Ferrugem: é sobre as nossas dificuldades de comunicação!

Cena do filme Ferrugem
Ferrugem: filme dirigido por Aly Muritiba

É SOBRE JOVENS E PARA JOVENS, MAS CONVERSA COM OUTRAS GERAÇÕES

Ludy e eu tínhamos um forte motivo para assistir ao filme Ferrugem, dirigido em 2018 por Aly Muritiba. Nada a ver com o fato de ter sido rodado em Curitiba – cidade onde vivemos – nem com as críticas favoráveis que circulavam na mídia. Naquela fria noite de quarta-feira, fomos a um cinema de shopping por um único motivo: prestigiar nosso sobrinho, que participara da produção como assistente de direção.
        Sim, leitor, pode me acusar de nepotismo! Mas, se entrei naquela sala de cinema pelo motivo errado, quando me levantei da poltrona, ao final da projeção, estava redimido. Ferrugem é um ótimo filme e festejei a oportunidade de tê-lo visto na telona, em sua plenitude. Tem roteiro bem costurado – assinado pelo próprio Aly Muritiba e por Jessica Candal. Traz ótimas interpretações, segue num ritmo envolvente e tem uma direção segura. O filme aborda um tema relevante e universal, mas é preciso que se diga: é triste!
        Engana-se quem acha que o filme Ferrugem é apenas sobre e para os jovens. Trata, sim, do universo hiperconectado dos adolescentes e o retrata com sensibilidade e respeito. É fluente no linguajar digital e nos códigos audiovisuais da geração atual. Mas é incisivo quando alcança os mais velhos. Duvido que os pais que assistiram ao filme o tenham feito sem sentir um frio no estômago. Primeiro, acompanhando o drama da jovem difamada por ter seu vídeo erótico – uma traquinagem que qualquer espectador logo se presta a perdoar – replicado por toda a internet. Depois, testemunhando a culpa ácida corroendo a alma do autor da difamação, um garoto inconsequente, que carece de bons exemplos dentro de casa.
        Ferrugem pode ser sintetizado assim, numa curta sinopse. O esforço narrativo não é para dar explicações ao espectador, mas para construir os personagens, cena após cena. Ou seja: é o tipo de cinema que agrada aos cinéfilos maduros. Realizar uma obra assim exige sensibilidade artística, domínio das técnicas narrativas e habilidade para lidar com símbolos que todos reconheçam, sem descambar para o piegas. O filme conseguiu esse intento, embora o personagem do pai/professor tenha resultado um tanto estereotipado.
        É preciso predisposição para assistir a um drama como Ferrugem. Quem o faz, chega aos créditos finais mais introspectivo. Foi assim que voltei para casa, pensando na dicotomia que este início de século está nos legando: as pessoas usufruem das mais ágeis e poderosas ferramentas de comunicação que já existiram, mas continuam cavando abismos cada vez mais profundos entre elas. Continuam se pondo inalcançáveis. Continuam com dificuldades para se... comunicar!
        Pais e filhos, maridos e mulheres, professores e alunos, amigos, parentes, vizinhos... Todos ao alcance de dois ou três cliques, vivendo dramas e preocupações que talvez pudessem ser resolvidos com minutos de convívio. Desorientados, colecionando sofrimentos... empacados! Com quais ferramentas cavamos esses fossos gigantescos? Descaso? Distração? Orgulho? Arrogância? Medo? 
        Tolos, acreditamos na precisão das palavras e sempre temos algo a dizer, quando o melhor seria sentar lado a lado e apenas respirar o mesmo ar. Ocupar o mesmo espaço. Perder o mesmo tempo. Cruéis, exigimos uns dos outros a mesma expressividade dos poetas. Teimosos, insistimos em tratar de emoções com argumentos. Ora, emoções são como cores: quem garante que suas nuances são visíveis para todos? Pais e filhos, maridos e mulheres, professores e alunos, amigos, parentes, vizinhos... Sempre olhando para lados diferentes, crentes que testemunham a mesma realidade.
        Eis aqui a matéria-prima básica para construir uma infinidade de histórias: os conflitos que vêm à tona no caldo efervescente das nossas dificuldades de comunicação. Quando tal substância é trabalhada com sensibilidade, como no filme Ferrugem, provoca reflexões e nos leva a confrontar nossas atitudes. A medir a profundidade e a largura dos abismos ao nosso redor.
        Em nossa caminhada na manhã seguinte, Ludy e eu usamos o enredo desse filme como pretexto para falar da vida, dos nossos receios e das relações com as pessoas que nos cercam. Como pais, foi inevitável falar sobre nossa filha, que vive em São Paulo, mas está sempre presente. E falamos com orgulho do nosso sobrinho, com quem convivemos pouco, mas admiramos por perseguir seu objetivo de trabalhar com cinema. Ficamos atentos aos créditos do filme, até que seu nome aparecesse entre os tantos outros: Eduardo Belik.

Resenha crítica do filme Ferrugem

Ano de produção: 2018
Diretor: Aly Muritiba
Roteiro: Aly Muritiba e Jessica Candal
Elenco:Clarissa Kiste, Duda Azevedo, Pedro Inoue, Tifanny Dopke, Enrique Diaz, Giovanni de Lorenzi e Patrick Vargas

Comentários

  1. Excelente análise Fábio. Confesso que também fuiimbuído da missão nepotista e sai com um motivo ora refletir. Comentei com a Adriane a impressão que a mãe me deixou no final. Me fez pensar na responsabilidade que temos como pais de uma geração (como todas é verdade) que precisa de valores sólidos pra se apoiar. E nesse ponto ela é redentora. E registre-se: a assistência de direção foi primorosa. Abçs e siga em frente.

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  2. Concordo, Clovis! A assistência de direção foi primorosa!!!!!! E você pegou muito bem a ideia: nós, pais, quando assistimos filme, ficamos com a verdadeira noção da nossa responsabilidade. Temos que transmitir valores sólidos, e o papel da mãe, no final do filme, foi essencial.

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  3. Excelente colocação Fábio! Despertou em mim a vontade de assistir Ferrugem! Vou aproveitar o carnaval aqui em Curitiba, para "curtir" de uma maneira bem mais proveitosa esses dias!

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    Respostas
    1. Cinema é sempre uma boa opção. Recomendo também um belo livro! Aproveite o carnaval!!!!!

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  4. Também achei a assistência de direção impecável!

    Com a maior sinceridade, gostei muito desse filme! Achei autêntico! Tem uma pitada regional no ponto certo e ao mesmo tempo universal. Percebi um roteiro minimalista, de trama simples e bem construída, bem costurado. A emoção ficou toda na camada psicológica do personagens. Gosto de filme assim!

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  5. Gostei da sua observação em relação ao toque regional. Logo de imediato o espectador percebe que a história não se passa no eixo Rio-São Paulo. A temática universal sai ganhando com esse toque local.

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