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Mostrando postagens com o rótulo Comédia Dramática

Melhor É Impossível: personagens com trajetórias previsíveis

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Melhor É Impossível: direção de James L. Brooks CINEMA COM SOTAQUE DE SITCOM Tenho preguiça de assistir a certos filmes. Ludy já me disse que não se trata de preguiça: é rabugice, mesmo! Minha mulher acha que me apego a certos preconceitos e me empanturro de impaciência, até não deixar espaço para as novidades. Talvez seja verdade. Mas no caso de Melhor É Impossíve l, filme de 1997 dirigido por James L. Brooks, o que me fez evitá-lo por anos foi a montanha de outros filmes mais atraentes que encontrei pelo caminho e o eclipsaram. O empurraram lá para o final da lista. Até outro dia, quando Ludy encontrou o filme no serviço de streaming e avisou:           – Pronto! É esse que vamos assistir!           Imediatamente me lembrei do motivo  de tanta preguiça: a foto promocional com a estampa cínica de Jack Nicholson e um cãozinho nos braços, a curta explicação de que ele interpreta um escritor nova-iorquino antissocial e repug...

Os Rejeitados: drama, comédia e personagens verossímeis

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Os Rejeitados: direção de Alexander Payne UM BELO EXEMPLAR DE COMÉDIA DRAMÁTICA O símbolo criado pelos antigos gregos para representar o teatro pode causar confusão entre os mais distraídos. Comédia e drama – a máscara sorridente ao lado daquela em prantos – não são conceitos excludentes, que se repelem mutuamente. Ao contrário, são complementares. É claro que quando falamos em comédia, o que vem à mente são as obras leves e engraçadas, recheadas de sátiras que arrancam risos. O drama, por sua vez, remete a obras densas e melancólicas, que levam às lágrimas. Conhecemos bem as duas faces dessa moeda, que se alternam a todo instante no jogo da vida – por vezes, num mesmo dia, vivemos situações que nos levam de um pólo emocional a outro.           Na arte, deveria acontecer o mesmo! Então, para além da comédia e do drama, a indústria do cinema criou o gênero comédia dramática, onde encaixa as obras que combinam elementos de ambos, para oferecer uma experiência...

Ficção Americana: a armadilha dos estereótipos

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Ficção Americana: dirigido por Cord Jefferson CINEMA ENVOLVENTE, ELEGANTE E INTELIGENTE Com o olhar difuso, miro algum ponto focal dentro da minha mente e bebo outro gole de café. Tal gesto mecânico denuncia: opero no modo divagação, enquanto tento preencher a tela em branco do computador. Desta vez, meu esforço é para compreender os fatores críticos que me trouxeram até aqui e determinaram a vida que levo. Que estabeleceram quem sou, o que tenho, o que posso, o que me resta... Gostava de pensar que a minha inteligência está no ponto zero. A partir dela, tudo o mais se deriva: meus desejos, meus humores, meus amores, minhas capacidades, meus talentos... Em razão disso, cultivar conhecimento e exercitar os neurônios sempre foram essenciais no meu modo de vida.           Com a idade, percebi que nem todos se medem pela mesma régua. Alguns elegem a fé como ponto zero, outros, escolhem a sensualidade. Há quem considere mais importante ter e exercer o poder, que...

Campeões: um remake à altura do original espanhol

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Campeões: direção de Bobby Farrelly AUTÊNTICOS, DESCOLADOS E HILÁRIOS – Ora, isso vai ser politicamente incorreto! Ou não? Talvez caia na lacração! O que acha de apertar o play e conferir?           – Já topei! – Ludy não ligou para minha hesitação. Sentiu-se à vontade com a foto promocional de Campeões , filme de 2023 dirigido por Bobby Farrelly com o qual tropeçamos no serviço de streaming. Minha mulher se deixou levar pela curta sinopse e pela promessa de assistir a uma comédia leve e engraçada. Quanto a mim, impliquei com o nome do diretor, um dos irmãos Farrelly, responsáveis por comédias escrachadas de grande sucesso, mas contaminadas de besteirol, como Debi & Loide , Quem Vai Ficar com Mary? e Eu, Eu Mesmo & Irene . Se bem que seu irmão, Peter, já havia feito uma incursão bem-sucedida pelo universo dos filmes mais... sérios, ao dirigir o excelente Green Book: O Guia . Talvez Bobby tivesse gostado da ideia!         ...

