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Mostrando postagens com o rótulo Comédia Dramática

Crescendo Juntas: adaptação aguardada de um livro encantador

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Crescendo Juntas: direção de Kelly Fremon Craig A ATEMPORALIDADE DA ADOLESCÊNCIA Sou brasileiro, tenho 63 anos, casado, pai de família... Um sujeito comum, nascido e crescido no habitat conservador que moldou os homens da minha geração. Que raios estava fazendo, sentado no sofá da sala, diante do filme Crescendo Juntas , dirigido em 2023 por Kelly Fremon Craig? Nos primeiros minutos me senti um alienígena, visitando um planeta esquisito, mas o desconforto passou ligeiro: como cinéfilo inveterado, senti o cheiro de bom cinema e tratei de aproveitar. Que filme delicioso!           Optei por escrever tal introdução para deixar claro que esse filme diz respeito ao universo feminino e que os homens – e os meninos! – talvez não se disponham a visitá-lo. Fiz tal visita, dividindo o sofá com Ludy e agora posso dar meu testemunho: já nem lembrava mais que Hollywood era capaz de produzir filmes assim, tão sensíveis, leves, refrescantes, encantadores... Minha mulher se divertiu tanto que nem viu

O Pior Vizinho do Mundo: só que não!

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O Pior Vizinho do Mundo: filme de Marc Forster A PRESENÇA DE TOM HANKS É PRATICAMENTE UM SPOILER! Quando vi a foto do ator Tom Hanks ilustrando o título O Pior Vizinho do Mundo , percebi que estava diante de uma peça de comunicação acabada. De imediato, o cartaz me induziu a imaginar uma história completa, com começo, meio e fim: o protagonista seria um tipo de ranzinza abominável, que depois de exposto às agruras da vida revelaria ter bom caráter e encantaria a audiência com suas atitudes de boa-praça – aquelas que costumamos associar a... Tom Hanks! Talvez você também tenha caído nesse truque, acreditando que essa comédia dramática de 2022, dirigida por Marc Forster, tenha sido escrita seguindo o jogo de cartas marcadas que se tornou especialidade de Hollywood. Por lá, costumam se apropriar de histórias emocionantes, exagerando nas pitadas de ternura para conquistar mais facilmente o coração do expectador. Bem, posso dizer que, em parte, é justamente disso que se trata!           Ac

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo: nada importa, nem o cinema!

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Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo: direção de Daniel Kwan e Daniel Scheinert É SÓ MAIS UM FILME DE SUPER-HERÓIS PROTAGONIZADO POR GENTE COMUM O humor anárquico e absurdo sempre foi um instrumento de demolição, usado sem piedade para estilhaçar o sistema e os poderosos da vez. Nas mãos de cineastas talentosos e criativos, o gênero costumava irradiar críticas para todas as direções, em estilo irônico e mordaz, escrachando zombarias que faziam pensar. Além de escarnecer, usando até mesmo os elementos mais mórbidos e macabros, o objetivo era desconcertar, desmascarar, encabular, tirar o espectador da zona de conforto, o fazendo duvidar das verdades que trazia consigo para a sala de cinema. Infelizmente, aqui, o humor anárquico e absurdo é usado para acomodar, acalmar os ímpetos contestadores, distrair... Em Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo , realizado em 2022 por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, o maior esforço é para estabelecer três conceitos mentirosos:           Conceito mentiroso 1:

O Homem Bicentenário: baseado em um conto de Isaac Asimov

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O Homem Bicentenário: direção de Chris Columbus EXCESSO DE SENTIMENTALISMO E PRESSA EM FAZER RIR A comédia Uma Babá Quase Perfeita , dirigida por Chris Columbus e estrelada por Robin Williams, tornou-se um estrondoso sucesso no verão de 1993. Em 1999, o estúdio – a Disney – tratou de repetir a dose, apostando que o filme O Homem Bicentenário alcançaria os mesmos resultados nas bilheterias. Convocou o diretor badalado e o astro consagrado novamente, mas dessa vez deu tudo errado! O filme naufragou estrondosamente e deixou legiões de espectadores decepcionados. Ao invés de uma comédia ágil e leve, toparam com uma história sentimental, densa e pontuada de reflexões. Os poucos rompantes de humor terminaram diluídos ao longo das duas horas e dez minutos de duração.           Os estrategistas de marketing responsáveis pela divulgação do filme tiveram suas orelhas puxadas e com razão. Seus trailers e materiais promocionais insistiam em vender O Homem Bicentenário como uma comédia, mas a pro

