Kardec - A História Por Trás do Nome

Cena do filme Kardec - A História Por Trás do Nome
Kardec - A História Por Trás do Nome: dirigido por Wagner de Assis

SOBRA EXPOSIÇÃO E FALTA DRAMATIZAÇÃO

Tenho acompanhado de perto o tema “espiritismo”, motivado pelos desdobramentos filosóficos e morais que enseja. Por isso, quando entrei na sala de cinema para assistir ao filme Kardec – A História Por Trás do Nome, minhas expectativas estavam... no além!
        Quando vi o trailer fui possuído por uma enorme empolgação. A produção parecia bem cuidada, a música envolvente, a fotografia em tons escuros insinuava mistérios envolventes e o trabalho dos atores passava maturidade e competência. Além disso, os depoimentos de amigos, que não pouparam elogios, colocaram esse filme na lista dos que “preciso ver sem falta”.
        Mas o saco de pipoca ainda não tinha esvaziado nem um terço quando a decepção se materializou na minha frente! A produção era ótima, a música envolvente, a fotografia competente e os atores davam conta do recado, mas o roteiro... não engrenou! A narrativa se arrastou interminável e em vários momentos entediante. Saí com a certeza de que o problema era estrutural.
        Quando entrei na sala de exibição estava aberto às concessões. Sabia que assistiria a uma peça de divulgação da doutrina espírita, um filme “engajado”, produzido com a intenção de amealhar possíveis seguidores e despertar o interesse do público 
– muitos ainda olham para o espiritismo com um misto de curiosidade e ceticismo. Mas se era essa a intenção dos produtores, meteram o dedo no roteiro de forma desastrada e ficaram com um filme enfadonho nas mãos.
        As primeiras cenas narrando o trabalho do então professor Rivail na instituição de Pestalozzi chegam a ser desconcertantes. Os diálogos não convencem, mantendo a encenação no plano da teatralidade. Mais adiante, as sequências abordando os fenômenos das mesas girantes e das manifestações espíritas transcorrem tão rápidas e superficiais que chegam a ser frustrantes. A partir daí, o filme não faz mais do que narrar episódios biográficos, já conhecidos dos iniciados na doutrina espírita e desinteressantes para quem desconhece detalhes do personagem Allan Kardec.
        O diretor Wagner de Assis bem que se esforçou e Leonardo Medeiros convenceu na pele de Kardec, mas os vários méritos do filme acabaram ofuscados por uma escolha infeliz: a de cobrir toda a vida e a obra do fundador do espiritismo ao longo de quase duas horas de projeção.
        Quando penso em Allan Kardec, o que me intriga é como um sujeito cético e racional, com vasta bagagem intelectual, deixou-se convencer por fenômenos circenses, que não passavam de moda entre os frequentadores dos restaurantes parisienses na metade do século XIX. Como esse sujeito, tomado por uma espécie de epifania, construiu uma obra tão densa? Como criou uma doutrina que, apesar de exalar forte apelo religioso, cooptou céticos e racionais em diversos países da Europa?
        A resposta me parece óbvia: é que as revelações e descobertas do professor Rivail foram tão contundentes e convincentes que mudaram sua vida para sempre. O transformaram em Allan Kardec! Mas... que descobertas foram essas, afinal? Como e em que condições foram feitas? A que custos emocionais? Que barreiras o personagem precisou superar? Em que momento crucial o personagem se deparou com a verdade irrefutável de que eram os espíritos que estavam se comunicando com ele? Acredito ser esses os pontos que o espectador gostaria de ver encenados. Ao invés de ocupar a maior parte do roteiro, foram abordados de maneira superficial pelo diretor Wagner de Assis, sem empolgar.


