Parasita: direto da comédia para tragédia, sem escalas
O FOCO É NO DUALISMO ORIENTAL
Há tempos não acompanhava a festa do Oscar, mas em 2020 a curiosidade foi maior que o meu desprezo pelo desfile das celebridades. Naquele ano, a disputa era entre um filme sul-coreano feito com uma mistura de vários gêneros, um filme de guerra encenado como ópera em tempo real, um filme de super-heróis onde só o vilão aparece, um filme onde Hitler e o nazismo são abordados em tom de comédia, um filme cujo título faz merchandising para duas marcas da indústria automobilística, um filme dirigido por um brasileiro falando sobre um Papa argentino... Entre cochilos, vi a premiação transcorrer como sempre: surpresas aqui e ali, barbadas confirmadas e estatuetas distribuídas a rodo entre todos os setores da indústria do cinema. O grande vitorioso foi o filme Parasita, dirigido em 2019 por Bong Joon-ho , que forneceu munição para uma saraivada de críticas e achismos, eclodindo por todos os guetos nas redes sociais.
Parasita é realizado com competência e criatividade, mas... é o mínimo que se espera de um filme que chegou ao topo! O fato é que esse grande vencedor do Oscar de 2020 encontra sua força em elementos externos e não na sua construção cinematográfica. Seu cinema não é revolucionário – nem sequer inovador. É vistoso, fluente e sabe prender a atenção do espectador. Tem um enredo provocador e explora as dinâmicas cômicas e dramáticas que consegue gerar. Mas tem um ponto fraco: a pouca nitidez com que retrata seus personagens.
No filme Parasita, ficamos intrigados com a conjunção de fatores que teria levado a família de Ki-Taek ao desemprego e ao confinamento num porão imundo. De onde vem tanto traquejo e a desenvoltura para se camuflar à perfeição entre os ricaços que tentam tapear? Seria apenas talento inato? Se cuidasse de apresentar melhor os personagens, revelando nuances além dos meros contornos estereotipados de vigarice, o diretor teria estimulado a empatia por parte do espectador.
É dessa falta de nitidez que vem o tom de comédia de Parasita. A abordagem caricata funciona no começo, tornando engraçadas as tramoias e a capacidade de improvisação dos trambiqueiros. Porém, para que o roteiro funcione, outra concessão precisou ser feita: os ricaços tiveram que ser retratados como tolos, distraídos com as benesses da própria riqueza. Como gente tão endinheirada pode ser tão ingênua a ponto de se deixar enganar facilmente? Seria apenas questão de arrogância? De deslumbramento com a posição social?
Parasita é realizado com competência e criatividade, mas... é o mínimo que se espera de um filme que chegou ao topo! O fato é que esse grande vencedor do Oscar de 2020 encontra sua força em elementos externos e não na sua construção cinematográfica. Seu cinema não é revolucionário – nem sequer inovador. É vistoso, fluente e sabe prender a atenção do espectador. Tem um enredo provocador e explora as dinâmicas cômicas e dramáticas que consegue gerar. Mas tem um ponto fraco: a pouca nitidez com que retrata seus personagens.
No filme Parasita, ficamos intrigados com a conjunção de fatores que teria levado a família de Ki-Taek ao desemprego e ao confinamento num porão imundo. De onde vem tanto traquejo e a desenvoltura para se camuflar à perfeição entre os ricaços que tentam tapear? Seria apenas talento inato? Se cuidasse de apresentar melhor os personagens, revelando nuances além dos meros contornos estereotipados de vigarice, o diretor teria estimulado a empatia por parte do espectador.
É dessa falta de nitidez que vem o tom de comédia de Parasita. A abordagem caricata funciona no começo, tornando engraçadas as tramoias e a capacidade de improvisação dos trambiqueiros. Porém, para que o roteiro funcione, outra concessão precisou ser feita: os ricaços tiveram que ser retratados como tolos, distraídos com as benesses da própria riqueza. Como gente tão endinheirada pode ser tão ingênua a ponto de se deixar enganar facilmente? Seria apenas questão de arrogância? De deslumbramento com a posição social?
Se o tom de comédia continuasse até o final, não faríamos tais perguntas. Mas não! O diretor sul-coreano adicionou notas de suspense na segunda metade do filme, levando a um desfecho com forte tensão emocional. É nesse ponto de virada que a falta de nitidez dos personagens custa caro ao roteiro. As decisões que os membros das duas famílias tomam são cruciais, mas acontecem sem qualquer sustentação racional ou emocional. Tudo para fazer prevalecer as premissas ideológicas do diretor. No final, todos agem como robôs!