Cinema Paradiso: a comovente história de Totò e Alfredo

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Cinema Paradiso: direção de Giuseppe Tornatore UMA DECLARAÇÃO DE AMOR AO CINEMA Não falo italiano, nem sequer tenho ascendência italiana, mas quando assisto a filmes falados nesse idioma, sou assaltado por uma inexplicável sensação de familiaridade. A prosódia e a musicalidade me encantam e às vezes, quando deixo a sala de exibição, me pego até mesmo emulando o gestual peculiar e a fala expansiva que estereotipam os italianos. Não o faço por gozação. Apenas me ponho num estado de espírito mais... latino! Filmes de Fellini sempre me provocaram dessa forma, porque o mestre parecia tirar o máximo proveito do ser italiano. Mas nenhum cineasta me despertou mais “italianices” do que Giuseppe Tornatore, com seu Cinema Paradiso , realizado em 1988. O filme registrou um alinhamento perfeito de alguns temas que me são caros: a paixão pelo cinema, a perda prematura do pai e o minucioso desenvolvimento interno da figura paterna.           Quando Tornatore filmou Cinema Paradiso , que lhe rendeu o

Julieta dos Espíritos: comédia dramática em tom de fantasia onírica

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Julieta dos Espíritos: direção de Federico Fellini ESTUDO APROFUNDADO DE UMA PERSONAGEM COMPLEXA Eis que Fellini se torna... colorido! Julieta dos Espíritos , realizado em 1965, é o primeiro longa-metragem do diretor a abandonar o preto-e-branco, o que é significativo: comparável a quando Charlie Chaplin precisou incorporar o som ao seu universo fílmico. Mas ao contrário do que possam concluir os apressados, isso não significou uma rendição aos “novos rumos da modernidade”. Foi uma decisão estética, em perfeita sintonia com a temática que o diretor estava interessado em abordar. É verdade que em 1962 Fellini já havia experimentado lidar com as cores, no episódio que dirigiu para o filme Boccaccio '70 . O fez por imposição dos produtores e sem grandes reflexões estéticas. Tanto que em 1963 ele retomou ao preto-e-branco para arrasar em Oito e Meio , uma de suas obras mais importantes.           Em Julieta dos Espíritos , a cor é elemento essencial. O filme mergulha em fantasias e con

Nossas Meninas: comédia adolescente que vai além do besteirol

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Nossas Meninas: filme dirigido por Michael Caton-Jones JÁ NÃO SÃO MAIS CRIANÇAS, MAS AINDA NÃO SÃO ADULTAS! Ao escrever sobre o filme Nossas Meninas , realizado em 2019 pelo escocês Michael Caton-Jones, decidi começar pelo título que ele recebeu aqui no Brasil. Seguindo o original em inglês, deveria se chamar Nossas Senhoras, mas alguém aqui decidiu que as personagens não passavam de... meninas! Optou por fazer um julgamento moral, evitando também ofender a susceptibilidade dos católicos, que dão o título exclusivamente a Maria, a mãe de Jesus. Esse alguém foi na direção oposta dos realizadores, que nos entregaram uma comédia dramática densa, ácida e honesta, desinteressada de fazer julgamentos e dedicada a tratar suas protagonistas com respeito. Esse alguém acabou comprometendo a experiência do espectador – ao menos no começo do filme, enquanto as tais meninas ainda não se revelaram por inteiro.           O filme é uma adaptação do romance The Sopranos , escrito em 1998 pelo escocês A

Entre Facas e Segredos: surpresa no final e ação o tempo todo

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Entre Facas e Segredos: direção de Rian Johnson UM ÓTIMO ROTEIRO, QUE EVITOU AS ARMADILHAS DO GÊNERO Os romances policiais de mistério se tornaram uma febre por décadas, desde que Sir Arthur Conan Doyle emplacou seu Sherlock Holmes. Com o tempo, eles derivaram num tipo muito específico de ficção, onde o autor propõe um quebra-cabeça para estimular o raciocínio do leitor, enquanto o confunde com pistas falsas. Tentar descobrir a identidade do assassino, antes que ela seja revelada nas últimas páginas, tornou-se verdadeiro passatempo para os admiradores desse estilo de romance. Os anglo-saxões chegaram a criar um termo específico para se referir a esse gênero literário: o “whodunnit”, uma corruptela da expressão "Who has done it?" – numa tradução livre, algo como... Quem fez isso?          U m whodunnit que se preze tem que estar confinado a um ambiente restrito – uma mansão, um hotel ou um trem – que represente o microcosmo social composto por ricaços sovinas cercados pela ple

