À Beira-Mar: filme sobre um casal em crise

Cena do filme À Beira-Mar
À Beira-Mar: filme dirigido por Angelina Jolie

ANGELINA JOLIE ROUBA A CENA FINAL, LITERALMENTE

– Ela pisou no tomate – reclamei com uma frase feita, para deixar claro minha irritação. Ludy foi bem mais incisiva:
        – Não gostei! Estiloso demais e nada envolvente.
        Começamos nossa caminhada matinal falando sobre a promessa de bom entretenimento à qual assistimos na noite anterior, mas que não se cumpriu: o filme À Beira-Mar, escrito, dirigido e estrelado por Angelina Jolie. Ela atua aqui ao lado do então marido Brad Pitt. De início, achei que se tratava  de uma obra romântica. Mais adiante, rezei para que ganhasse densidade e feições intimistas, na medida em que revelasse o mundo interno de personagens cada vez mais enigmáticos. Isso não aconteceu. Lá pelas tantas, comecei a bocejar.
        Eis aqui o caso interessante de um filme construído a partir de elementos sólidos, mas que não consegue ganhar consistência. Tem uma bela ambientação, personagens com certo conteúdo e uma trama com potencial para envolver, ao gerar incontáveis oportunidades de fisgar o espectador. A diretora, porém, preferiu criar uma atmosfera de sedução tão espessa que embaçou a tela.
        Vanessa, a personagem interpretada pela diretora, não se deixa desvendar. Só conseguimos enxergar sua dimensão externa. Uma casca, que se parece com a irretocável e sempre bem produzida... Angelina Jolie! Brat Pitt se esforça, mas suas falas e oportunidades em cena não são suficientes para oferecer compensações. Antes de seguir, vejamos a sinopse de À Beira-Mar:
        Nos anos 1970, o casal nova-iorquino Vanessa (Angelina Jolie) e Roland (Brad Pitt) chega a uma praia isolada no litoral da França, com o peso de um relacionamento em declínio na bagagem. Ele procura paz e inspiração para escrever seu livro, enquanto a mulher parece que está ali só para atrapalhar. Aos poucos, do convívio tenso e arrastado entre os personagens, aprendemos sobre suas histórias, seus dramas e dilemas. Até que outro casal entra em cena: Lea (Mélanie Laurent) e Michel (Niels Arestrup ), que se hospedam no quarto ao lado. Através de um buraco na parede, as duas intimidades se visitam e o quadrilátero que se forma modificará as dinâmicas no relacionamento de ambos casais.
        Só pelo fato de ser rodado na França, com diversos diálogos em francês, o filme já teria grande chance de emular – ou homenagear – as obras de alguns dos mestres do cinema europeu. Porém, o que mais me entristeceu foi ver como À Beira-Mar desperdiçou a oportunidade de explorar a relação entre cinema e voyeurismo. Não conseguiu trazer o espectador para dentro das cenas. Torci para que a diretora adicionasse algum tempero latino mais apimentado, mas ela preferiu dar voz aos pudores anglo-saxônicos, sem questioná-los ou contextualizá-los. Outra grande oportunidade perdida.
        O pecado que considero imperdoável, no entanto, acontece no final do filme. Causou nos cinéfilos atentos uma imensa decepção. Na hora de resolver o conflito entre os dois casais, a roteirista manda seu marido Roland conversar com Lea, naquela que prometia ser a cena mais importante do filme. Só que a cena é omitida! Sim, por incrível que pareça, esta cena não é dramatizada na frente do espectador. Tudo o que a cineasta permite é que Roland nos conte como foi a tal conversa, durante um diálogo desajeitado. Assim, a cena mais dramática do filme, que deveria ser interpretada por Brad Pitt e Mélanie Laurent, termina protagonizada por Brad Pitt e a própria diretora, mas sem a intensidade necessária.
        Foi assim que Angelina Jolie cometeu uma espécie de estelionato! Roubou a cena, não pela força do seu carisma ou pela eloquência da sua verve dramática. Roubou literalmente! Surrupiou a cena mais aguardada do filme! Não consigo entender os diretores que, ao invés de dramatizar uma cena e criar oportunidades para que os atores desempenhem sua arte, preferem pôr palavras na boca dos personagens, Distanciam o espectador da trama e aumentam a quantidade dos bocejos na plateia. Angelina Jolie deve ter tido seus motivos, sobre os quais só posso especular. Sejam quais forem, quem saiu perdendo foi o cinema.
        Decepcionados, Ludy e eu continuamos nossa caminhada matinal falando sobre outros pontos fracos daquele filme frustrante, que nos ocupou na noite anterior. Depois, emendamos uma conversa sobre como algumas pessoas costumam colocar o ego na frente de tudo que fazem e embaçam suas realizações.
        Acontece no cinema, acontece na vida real.

Resenha crítica do filme À Beira-Mar

Título original: By The Sea
Ano de produção: 2015
Direção: Angelina Jolie
Roteiro: Angelina Jolie
Elenco: Angelina Jolie, Brad Pitt, Mélanie Laurent, Niels Arestrup, Melvil Poupaud e Richard Bohringer

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