Crescendo Juntas: adaptação aguardada de um livro encantador

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Crescendo Juntas: direção de Kelly Fremon Craig A ATEMPORALIDADE DA ADOLESCÊNCIA Sou brasileiro, tenho 63 anos, casado, pai de família... Um sujeito comum, nascido e crescido no habitat conservador que moldou os homens da minha geração. Que raios fazia sentado no sofá da sala, diante do filme Crescendo Juntas , dirigido em 2023 por Kelly Fremon Craig? Nos primeiros minutos me senti um alienígena em visita a um planeta esquisito, mas o desconforto passou ligeiro: como cinéfilo inveterado, senti o cheiro de bom cinema e tratei de aproveitar. Que filme delicioso!           Optei por escrever tal introdução para deixar claro que esse filme diz respeito ao universo feminino e que os homens – e os meninos! – talvez não se disponham a visitá-lo. Diante da TV, dividi o sofá com Ludy e agora posso dar meu testemunho: já nem lembrava mais que Hollywood era capaz de produzir filmes assim, tão sensíveis, leves, refrescantes, encantadores... Minha mulher se divertiu tan...

O Pior Vizinho do Mundo: só que não!

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O Pior Vizinho do Mundo: filme de Marc Forster A PRESENÇA DE TOM HANKS É PRATICAMENTE UM SPOILER! Ao ver a foto do ator Tom Hanks ao lado do título O Pior Vizinho do Mundo , percebi que estava diante de uma peça de comunicação acabada. De imediato, o cartaz me induziu a imaginar uma história completa, com começo, meio e fim: o protagonista seria um tipo de ranzinza abominável, que depois de exposto às agruras da vida revelaria ter bom caráter e encantaria a audiência com suas atitudes de boa-praça – aquelas que costumamos associar a... Tom Hanks! Talvez você também tenha caído nesse truque e acreditado que essa comédia dramática de 2022, dirigida por Marc Forster, foi escrita conforme o jogo de cartas marcadas que se tornou especialidade de Hollywood. Por lá, costumam se apropriar de histórias emocionantes, para exagerar nas pitadas de ternura e assim conquistar mais facilmente o coração do espectador. Bem, posso dizer que, em parte, é justamente disso que se trata!     ...

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo: nada importa, nem o cinema!

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Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo: direção de Daniel Kwan e Daniel Scheinert É SÓ MAIS UM FILME DE SUPER-HERÓIS PROTAGONIZADO POR GENTE COMUM O humor anárquico e absurdo sempre foi um instrumento de demolição, usado sem piedade para estilhaçar o sistema e os poderosos da vez. Nas mãos de cineastas talentosos e criativos, o estilo irônico e mordaz costumava irradiar críticas para todas as direções, com zombarias que faziam pensar. Além de escarnecer, com elementos mórbidos e macabros, desconcertavam e tiravam o espectador da zona de conforto, o fazendo duvidar das verdades que trazia consigo para a sala de cinema. Infelizmente, em  Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo , realizado em 2022 por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, o humor anárquico e absurdo é usado para acalmar os ímpetos contestadores e distrair. O maior esforço do filme é para estabelecer três conceitos mentirosos:           Conceito mentiroso 1: nada importa, realmente! – A fr...

O Homem Bicentenário: baseado em um conto de Isaac Asimov

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O Homem Bicentenário: direção de Chris Columbus EXCESSO DE SENTIMENTALISMO E PRESSA EM FAZER RIR A comédia Uma Babá Quase Perfeita , dirigida por Chris Columbus e estrelada por Robin Williams, tornou-se um estrondoso sucesso no verão de 1993. Em 1999, o estúdio – a Disney – tratou de repetir a dose e apostou que o filme O Homem Bicentenário alcançaria os mesmos resultados nas bilheterias. Convocou o diretor badalado e o astro consagrado novamente, mas dessa vez deu tudo errado! O filme naufragou estrondosamente e deixou legiões de espectadores decepcionados. Ao invés de uma comédia ágil e leve, toparam com uma história sentimental, densa e pontuada de reflexões. Os poucos rompantes de humor terminaram diluídos ao longo das duas horas e dez minutos de duração.           Os estrategistas de marketing responsáveis pela divulgação do filme tiveram suas orelhas puxadas e com razão. Seus trailers e materiais promocionais insistiam em vender O Homem Bicentenário ...

