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Mostrando postagens com o rótulo Drama

Caminho da Liberdade: escapando do comunismo

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Caminho da Liberdade: direção de Peter Weir UM TRIBUTO ÀS VÍTIMAS DO REGIME STALINISTA Ouvi a palavra gulag pela primeira vez quando foi pronunciada em algum telejornal no começo dos anos 1970, quando tinha 12 ou 13 anos. Não atinei de imediato para o seu significado, mas passei anos acreditando se tratar do nome de um arquipélago na União Soviética – culpa do escritor Aleksandr Soljenítsyn, premiado com o Nobel de Literatura depois de empreender um esforço sobre-humano para se livrar da vigilância comunista e contrabandear para o ocidente o livro mais bombástico daquela década.           Quando entrei na faculdade, descobri que a obra – um calhamaço em três volumes – conta as histórias de centenas de sobreviventes dos campos de concentração soviéticos na Sibéria, para onde eram despachados os... inimigos do povo. Jamais li Arquipélago Gulag , mas compreendi o significado trágico do seu título por meio das resenhas publicadas na imprensa: ilhas de desgraça pontilhadas por toda a gélida

Vestígios do Dia: um clássico dos anos 1990

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Vestígios do Dia: direção de James Ivory O PRIVILÉGIO DE PODER CONSUMIR ALTA CULTURA Que serventia tem a cultura, afinal? Ela é para nos lembrar que somos mais do que bichos! Somos humanos, capazes de nos pôr em contemplação diante da existência. E como tal, alcançamos outras realidades além daquela governada pelas leis da física e da química. Para nutrir a alma, precisamos mais do que pão – ou picanha. Precisamos de cultura! Mas não daquela cultura industrial, na qual vivemos imersos desde pequenos. Aliás, o propósito dos produtos culturais, que jorram da mídia e das instituições de ensino, parece ser o de nos conduzir na direção contrária. Tentam nos arrebanhar feito gado apaziguado pelo consenso coletivista.           Se consumimos essa cultura popular é por razões utilitaristas, e também porque ela nos inicia no exercício da contemplação. Bichos não degustam vinhos, não combinam sabores, não leem poesia, não apreciam pinturas, não se arrepiam com passagens musicais... Mas para nos

A Corte Marcial do Navio da Revolta: ficção histórica com abordagem teatral

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A Corte Marcial do Navio da Revolta: direção de Willian Friedkin UM AUTÊNTICO DRAMA DE TRIBUNAL Eis aqui um filme que se desenrola para muito além dos seus 109 minutos de duração. Evoca tantas conexões e desdobramentos que complica a vida deste cronista com poucos parágrafos à disposição. Exige poder de síntese! Então, vamos ser objetivos: A Corte Marcial do Navio da Revolta , dirigido em 2023 por William Friedkin é um remake, mas não se baseia no filme A Nave da Revolta , dirigido em 1954 por Edward Dmytryk e estrelado por Humphrey Bogart. Na verdade, esse novo filme é uma adaptação da peça teatral escrita em 1953 por Herman Wouk, baseada no romance que ele mesmo escreveu em 1951, intitulado The Caine Mutiny Court-Martial .           Como cinéfilo atento, você deve ter arregalado os olhos quando leu o nome de William Friedkin. Sim, é ele mesmo! Trata-se do diretor que marcou os anos 1970 com sucessos como O Exorcista e Operação França . Para encerrar a carreia, ele decidiu filmar A C

Encontros e Desencontros: emoções que se perdem na tradução

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Encontros e Desencontros: direção de Sofia Coppola NEM COMÉDIA, NEM ROMÂNTICA. ESTÁ MAIS PARA UMA PROVOCAÇÃO – Ah! Esse é aquele longa-metragem onde nada acontece! – Exclamou o cinéfilo arrependido, que eventualmente entrou na sala de cinema para assistir a Encontros e Desencontros esperando desfrutar uma comédia romântica. Escrito e dirigido em 2003 por Sofia Coppola, o filme rendeu para a diretora o Óscar de melhor roteiro original, mas não deve ser rotulado como um exemplar tradicional do gênero. Está mais para uma provocação. É um tanto disperso, mas para quem se atreve a embarcar na sua proposta, é divertido e envolvente.           Não assisti a esse filme no cinema. Lembro que aluguei uma cópia em DVD, junto com outros três filmes que deveriam ser devolvidos na segunda-feira, aproveitando o preço promocional que a locadora oferecia naquela sexta-feira chuvosa. É claro que acabei deixando esse filme para o domingo à noite. E assisti sozinho, já que minha mulher não conseguiu resi

Instinto Materno: um remake redundante

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Instinto Materno: direção de Benoît Delhomme FALTOU ENFATIZAR O UNIVERSO SONORO! Se você, cinéfilo ávido por um bom thriller inspirado no estilo de Alfred Hitchcock, tropeçar no serviço de streaming com Instinto Materno , dirigido em 2024 por Benoît Delhomme, talvez fique logo tentado a dar o play. Não é para menos: as presenças de Jessica Chastain e Anne Hathaway no elenco funcionam como chamariz. Trata-se de um bom filme e recomendo que assista. Porém, para que tire melhor proveito da experiência, sugiro que considere a longa cadeia de fatos que está por trás dessa produção hollywoodiana. E ela começa... na Bélgica!           Em 2012, a escritora belga Barbara Abel, autora de vários romances policiais de sucesso, publicou seu livro Derrière la Haine (Por Trás do Ódio). O romance foi adaptado para o cinema em 2018 pelo cineasta Olivier Masset-Depasse, também belga, com o título de Duelles (Duelos). O livro ganhou mais tarde uma versão em inglês, publicada com o título de Mothers’ In