É curioso como em Parasita o encadeamento de ações tensas só age sobre o emocional do espectador, sem afetar os personagens do filme. Eles terminam do mesmíssimo jeito que começaram. Passam por eventos críticos e traumáticos, mas não percebemos neles nenhuma mudança psicológica. Não há arrependimentos, remorso ou desejos de vingança. A conduta moral que seguem continua a mesma. Entendo que essa dinâmica tem raízes na tradição do romance oriental, onde os personagens têm preponderância sobre a história, mas isso não deixa de causar estranhamento em nós, ocidentais.
Outro ponto que incomoda em Parasita é a sombra do determinismo, que se projeta sobre os personagens. Não importa o que façam, os pobres continuarão sempre pobres e os ricos jamais conhecerão a miséria. Talento, esperteza, ingenuidade, arrogância, deslumbramento... Nada disso tem serventia no mundo rijo de tensões sociais retratado por Bong Joon-ho. Seus personagens ganham poucas pinceladas. Ele prefere carregar as tintas no pano de fundo. É quando se aferra ao princípio tauista da dualidade, simbolizado no contraste e na complementariedade entre o yin e o yang, estampado na bandeira do seu país.
Ao contrário do que afirmou Bong Joon-ho ao erguer sua estatueta na festa do Óscar, a barreira do idioma não é o único entrave para que o cinema sul-coreano conquiste o ocidente. Há outros gigantescos. O cinema oriental precisará escalar o muro cultural que separa nossas visões de mundo – ainda que esse muro seja bem baixinho nos gêneros ação e terror. Por aqui, contar uma história é desvendar o universo interno dos personagens. É explorar as fagulhas emocionais e racionais que incendeiam suas decisões, geram os conflitos e dão sentido à narrativa. É examinar todas as transformações que acontecem, primeiro no indivíduo e só depois na coletividade.
É curioso como em Parasita o encadeamento de ações tensas só age sobre o emocional do espectador, sem afetar os personagens do filme. Eles terminam do mesmíssimo jeito que começaram. Passam por eventos críticos e traumáticos, mas não percebemos neles nenhuma mudança psicológica. Não há arrependimentos, remorso ou desejos de vingança. A conduta moral que seguem continua a mesma. Entendo que essa dinâmica tem raízes na tradição do romance oriental, onde os personagens têm preponderância sobre a história, mas isso não deixa de causar estranhamento em nós, ocidentais.
Outro ponto que incomoda em Parasita é a sombra do determinismo, que se projeta sobre os personagens. Não importa o que façam, os pobres continuarão sempre pobres e os ricos jamais conhecerão a miséria. Talento, esperteza, ingenuidade, arrogância, deslumbramento... Nada disso tem serventia no mundo rijo de tensões sociais retratado por Bong Joon-ho. Seus personagens ganham poucas pinceladas. Ele prefere carregar as tintas no pano de fundo. É quando se aferra ao princípio tauista da dualidade, simbolizado no contraste e na complementariedade entre o yin e o yang, estampado na bandeira do seu país.
Ao contrário do que afirmou Bong Joon-ho ao erguer sua estatueta na festa do Óscar, a barreira do idioma não é o único entrave para que o cinema sul-coreano conquiste o ocidente. Há outros gigantescos. O cinema oriental precisará escalar o muro cultural que separa nossas visões de mundo – ainda que esse muro seja bem baixinho nos gêneros ação e terror. Por aqui, contar uma história é desvendar o universo interno dos personagens. É explorar as fagulhas emocionais e racionais que incendeiam suas decisões, geram os conflitos e dão sentido à narrativa. É examinar todas as transformações que acontecem, primeiro no indivíduo e só depois na coletividade.
A força de Parasita vem justamente desse choque cultural, que o filme chegou impondo. Embora utilize com fluidez os recursos narrativos da linguagem cinematográfica, não consegue apresentar personagens marcantes, carismáticos... com alma! Por causa disso, apesar de ter sido vitorioso na festa do Óscar, não se tornará um clássico do cinema entre os ocidentais.
Resenha crítica do filme Parasita
Ano de produção: 2019
Direção: Bong Joon-ho
Roteiro: Bong Joon-ho e Han Jin-won
Elenco: Song Kang-ho, Jang Hye-jin, Choi Woo-shik, Park So-dam, Lee Sun-kyun, Cho Yeo-jeong, Jung Ji-so, Jung Hyun-joon, Lee Jung-eun, Park Myung-hoon e Park Seo-joon
gostei do filme e acho que o protagonista (o filho) aponta sim um futuro, mas também acho que o brasileiríssimo "a que horas ela volta" já tocava o mesmo acorde e com uma leveza lírica muito maior (embora de produção relativamente modesta)
ResponderExcluirLegal, João Carlos! Infelizmente não assisti ao filme "A que horas ela volta", mas pelo seu comentário, interessei-me e ver. Quanto ao protagonista de Parasita, o futuro ao qual ele aponta é uma quimera. Golpeado na cabeça, teve claros danos cerebrais e está delirando quanto à possibilidade de comprar a mansão dos Park, mas o diretor deixa claro que isso jamais acontecerá, porque sua premissa é a de que há uma inevitável imobilidade social na Coreia do Sul.
