiça

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Jurado No 2: direção de Clint Eastwood UM PROFUNDO RESPEITO AO DEBATE Aos 93 anos, Clint Eastwood resolve rodar um novo filme. Os cinéfilos que acompanham sua carreira esfregam as mãos, ansiosos; conferir a proeza que o diretor realiza com invejável lucidez, é uma reverência obrigatória. Entretanto, Jurado Nº 2 , lançado em 2024, é mais do que uma curiosidade ou um produto do oportunismo comercial; é cinema pulsante, envolvente e repleto de conteúdo para ser degustado com prazer e, sim, reverência.           Vamos direto ao ponto: Jurado Nº 2 é um drama de tribunal, confinado no espaço mental em torno de um julgamento, onde o aparato do sistema judiciário é posto à prova em sua capacidade de fazer justiça. O cinéfilo atento já deve ter remontado ao clássico 12 Homens e Uma Sentença , dirigido em 1957 por Sidney Lumet. Lá, os jurados tentam decidir o destino de um jovem acusado de assassinar o próprio pai; onze deles o consideram culpado, mas um tem dúvidas...

Dúvida: na disputa pelo poder, há mais espaço para as certeza

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Dúvida: direação de John Patrik Shanley DUELO ENTRE CINEMA E TEATRO O suporte audiovisual do cinema oferece uma experiência sensorial que tende mais para o realismo. O suporte audiovisual do teatro promove mais o fantasioso. O que vemos na tela, vem direto do mundo como o conhecemos. O que vemos no palco, precisa ser intermediado pela imaginação. É claro, isso tudo a grosso modo! Cinema e teatro são igualmente aptos a contar todo tipo de histórias, mas se valem de linguagens diferentes; oferecem produtos culturais diferentes, ainda que compartilhem diversos recursos narrativos.           Talvez o principal ponto de interseção entre o cinema e o teatro seja o ator. Na tela ou no palco, é ele quem comanda o espetáculo – na percepção do espectador sentado na plateia, bem entendido. Os profissionais da atuação sabem, no entanto, que uma performance teatral exige recursos diversos daqueles que empregarão numa performance cinematográfica. Descer aos detalhes pode...

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