        Colocando-me no lugar do roteirista, se desejasse construir uma eficiente peça de divulgação da doutrina espírita, procuraria me ater a um recorte bem mais reduzido – uma abordagem episódica e não biográfica. Mostraria a vida acadêmica do professor Rivail apenas para respaldar sua bagagem intelectual e racional. Usaria a descrença diante dos duvidosos e desconcertantes fenômenos paranormais para criar suspense e gerar movimentação dramática. Mostraria as escolhas, os dilemas e as barreiras que o professor precisou vencer para mostrar sua grandeza e sua força motivadora.
        E o mais importante, deixaria o ápice dramático do filme para o momento da epifania, quando Allan Kardec compreende que está acessando o plano espiritual. Sim, na minha opinião, é para isso que o espectador se presta a sentar diante de um filme como esse: para assistir ao momento arrebatador da revelação, compartilhando com Kardec e com os demais personagens do filme, a emoção de tão definitiva descoberta.
        Encerraria o recorte dessa história no momento em que o Livro dos Espíritos vai para o prelo. A cena dos personagens brindando com Champagne o sucesso editorial da obra que fundou a doutrina espírita, seria um final empolgante para uma história verídica e duradoura. Enquanto os créditos do filme escorressem pela tela, o espectador seria levado a se perguntar:
        – Mas, afinal, o que está escrito nesse livro, que chegou a fazer tanto sucesso?
        Provavelmente o espectador desse meu filme alternativo não sairia convertido à doutrina espírita, mas ficaria curioso para conhecer mais sobre ela. Talvez, quando estivesse em uma livraria, lembraria de perguntar se haveria por lá alguma edição recente do Livro dos Espíritos.
        Quanto a mim, saí do cinema bocejando, com a certeza de que, a julgar pelo filme Kardec - A História Por Trás do Nome, a vida na Paris da metade do século XIX era muito elegante e esteticamente marcante, mas aborrecida e sonolenta.
        Pelo menos a pipoca estava ótima!

Resenha crítica do filme Kardec - A História Por Trás do Nome 

Ano de produção: 2019
Direção: Wagner de Assis
Roteiro: Wagner de Assis e L. G. Bayão 
Elenco: Leonardo Medeiros, Sandra Corveloni, Guilherme Piva, Genézio de Barros, Julia Konrad, Charles Fricks, Letícia Braga, Júlia Svacinna, Dalton Vigh, Louise D'Tuani, Licurgo Spinola, Guida Vianna, Leonardo Franco, Christian Baltauss, João Barreto, Luiz Felipe Mello, Jayme del Cueto, Xando Graça, Lionel Fischer, Lola Borges e Kíria Malheiros

Comentários

  1. A indústria do cinema gira bem, tem experiência e sabe produzir, mas é preciso uma mente para reger toda essa máquina! Alguém que pensa na narrativa e no propósito dela é raro. Gostei muito da crítica! Consistente e genuína! Só poderia mesmo vir de um escritor sensível com vasta bagagem em publicidade. Me parece uma ótima combinação! Sucesso!

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    1. A combinação certa vai nascendo com o tempo! Vou deixar ele correr! Obrigadão!

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  2. Fábio, como é bom a diversidade de opiniões! Nossa critica do filme foi bem diversificada! Me ative aos pontos positivos! Fui assistir, sem muita expectativa e isso fez com que o filme me proporcionasse bons momentos, além da pipoca! Não sou crítica cinematográfica e nem tenho essa pretensão!
    Sucesso pra vc nessa nova opção de blogueiro!

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    1. Todos nós somos críticos de cinema. O cinema é feito pra nós, pra nos conquistar. E quem sabe se um filme tem sucesso nisso somos nós mesmos! Obrigado pelo incentivo!

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  3. Como foi comentado anteriormente, muito genuíno. Parabéns.
    Engraçado... entre bocejos, valeu pela pipoca. Hahaha

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  4. Valeu!!! Genuidade é uma qualidade que valorizo pra caráter!!!!

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  5. Você já leu "O livro das mesas girantes"? Dd ninguém menos que Victor Hugo?

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    1. Não, não li o livro. Mas há muitas personalidades que se envolveram nesse começo do espiritismo. Um dos nomes que me surpreendeu foi o de Arhtur Conan Doyle!

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