Feitiço do Tempo: um personagem na trilha do autoconhecimento

Cena do filme Feitiço do Tempo
Feitiço do Tempo: filme dirigido por Harold Ramis

CADA UM APRENDE NO SEU TEMPO, MAS PHIL CONNORS TEVE TODO O TEMPO DO MUNDO

No cinema, quem é o dono de uma história, afinal? O seu autor? O roteirista que a estruturou num discurso palatável para as audiências? O diretor que a concebeu visualmente, a envolveu na atmosfera adequada e lhe deu um ritmo apropriado? O detentor dos seus direitos de exibição? Há um sem número de pendengas jurídicas tribunais afora, na tentativa de encontrar respostas. Há também muitos descontentes que se consideram plagiados. O filme Feitiço do Tempo, comédia dramática de 1993 dirigida por Harold Ramis, não escapou dessa polêmica. Mas para tocar nesse assunto, é preciso partir da sua sinopse.
        O filme conta a história de Phil Connors (Bill Murray), um repórter do tempo presunçoso e arrogante. Alcançou o status de subcelebridade e já não se contenta com o pedestal onde subiu. Quer alcançar um mais alto. Antes, porém, terá que roer os ossos do ofício e enfiar-se na insignificante cidadezinha de Punxsutawney, na Pensilvânia, para cobrir as celebrações do Dia da Marmota, feriado idolatrado pelos caipiras locais, quando o tal bichinho – cujo nome também é Phil – sai da toca para “prever” a duração do inverno.
 Acompanhado da produtora Rita Hanson (Andie MacDowell) e do cinegrafista Larry (Chris Elliott), Phil cumpre a enfadonha tarefa, mas na hora do retornar, uma nevasca obriga todos a ficar e dormir na cidadezinha. E então, o inusitado acontece: O carrancudo reporter acorda de novo no Dia da Marmota e revive tudo outra vez. E depois, de novo, de novo e de novo... Fica preso num looping temporal, condenado a reviver indefinidamente o tal Dia da Marmota!
        Quando o filme foi lançado em 1993, a ideia de um personagem revivendo eternamente o mesmo dia, preso num looping temporal, já havia sido explorada, tanto na literatura quanto na TV. Mas o filme Feitiço do Tempo foi vencendo todos os processos movidos contra seus realizadores, acusados de plágio. Apesar de partir de um conceito estabelecido, a justiça considerou que o enredo criado por Danny Rubin continha elementos originais suficientes para se diferenciar como obra narrativa. Com o passar do tempo, a ideia de reviver várias vezes o mesmo dia caiu no gosto popular e rendeu episódios de séries de TV e alguns filmes. Um deles é No Limite do Amanhã, estrelado por Tom Cruise, que apresenta qualidades narrativas e oferece entretenimento de qualidade. Outro que resvala o tema é Contra o Tempo, estrelado por Jake Gyllenhaal.
        Danny Rubin criou o enredo do filme Feitiço do Tempo em 1989 e conseguiu vendê-lo para um grande estúdio. O diretor Harold Ramis entrou no projeto e efetivamente escreveu o roteiro, fazendo uma alteração importante na sua estrutura narrativa: ao invés de começar com o protagonista já preso no loomping temporal, como havia imaginado o criador, preferiu seguir de forma linear, apresentando o protagonista como era antes de cair na armadilha temporal. Essa decisão foi vital! Permitiu apresentar o incrível arco de transformação percorrido pelo insuportável Phil Connors e abriu espaço para que o expectador estabelecesse a necessária empatia com o personagem.
        Experiente como roteirista e diretor, calejado no gênero das comédias, Harold Ramis vinha de filmes como Férias Frustradas e Os Caça-Fantasmas, e mais tarde continuaria com sucessos como Máfia no Divã. No filme Feitiço do Tempo ele soube aproveitar as deixas para adicionar doses generosas de humor, mas jamais se desvia do conteúdo dramático. Segue certeiro na trilha de um personagem obrigado a se autoconhecer, cuja única alternativa é o aprendizado – nem mesmo a morte oferece saída para o imbróglio em que se meteu!
        Phil Connors é um personagem preso dentro de sua própria mente – como aliás, somos todos nós. Confrontado com uma nova concepção de tempo, agora está finalmente tendo o cuidado de olhar em volta, para as pessoas que o cercam. Pode analisar as situações nas quais se envolve e compreender quais são as consequências e implicações éticas das suas escolhas. Pode encarar o que é certo e o que é errado. Pode desenvolver uma necessária curva de aprendizado.
        Na poltrona do espectador, começamos o filme achando que jamais nos envolveremos com Phil. Ele é abjeto e desagradável. Mas então, o vemos tentar, errar, tentar de novo, corrigir seus erros, voltar atrás, usar a criatividade, mudar de ideia... Quanto tempo isso demora? Não sabemos. O roteiro fo filme Feitiço do Tempo é cuidadoso em não deixar claro quantas vezes o protagonista revive o Dia da Marmota. Mas a vida é assim mesmo: cada um tem seu próprio tempo de aprendizado.
        Essa história foi criada por Danny Rubin, mas o personagem foi criado por Harold Ramis! Ele, afinal, foi quem estabeleceu o seu leque de escolhas e o colocou vivendo situações dramáticas e ao mesmo tempo cômicas. A ótima atuação de Bill Murray também precisa ser levada em conta na composição do protagonista, embora o ator tenha sido bastante criticado por mau comportamento nos sets de filmagem.
        O filme Feitiço do Tempo é ótimo! Capaz de ensejar ótimas conversas e discussões de alcance filosófico. Também é capaz de estimular reflexões acerca da nossa espiritualidade e do imperativo de se viver o momento presente. Ao acompanhar essa história ao mesmo tempo densa e leve, dramática e cônica, não há como impedir a imaginação de ganhar asas. Nos colocamos na pele do protagonista e começamos a pensar em tudo o que poderíamos corrigir em nossas vidas. Lembramos daquilo que devíamos ter passado por cima, ou ter assumido como prioridade. Somos impelidos a encarar o que fizemos de certo e o que fizemos de errado, sem relativizações.
        É verdade! Estamos sim, presos num looping temporal, mas um que ao invés de durar um reles dia, dura uma vida inteira. Aproveitemos para aprender!

Resenha crítica do filme Feitiço do Tempo

Título original: Groundhog Day
Ano de produção: 1993
Direção: Harold Ramis
Roteiro: Harold Ramis e Danny Rubin
Elenco: Bill Murray, Andie MacDowell, Chris Elliott, Stephen Tobolowsky, Marita Geraghty, Rick Ducommun, Rick Overton, Robin Duke, Carol Bivins, Willie Garson, Ken Hudson Campbell, Les Podewell, Rod Sell, Harold Ramis, Hynden Walch, Michael Shannon e Peggy Roeder

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