Era Uma Vez um Sonho: a história do vice de Donald Trump

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Era uma Vez um Sonho: direção de Ron Howard UM LAMENTO CAIPIRA Isso mesmo, leitor. O protagonista de Era uma Vez um Sonho , filme dirigido em 2020 por Ron Howard, é o mesmo J. D. Vance que foi indicado como candidato a vice-presidente na chapa de Donald Trump, na corrida de 2024 à Casa Branca. Personagem da cena política americana embrulhado em polêmicas e controvérsias, a simples menção do seu nome é suficiente para dissolver a isenção dos cinéfilos mais engajados. Uns torcerão o nariz, gritando que o filme é ruim. Outros erguerão o punho, garantindo que é cinema de qualidade.           Antes de escrever sobre esse filme – para evitar os veredictos prévios decididos com o fígado – será mais prudente examinar quem é esse tal de J. D. Vance e entender a sua trajetória. Ele ficou famoso de repente, em 2016, quando publicou seu livro de memórias intitulado Hillbilly Elegy: A Memoir of Family and Culture in Crisis . Foi um grande e inesperado sucesso editorial! Além de contar a história de

Kramer vs. Kramer: o mais importante acontece fora dos tribunais

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Kramer vs. Kramer: direção de Robert Benton AUTOAPRENDIZADO INTENSIVO Quando foi lançado, em 1979, Kramer vs. Kramer , dirigido por Robert Benton, alcançou grande sucesso junto à crítica e também ao público. Na festa do Óscar, arrebatou cinco estatuetas: melhor filme, melhor diretor, melhor ator, melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro adaptado. Entrou para a história do cinema como uma unanimidade e continua lá, na prateleira, acumulando pó. Passados 45 anos, pode ser encontrado vagando pelos serviços de streaming, à espera de espectadores que ousem apertar o play.           Se você é daqueles que, como eu, assistiu ao filme na época do lançamento e nunca mais se lembrou de visitá-lo, sugiro que o faça. Fiz isso há dias e constatei:  Kramer vs. Kramer envelheceu muito bem! Talvez você se lembre dele como um... filme de tribunal, mas não é bem assim. Apesar do que sugere o título, trata-se de um filme sobre amadurecimento, de um pai, de uma mãe e de um filho, que tentam renascer dos

A Condenação: a história real de Betty e Kenny Waters

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A Condenação: direção de Tony Goldwyn AINDA BEM QUE EVITARAM O MELODRAMA Certo, vamos partir do princípio de que não existe sistema judiciário perfeito. Aliás, no campo das ciências humanas, falar em perfeição é um atrevimento. Mais apropriado é avaliar os sistemas de justiça pela sua eficácia. O que esperamos deles? Que garantam o cumprimento das leis e protejam os cidadãos da interferência dos poderosos, dos agentes políticos e dos governos. Acontece que, vez ou outra, algumas partes interessadas – incluindo a polícia, o sistema prisional, a mídia, grupos de pressão e tantos outros agentes sociais – conseguem manipular o sistema na surdina. Imparcialidade e independência deixam de existir, fazendo com que a eficácia caia por terra. O sistema acaba decidindo de forma... injusta! Os danos são irreparáveis, pelo menos até o momento em que alguém consegue encontrar o erro e corrigi-lo.           A Condenação , filme de 2010 dirigido por Tony Goldwyn conta como a justiça americana meteu o

Stillwater: Em Busca da Verdade: ficção cercada de realidade

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Stillwater: direção de Tom McCarthy UM DRAMA HUMANO PARA ALÉM DOS ESTEREÓTIPOS Um americano vai para Marselha, na França, onde a filha está presa por um assassinato que não cometeu, e empreende uma busca por provas que possam libertá-la. Só essa curta sinopse já tem poder para fisgar, mas então você percebe que o pai resoluto é ninguém menos do que Matt Damon, o astro de Hollywood calejado nos filmes de ação. Esfregando as mãos de felicidade – nada como um bom thriller policial para animar a noite de um cinéfilo – você aperta o play sem pestanejar. No entanto, Stillwater: Em Busca da Verdade , dirigido em 2021 por Tom McCarthy está longe de ser um filme de ação. Não segue a cartilha dos thrillers, nem se dedica a cultuar o tipo de personagem durão e infalível, que resolve as querelas com tiros e pancadaria. Trata-se de um drama humano, vivido por personagens bem construídos. Tem poder para envolver o espectador do começo ao fim e deixá-lo sem piscar.           A primeira observação a f

Anatomia de uma Queda: um filme imperdível

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Anatomia de uma Queda: Direção de Justine Triet É TUDO QUESTÃO DE NARRATIVA! Trogloditas ao redor da fogueira, abrigados em alguma caverna providencial, já exercitavam as complicações da narrativa. Entre tentativas de influenciar decisões, apresentando diferentes versões dos fatos, já se mostravam exímios contadores de histórias. Continuamos a tradição e fomos além, aperfeiçoando os meios de comunicação e ampliando nossas capacidades expressivas. Hoje, nosso mundo se tornou uma complexa construção de... histórias! Não é exagero afirmar que, para muitos, abraçar uma narrativa tornou-se mais palpável do que abraçar os fatos. Essas são, normalmente, menos espinhosas do que aqueles!           Mas onde fica, afinal, o nascedouro das narrativas? De onde elas brotam por primeiro, inundando nosso entendimento da realidade? Em seu filme Anatomia de uma Queda , que dirigiu em 2023, a cineasta francesa Justine Triet traz uma resposta na ponta da língua: elas nascem entre os casais! É no convívio

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