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Os Rejeitados: drama, comédia e personagens verossímeis

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Os Rejeitados: direção de Alexander Payne UM BELO EXEMPLAR DE COMÉDIA DRAMÁTICA O símbolo criado pelos antigos gregos para representar o teatro pode causar confusão entre os mais distraídos. Comédia e drama – a máscara sorridente ao lado daquela em prantos – não são conceitos excludentes, que se repelem mutuamente. Ao contrário, são complementares. É claro que quando falamos em comédia, o que vem à mente são as obras leves e engraçadas, recheadas de sátiras que arrancam risos. O drama, por sua vez, remete a obras densas e melancólicas, que levam às lágrimas. Conhecemos bem as duas faces dessa moeda, que se alternam a todo instante no jogo da vida – por vezes, num mesmo dia, vivemos situações que nos levam de um pólo emocional a outro.           Na arte, deveria acontecer o mesmo! Então, para além da comédia e do drama, a indústria do cinema criou o gênero comédia dramática, onde encaixa as obras que combinam elementos de ambos, para oferecer uma experiência emocional mais completa. Tai

A Corte Marcial do Navio da Revolta: ficção histórica com abordagem teatral

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A Corte Marcial do Navio da Revolta: direção de Willian Friedkin UM AUTÊNTICO DRAMA DE TRIBUNAL Eis aqui um filme que se desenrola para muito além dos seus 109 minutos de duração. Evoca tantas conexões e desdobramentos que complica a vida deste cronista com poucos parágrafos à disposição. Exige poder de síntese! Então, vamos ser objetivos: A Corte Marcial do Navio da Revolta , dirigido em 2023 por William Friedkin é um remake, mas não se baseia no filme A Nave da Revolta , dirigido em 1954 por Edward Dmytryk e estrelado por Humphrey Bogart. Na verdade, esse novo filme é uma adaptação da peça teatral escrita em 1953 por Herman Wouk, baseada no romance que ele mesmo escreveu em 1951, intitulado The Caine Mutiny Court-Martial .           Como cinéfilo atento, você deve ter arregalado os olhos quando leu o nome de William Friedkin. Sim, é ele mesmo! Trata-se do diretor que marcou os anos 1970 com sucessos como O Exorcista e Operação França . Para encerrar a carreia, ele decidiu filmar A C

Plano de Fuga: filmado numa prisão verdadeira no México

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Plano de Fuga: direção de Adrian Grumberg UM ANTI-HERÓI VIVENDO NUM MUNDO PIOR DO QUE ELE Nós, cinéfilos, quando apertamos o play em um filme de ação, sabemos bem o que esperar: cenas empolgantes, repletas de tiros, socos, pontapés e perseguições, editadas com precisão para comunicar agilidade, velocidade e fúria. Trata-se normalmente de uma produção endinheirada, repleta de efeitos especiais e feita para cultuar um herói – ou um anti-herói – que invariavelmente consegue derrotar a encarnação do mal, representada pelo vilão.           Sobre este gênero, pairam duas confusões sobre as quais gostaria de refletir. A primeira delas é quanto ao emprego do termo ação. Ora, todo filme tem ação! São os atos praticados pelos personagens que impulsionam a história e costuram o enredo. A diferença é que nos chamados filmes de ação, os personagens agem como resposta aos imperativos do mundo que os cerca. Os realizadores não têm tempo, nem disposição, para investigar os impactos psicológicos. Fica