Cinema Paradiso: a comovente história de Totò e Alfredo

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Cinema Paradiso: direção de Giuseppe Tornatore UMA DECLARAÇÃO DE AMOR AO CINEMA Não falo italiano, nem sequer tenho ascendência italiana, mas ao assistir a filmes falados nesse idioma, sou assaltado por uma inexplicável sensação de familiaridade. A prosódia e a musicalidade me encantam e às vezes, quando deixo a sala de exibição, me pego a emular o gestual peculiar e a fala expansiva que estereotipam os italianos. Não o faço por gozação. Apenas me ponho num estado de espírito mais... latino! Filmes de Fellini sempre me provocaram dessa forma, porque o mestre parecia tirar o máximo proveito do ser italiano. Mas nenhum cineasta me despertou mais “italianices” do que Giuseppe Tornatore, com seu Cinema Paradiso , realizado em 1988. O filme registrou um alinhamento perfeito de alguns temas que me são caros: a paixão pelo cinema, a perda prematura do pai e o minucioso desenvolvimento interno da figura paterna.           Quando Tornatore filmou Cinema Paradiso , q...

Julieta dos Espíritos: comédia dramática em tom de fantasia onírica

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Julieta dos Espíritos: direção de Federico Fellini ESTUDO APROFUNDADO DE UMA PERSONAGEM COMPLEXA Eis que Fellini se torna... colorido! Julieta dos Espíritos , realizado em 1965, é o primeiro longa-metragem do diretor a abandonar o preto-e-branco, o que é significativo: comparável a quando Charlie Chaplin precisou incorporar o som ao seu universo fílmico. Mas ao contrário do que possam concluir os apressados, isso não significou uma rendição aos “novos rumos da modernidade”. Foi uma decisão estética, em perfeita sintonia com a temática que o diretor estava interessado em abordar. É verdade que em 1962 Fellini já havia experimentado lidar com as cores, no episódio que dirigiu para o filme Boccaccio '70 . O fez por imposição dos produtores e sem grandes reflexões estéticas. Tanto que em 1963 ele retomou ao preto-e-branco para arrasar em Oito e Meio , uma de suas obras mais importantes.           Em Julieta dos Espíritos , a cor é elemento essencial. O filme me...

Nossas Meninas: comédia adolescente que vai além do besteirol

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Nossas Meninas: filme dirigido por Michael Caton-Jones JÁ NÃO SÃO MAIS CRIANÇAS, MAS AINDA NÃO SÃO ADULTAS! Ao escrever sobre o filme Nossas Meninas , realizado em 2019 pelo escocês Michael Caton-Jones, decidi começar pelo título que ele recebeu aqui no Brasil. Se seguissem o original em inglês, deveria se chamar Nossas Senhoras, mas alguém aqui decidiu que as personagens não passavam de... meninas! Optou por fazer um julgamento moral e também evitou ofender a susceptibilidade dos católicos, que dão o título exclusivamente a Maria, a mãe de Jesus. Esse alguém foi na direção oposta dos realizadores, que nos entregaram uma comédia dramática densa, ácida e honesta, desinteressada de fazer julgamentos e dedicada a tratar suas protagonistas com respeito. Esse alguém comprometeu a experiência do espectador – ao menos no começo do filme, enquanto as tais meninas ainda não se revelaram por inteiro.           O filme é uma adaptação do romance The Sopranos , escrito...

Entre Facas e Segredos: surpresa no final e ação o tempo todo

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Entre Facas e Segredos: direção de Rian Johnson O ROTEIRO EVITOU AS ARMADILHAS DO GÊNERO Os romances policiais de mistério se tornaram uma febre por décadas, desde que Sir Arthur Conan Doyle emplacou seu Sherlock Holmes. Com o tempo, eles derivaram num tipo muito específico de ficção, onde o autor propõe um quebra-cabeça para estimular o raciocínio do leitor, enquanto o confunde com pistas falsas. Tentar descobrir a identidade do assassino, antes que ela seja revelada nas últimas páginas, tornou-se verdadeiro passatempo para os admiradores desse estilo de romance. Os anglo-saxões chegaram a criar um termo específico para se referir a esse gênero literário: o “whodunnit”, uma corruptela da expressão "Who has done it?" – numa tradução livre, algo como "Quem fez isso?", que ficaria melhor dito como: "Quem é o culpado?"           U m whodunnit que se preze tem que estar confinado a um ambiente restrito – uma mansão, um hotel ou um trem – que represente o micro...

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