Dr. Fantástico: sátira sobre o apocalipse nuclear

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Dr. Fantástico: filme de Stanley Kubrick É O QUE DÁ CONFIAR NOS TECNOCRATAS! No início da década de 1960, a humanidade estava atordoada com a possibilidade de uma guerra nuclear iminente. A crise dos mísseis em Cuba, em 1962, produziu a sensação de que estávamos a poucos passos de cair num precipício imensurável, com um rio de puro horror apocalíptico borbulhando lá embaixo. Diante disso, o que deveria fazer um cineasta antenado com seu tempo e empenhado a realizar o cinema mais relevante que esteja ao seu alcance? Stanley Kubrick não pensou duas vezes: leu tudo o que havia disponível sobre guerras nucleares e aprofundou-se o mais que pode. Até tropeçar no romance Red Alert , escrito pelo ex-oficial da RAF Peter George, em 1958.           Criando uma ficção séria e grave, o autor mostra como seriam os bastidores de uma eventual guerra nuclear e revela como seria ridiculamente fácil deflagrá-la. Outros autores fizeram o mesmo, como Eugene Burdick e Harvey Wheeler, que escreveram Fail-Sa

Adeus, Lenin!: uma comédia sutil, que enaltece os valores familiares

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Adeus, Lenin!: filme de Wolfgang Becker À PROCURA DA FELICIDADE, APESAR DO ESTADO Em 1989, a queda do muro de Berlim foi transmitida ao vivo e em cores para o resto do mudo. Cenas de jovens eufóricos, festejando empoleirados ao som de uma trilha sonora moderna e nervosa, anunciavam o começo de uma nova era de liberdade. Não havia mais espaço para os desmandos autoritários, vícios burocráticos ou interferências do estado policial, sustentado à base de privilégios para os dirigentes. Os cidadãos da RDA comemoravam o direito de ir e vir e faziam questão de mostrar que não queriam mais ser tutelados pela coletividade. Foram noites e dias de uma espécie de carnaval fora de época, deixando implícito a inevitável chegada de uma quarta-feira de cinzas com gosto azedo de ressaca. E ela chegou rápido para os alemães. O processo de reunificação foi complexo e penoso, mas rápido. Em pouco mais de dez anos, já não se encontravam vestígios da vida que se levava intramuros. Assim, quando o cineasta W

O Grande Ditador: uma sátira brilhante criada por Charlie Chaplin

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O Grande Ditador: filme de Charlie Chaplin UM BIGODINHO CURTO NA FRONTEIRA ENTRE O BEM E O MAL Quando criança, os filmes de Charlie Chaplin exibidos vez ou outra na TV me faziam sentar diante da telinha. Ficava magnetizado pela estampa do vagabundo de bigodinho curto, chapéu coco e bengala, movimentando-se na velocidade mais acelerada dos filmes mudos. Quando, na aula de história, a professora mostrou uma foto de Hitler, lá estava de novo o tal bigodinho curto. Perguntei se era irmão do Carlitos e ela caiu na risada, mas desconversou. Havia muita semelhança física entre os dois personagens, mas também semelhanças biográficas – nasceram com poucos dias de diferença, em berço pobre e percorreram trajetórias de sucesso ancoradas na capacidade de realização – ainda que em direções opostas da linha entre o bem e o mal. No final dos anos 1930, fascinado por essas semelhanças e seus significados – e incentivado pelo produtor Alexander Korda – Chaplin decidiu realizar o filme O Grande Ditador

Patch Adams - O Amor É Contagioso: uma história real

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Patch Adams - O Amor É Contagioso: dirigido por Tom Shadyac SOBROU COMÉDIA E AÇUCAR, FALTOU O DRAMA Há muitos erros em Patch Adams - O Amor é Contagioso , dirigido em 1998 por Tom Shadyac. Mas há pelo menos dois acertos que ajudaram a conquistar uma legião de fãs para o filme. O primeiro deles foi trazer à tona um tema sensível, que sempre resvalou nossas vidas, ainda que não nos déssemos conta: a impessoalidade com a qual somos tratados pela classe médica. De repente, nos damos conta de que saúde e doença são estados que expressam a nossa individualidade, mas a sociedade teima em enxergá-los como manifestações padronizadas, que só se materializam no coletivo. Os sintomas servem apenas para levar ao diagnóstico. Os tratamentos que funcionam com uns, devem funcionar com a maioria. A cura é um processo que vem ao nosso encontro, de fora para dentro... Enquanto tais conceitos questionáveis saltam aos olhos, o filme nos faz confrontar duas realidades, que se tangenciam: de um lado, a angús

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