Encontros e Desencontros: emoções que se perdem na tradução

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Encontros e Desencontros: direção de Sofia Coppola NEM COMÉDIA, NEM ROMÂNTICA. ESTÁ MAIS PARA UMA PROVOCAÇÃO – Ah! Esse é aquele longa-metragem onde nada acontece! – Exclamou o cinéfilo arrependido, que eventualmente entrou na sala de cinema para assistir a Encontros e Desencontros esperando desfrutar uma comédia romântica. Escrito e dirigido em 2003 por Sofia Coppola, o filme rendeu para a diretora o Óscar de melhor roteiro original, mas não deve ser rotulado como um exemplar tradicional do gênero. Está mais para uma provocação. É um tanto disperso, mas para quem se atreve a embarcar na sua proposta, é divertido e envolvente.           Não assisti a esse filme no cinema. Lembro que aluguei uma cópia em DVD, junto com outros três filmes que deveriam ser devolvidos na segunda-feira, aproveitando o preço promocional que a locadora oferecia naquela sexta-feira chuvosa. É claro que acabei deixando esse filme para o domingo à noite. E assisti sozinho, já que minha mulher não conseguiu resi

Instinto Materno: um remake redundante

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Instinto Materno: direção de Benoît Delhomme FALTOU ENFATIZAR O UNIVERSO SONORO! Se você, cinéfilo ávido por um bom thriller inspirado no estilo de Alfred Hitchcock, tropeçar no serviço de streaming com Instinto Materno , dirigido em 2024 por Benoît Delhomme, talvez fique logo tentado a dar o play. Não é para menos: as presenças de Jessica Chastain e Anne Hathaway no elenco funcionam como chamariz. Trata-se de um bom filme e recomendo que assista. Porém, para que tire melhor proveito da experiência, sugiro que considere a longa cadeia de fatos que está por trás dessa produção hollywoodiana. E ela começa... na Bélgica!           Em 2012, a escritora belga Barbara Abel, autora de vários romances policiais de sucesso, publicou seu livro Derrière la Haine (Por Trás do Ódio). O romance foi adaptado para o cinema em 2018 pelo cineasta Olivier Masset-Depasse, também belga, com o título de Duelles (Duelos). O livro ganhou mais tarde uma versão em inglês, publicada com o título de Mothers’ In

Era Uma Vez um Sonho: a história do vice de Donald Trump

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Era uma Vez um Sonho: direção de Ron Howard UM LAMENTO CAIPIRA Isso mesmo, leitor. O protagonista de Era uma Vez um Sonho , filme dirigido em 2020 por Ron Howard, é o mesmo J. D. Vance que foi indicado como candidato a vice-presidente na chapa de Donald Trump, na corrida de 2024 à Casa Branca. Personagem da cena política americana embrulhado em polêmicas e controvérsias, a simples menção do seu nome é suficiente para dissolver a isenção dos cinéfilos mais engajados. Uns torcerão o nariz, gritando que o filme é ruim. Outros erguerão o punho, garantindo que é cinema de qualidade.           Antes de escrever sobre esse filme – para evitar os veredictos prévios decididos com o fígado – será mais prudente examinar quem é esse tal de J. D. Vance e entender a sua trajetória. Ele ficou famoso de repente, em 2016, quando publicou seu livro de memórias intitulado Hillbilly Elegy: A Memoir of Family and Culture in Crisis . Foi um grande e inesperado sucesso editorial! Além de contar a história de

Kramer vs. Kramer: o mais importante acontece fora dos tribunais

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Kramer vs. Kramer: direção de Robert Benton AUTOAPRENDIZADO INTENSIVO Quando foi lançado, em 1979, Kramer vs. Kramer , dirigido por Robert Benton, alcançou grande sucesso junto à crítica e também ao público. Na festa do Óscar, arrebatou cinco estatuetas: melhor filme, melhor diretor, melhor ator, melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro adaptado. Entrou para a história do cinema como uma unanimidade e continua lá, na prateleira, acumulando pó. Passados 45 anos, pode ser encontrado vagando pelos serviços de streaming, à espera de espectadores que ousem apertar o play.           Se você é daqueles que, como eu, assistiu ao filme na época do lançamento e nunca mais se lembrou de visitá-lo, sugiro que o faça. Fiz isso há dias e constatei:  Kramer vs. Kramer envelheceu muito bem! Talvez você se lembre dele como um... filme de tribunal, mas não é bem assim. Apesar do que sugere o título, trata-se de um filme sobre amadurecimento, de um pai, de uma mãe e de um filho, que tentam renascer dos

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