No Limite do Amanhã: baseado em uma light novel japonesa

No Limite do Amanhã: filme dirigido por Doug Liman

UMA LIGHT NOVEL QUE REALIZOU O SONHO DE VIRAR BLOCKBUSTER

Sempre que a indústria do cinema azeita sua máquina criativa e a coloca para trabalhar em equipe, consegue resultados impressionantes. No Limite do Amanhã, filme de 2014 dirigido por Doug Liman, é um bom exemplo de como a busca por melhores resultados nas bilheterias termina por favorecer a excelência cinematográfica. Aqui temos Tom Cruise em um de seus melhores momentos, ao lado da sempre encantadora Emily Blunt, num filme de ação e ficção científica que pode ter passado despercebido para quem não é fã do gênero. Trata-se de um arrasa-quarteirão que merece ser conferido, porque contém cinema de qualidade.
        O filme conta como o Major Caje (Tom Cruise), um covarde enquanto soldado, mas bem-sucedido enquanto oficial de relações públicas do exército, acaba no front durante uma batalha feroz contra alienígenas tentaculares que invadiram a terra. Ele morre, mas por obra de uma dessas intricadas tramas da ficção científica, fica preso num looping temporal: morre e reinicia o dia da sua morte, ad aeternum. Revive todos os acontecimentos que já viveu anteriormente, mas tem a chance de fazer novas escolhas, para tentar sobreviver; tem a oportunidade de aprender com os erros e ousar novas soluções.
        Quem já assistiu ao filme Feitiço do Tempo, a comédia dramática realizada em 1993 por Harold Ramins, vai perceber que a ideia central é a mesma, mas seu único ponto de contato com No Limite do Amanhã é o tal looping temporal. Isso não apaga as virtudes dessa empolgante ficção científica realizada com competência. Doug Liman, o diretor, já dirigiu filmes como A Identidade Bourne. O roteirista é Christopher McQuarrie, que já ganhou o Óscar de melhor roteiro por Os Suspeitos e já dirigiu filmes de ação, como Missão Impossível. Os experientes irmãos Jez e John-Henry Butterworth também ajudaram a lapidar o roteiro, que ficou no ponto certo para conduzir o espectador com clareza pelo emaranhado de idas e vindas da trama, sem confundi-lo.
        O que mais despertou meu interesse em No Limite do Amanhã foi o fato de que o filme resultou de uma adaptação da light novel escrita por Hiroshi Sakurazaka, intitulada All You Need is Kill. Mas o que vem a ser, afinal, uma light novel? Trata-se de um formato de literatura ultramoderno, que surgiu no Japão para atender as demandas de alguns nichos muito específicos do mercado editorial. Light novels são romances rápidos e de fácil leitura, escritos por autores quase sempre amadores, numa linguagem coloquial e descolada da norma culta; a liberdade de formatação tipográfica é total – o resultado visual lembra os recursos utilizados pelos nossos poetas concretistas.
        Em uma light novel, o mais importante é o personagem; a trama é secundária. O autor primeiro cria o herói – ou a heroína – e orbita todo o resto ao seu redor. Para caracterizar o personagem é preciso seguir estritos códigos étnicos, simbologias, alfabetos e convenções arquetípicas da estratificada sociedade japonesa; vale inclusive apresentar ilustrações e memes. Só pelo desenho o leitor já sabe o que esperar do personagem. A estética, é claro, se aproxima dos mangás.
        O personagem não é afetado pelo enredo, nem descreve arcos de transformações. Ele é o que é, e pronto; a história é que se molda a ele. Na light novel de Hiroshi Sakurazaka, o protagonista é um jovem soldado de 18 anos, inexperiente e amedrontado – como tantos outros jovens descartáveis que são derramados nas frentes de batalha. Em No Limite do Amanhã, no entanto, o astro cinquentão Tom Cruise precisou ser encaixado no papel; os produtores tiveram que lançar mão de uma manobra engenhosa: o caracterizaram como um oficial burocrata, responsável pelo marketing do exército. É claro que a ideia desagradou os jovens fãs das light novels, mas funcionou maravilhosamente bem em termos comerciais.
        No limite do Amanhã nos mostra que a indústria do cinema está sempre disposta a usar novos ingredientes para preparar suas histórias e atiçar o apetite das bilheterias. É verdade que o tempero oriental desapareceu nessa receita típica dos arrasa-quarteirões hollywoodianos; ainda assim, conseguiu saciar minha fome de entretenimento: já revisitei algumas vezes esse filme, sempre agarrado a um bom balde de pipoca!

Resenha crítica do filme No Limite do Amanhã

Ano de produção: 2014
Direção: Doug Liman
Roteiro: Christopher McQuarrie, Jez Butterworth e John-Henry Butterworth

Elenco: Tom Cruise, Emily Blunt, Bill Paxton, Brendan Gleeson, Noah Taylor, Jonas Armstrong, Tony Way, Kick Gurry, Charlotte Riley, Franz Drameh, Dragomir Mrsic, Masayoshi Haneda, Madeleine Mantock, Jeremy Piven e Marianne Jean-Baptiste