ResponderExcluirVocê foi preciso, Fabio. Concordo muito. Pra mim o filme deixou a impressão de que faltou alguma coisa. E acho que foi isso: faltou eu me envolver com os personagens. Ficou uma sensação de tanto faz. Quem ganha, quem tá certo, tanto faz. O filme é bom de ver, o ritmo é bom, mas os personagens, tanto faz. Não me provocaram tanto assim. Por isso, ficaram livres do meu julgamento.
ResponderExcluirO diretor preferiu ressaltar a tensão social. Na minha opinião perdeu a oportunidade de criar personagens marcantes.
ResponderExcluirParasita é um filme muito bom. Concordo que o filme não explica os porquês da família agir daquela forma, mas talvez seja justamente para o espectador não tomar partido e justificar a atitude deles (como acontece com Coringa, por exemplo). Assim Bong Joon-ho passa apenas o relato dele, sem influenciar se a atitude da família é justificável ou não. Na minha opinião existem filmes coreanos melhores que esse, como por exemplo "Mother", ou "Memories of murder", ambos do mesmo diretor.
ResponderExcluirSe me permite uma sugestão: por que de vez em quando não escreve sobre filmes pouco conhecidos, que não estão no holofote da mídia?
Obrigado pelo comentário e pela sugestão. Também achei Parasita um bom filme e concordo que a situação construída na trama não precisa de explicações. Minha crítica se refere ao fato de que as decisões tomadas pelos personagens no ponto de virada são passionais e como não houve um aprofundamento psicológico na primeira parte, ficaram inverossímeis. Quanto à crítica de filmes pouco conhecidos, pretendo intensificá-las. Mas, como pode perceber, estou na fase inicial do meu blog, buscando audiência para consolidá-lo. Os filmes mais conhecidos são os que estão trazendo maior repercussão.
ExcluirFico no aguardo, então. Continue seu trabalho, seus artigos são muito interessantes e bem escritos!
ExcluirPerfeito. Essa falta de profundidade nós personagens foi onue mais me incomodou, principalmente nos ricos. Mas tb podemos ver por uma espécie de diferença cultural. Os orientações vêem a vida diferente, são mais apegados a regras, normas e, assim, acabam tendo uma capacidade de confirmação maior. De adaptação maior. Não são do tipo que se e revelam frontalmente contra as normas. Isso talvez explique a conduta da família pobre, expressa na fala do pai de que ele nunca fiz planos, pois a vida é imprevisível. O lema dele é mesmo a adaptação. Isso gera um conflito no filho que acaba por desencadear o arco final. Já os ricos não conseguem enxergar porque literalmente vivem em uma bolha. Em um mundo de fantasia, eles não enxergam o ndar de baixo, pra eles só existe a benção da chuva, não existe a parte feia. São parecidos como o filho da família, que vive no seu mundo. Como têm dinheiro, tratam seus empregados como parte da casa, netos objetos, uma relação parasitária onde eles devem estar prontos para realizar suas necessidades desde que sejam pagos. Com sacrifício de seu descanso e são facilmente descartáveis. Eles não gostam de pobres, o cheiro de pobre incomoda. Então, do alto da arrogância, naoy conseguem enxergar.nada além dos próprios desejos, mas o cheiro denuncia. A sociedade oriental é diferente no modo de ver e agir. De enxergar as coisas. Bon Jon Hoo sempre gostou de ressaltar o aspecto caricato para fazer críticas incisivas, como em "Expresso do amanhã". Acho que é aí que reside o grande feito de "Parasita".
ResponderExcluirDe fato, é instigante assistir a um filme que foge aos padrões ocidentais. Parasita nos prende a atenção, surpreende no final e também nos faz questionar valores. Minha crítica é que com os personagens mantidos ao nível dos estereótipos, perdeu-se a oportunidade de investigar mais a fundo a psicologia dos personagens, o que poderia ter ajudado a compreender as diferenças entre ocidentais e orientais.
ResponderExcluirFilme excelente. O q ficou pra mim ? Os ricos baixam a guarda quando se cercam de segurança q foi o caso do bunker construído para se proteger de qquer ameaças. E assim se dão ao imenso luxo de não precisar se defender de mais nada. É isso.
ResponderExcluirA pobreza é criativa, imaginativa e corajosa porque precisa disso pra sobreviver e pra enfrentar uma sociedade desigual e estratificada.
Sim, Vera Londres, essa camada do filme que você aponta é a que ficou mais evidente. O que lamento é que os personagens são tão estereotipados que não há uma abordagem mais aprofundada das questões sociais e individuais.
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