Medo da Verdade: no final, um dilema moral se impõe

Cena do filme Medo da Verdade
Medo da Verdade: direção de Ben Affleck

ROMANCE DENSO GANHA UMA ADAPTAÇÃO ENXUTA

O que os filmes Sobre Meninos e Lobos, Ilha do Medo e Medo da Verdade têm em comum? Os três contam histórias gestadas na mente de Dennis Lehane, um dos escritores policiais mais festejados entre os americanos. Seus romances se dedicam a retratar uma certa atmosfera sombria que ele enxerga pairando sobre a cidade de Boston, sua terra natal – que ele esmiúça com certo bairrismo engajado. Dois de seus livros já haviam sido adaptados para as telas por cineastas de peso, como Clint Eastwood e Martin Scorsese. Agora é a vez de Bem Affleck experimentar as dificuldades de lidar com suas tramas investigativas densamente elaboradas e repletas de reviravoltas, que se tornaram marca registrada do escritor.
        Medo da Verdade é um filme que desagua num dilema moral caudaloso, onde personagens complexos caminham sobre a linha que separa o certo do errado. Moral e ética são valores que alguns enxergam embaçados, mas não conseguem descartar facilmente, diante do peso que exercem na consciência. O enredo é tratado com leves toques de humor mórbido, que mal conseguem dissipar o pesado clima de melancolia que impera o tempo todo. Por meio das suas escolhas e decisões, os personagens revelam camadas surpreendentes, enquanto o protagonista busca a verdade que todos temos medo de encontrar. Vamos examinar a sinopse:
        O filme nos conta a história de Patrick Kenzie (Casey Affleck), um detetive particular que trabalha em parceria com sua namorada Angela Gennaro (Michelle Monaghan). O casal é contratado para encontrar a garotinha Amanda McCready (Madeline O'Brien), de quatro anos, que está desaparecida – parece ter sido raptada. O caso ganha repercussão na mídia e choca a comunidade local. Em meio à pressão da vizinhança e dos conhecidos da família, os detetives descobrem que Helene (Amy Ryan), a mãe da garotinha, não é propriamente um exemplo de amor materno. Envolvida com drogas e com suspeitos de pedofilia, ela é o retrato da decadência moral que se apoderou daquele bairro operário ao sul de Boston, onde casas velhas e bares decadentes dividem o lugar com fábricas falidas. Em sua busca pela verdade, o casal de detetives vai esbarrar com muita gente drogada, gangues de criminosos, pedófilos e policiais corruptos. E serão atrapalhados pelos holofotes da mídia sensacionalista e pelos interesses da corporação policial, que se agarra a pré-julgamentos apressados.
        Adaptar o romance de Dennis Lehane foi uma tarefa desafiadora e soou um tanto pretensiosa, especialmente para um diretor estreante. Mas Ben Affleck deu conta. Escrevendo em parceria com Aaron Stockard, eles logo perceberam que o roteiro exigiria uma abordagem mais complexa. Para desenhar as nuances da história e suas reviravoltas, precisariam ir para além das construções de um roteiro básico. Além disso, a necessidade de manter a história clara para o espectador, com doses certas de cenas expositivas, que permitisse apresentar seus elementos factuais, elevou o nível de dificuldade. No final conseguiram ótimos resultados em termos de linhas de diálogo, ambientação e atmosfera.
        Originalmente, o detetive Patrick Kenzie protagonista de Medo da Verdade, era um sujeito na faixa dos 35 ou 40 anos. Para as telas, no entanto, o diretor achou por bem caracterizá-lo com 10 anos a menos. A ideia era que, beirando os 30 anos, o personagem terminasse mais impactado pelas difíceis escolhas morais que precisaria fazer. No romance, isso está claro, mas num filme de duas horas, o diretor temia que as nuances se diluíssem. Concluiu, então, que um sujeito com a vida ainda em construção teria mais a perder e que o tal momento crucial lhe pareceria um divisor de águas. E por tabela, concluiu também que poderia escalar seu irmão mais novo, Casey Affleck, para interpretar o jovem detetive. O ato de nepotismo acabou se mostrando uma ótima escolha.
        Casey Affleck segura a onda, mas o fato é que Medo da Verdade conta com um elenco de peso. Morgan Freeman e Ed Harris, que vivem dois policiais envolvidos na investigação, entregam ótimas atuações, assim como Amy Ryan, que apesar de não ser natural de Boston, caprichou no sotaque. O filme nos conta uma história triste, densa e em muitos momentos desconfortável. Mas para os que apreciam a obra de Dennis Lehane, é um prato cheio. Vale a pena conferir.

Resenha crítica do filme Medo da Verdade

Título origina: Gone Baby Gone
Título em Portugal: Vista pela Última Vez...
Ano de produção: 2007
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Ben Affleck e Aaron Stockard
Elenco: Casey Affleck, Michelle Monaghan, Morgan Freeman, Ed Harris, John Ashton, Amy Ryan, Madeline O'Brien, Amy Madigan, Titus Welliver, Slaine, Edi Gathegi, Mark Margolis, Michael K. Williams e Jill Quigg

Comentários

  1. Será que tem na Netflix? Me despertou interesse.

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  2. Suspeito que sim! Já vi esse título em vários serviços de streaming.

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  3. Assisti pela Netflix. Filme realista. A cena final é bem eloquente.

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