M*A*S*H: nasceu filme e depois virou série

Cena do filme M*A*S*H
M*A*S*H: direção de  Robert Altman

O CASO DE UM FILME BRILHANTE, OFUSCADO PELO PRÓPRIO SUCESSO

Talvez muitos não se lembrem, mas M*A*S*H nasceu como filme, dirigido em 1970 por Robert Altman e estrelado pelos jovens Donald Sutherland e Elliott Gould. Venceu o Óscar de melhor roteiro adaptado e surgiu como um sopro de novidade, apesar de ser politicamente incorreto, sexista, ácido e irreverente. Comportado, se comparado ao humor escrachado dos filmes de hoje, mas trazia uma comédia arrojada e moderna quando foi lançado, naqueles anos agitados! Retratou uma juventude transgressora, antibelicista e... hippie. De imediato, o filme inspirou a realização de uma série de TV, que alcançou estrondoso sucesso por 11 anos. Terminou ofuscado por ela!
        Antes de chegar às salas de cinema, essa história teve um longo período de gestação. Foi concebida como um romance, intitulado M*A*S*H: A Novel About Three Army Doctors, escrito em 1968 por Richard Hooker – esse era na verdade o pseudônimo de H. Richard Hornberger, um ex-cirurgião militar que de fato serviu num hospital do exército americano durante Guerra da Coréia, morando em tendas muito próximas do front. Ele reuniu diversos episódios fictícios, que se passam com diferentes personagens inventados, mas inspirados nos seus próprios colegas. O roteirista Ring Lardner Jr. fez a adaptação para o cinema, dando a esses episódios esparsos um sentido de continuidade. Experiente – já havia recebido o Óscar de melhor roteiro original aos 26 anos, por seu trabalho em Woman of the Year, filme de 1942 – ele omitiu vários episódios demasiado escabrosos para as telas e inventou outros, chegando a uma unidade consistente em termos de estilo. Vejamos como ficou a sinopse do filme:
        Em plena Guerra da Coreia, os cirurgiões Benjamin Franklin Pierce (Donald Sutherland) e John Francis McIntyre (Elliott Gould) chegam à 4077º unidade MASH – Mobile Army Surgical Hospital – para tratar dos soldados feridos, trazidos da linha de frente feito enxurrada. São médicos competentes, dedicados, responsáveis e comprometidos em salvar vidas. Isso na sala de cirurgia. Fora dela, são irreverentes, insubordinados, mulherengos e dispostos a demolir todas as convenções. São críticos implacáveis da guerra, do militarismo e da imbecilidade humana, que não se cansa de produzir... desgraças. Juntam-se a outros personagens hilários, como o comandante Henry Blake (Roger Bowen), seu ordenança Radar O'Reilly (Gary Burghoff), o capelão padre Mulcahy (Rene Auberjonois) e o cirurgião Frank Burns (Robert Duvall) – um incompetente que se sustenta apenas por agir conforme as regras. Os esquetes surpreendentes se sucedem, até que em dado momento entra em cena a enfermeira-chefe Margaret O’Houlihan (Sally Kellermann), imediatamente apelidada de “Lábios Quentes”. Ela vira motivo de piadas e atiça a veia irônica dos protagonistas, gerando uma sucessão de novos esquetes engraçados.
        Em M*A*S*H, o que vemos é um contraponto permanente: de um lado a linha grave da tristeza e da impotência diante das atrocidades da guerra, de outro, a linha estridente e escrachada do humor ácido, que explode num riso nervoso para aliviar as tensões. Com seu texto afiado, Ring Lardner Jr. era o roteirista talhado para conceber um filme como esse. Filho de um famoso humorista e cronistas esportivo, conviveu desde pequeno com a nata da literatura americana do século XX. Politicamente engajado – era membro do partido comunista – ganhou notoriedade entre a nova esquerda americana. Curiosamente, muitas das passagens do seu roteiro, nos dias de hoje, soam bastante conservadoras. Na sua adaptação, o caráter episódico é mantido, mas os personagens principais são os mesmos do começo ao fim, criando a noção de que estamos seguindo uma história.
        O estilo improvisado de Robert Altman na direção até que contribuiu para conservar o filme palatável para as plateias de hoje – ao menos para aquelas abertas às experiências do cinema e menos vulneráveis às palavras de ordem dos ideólogos engajados. O diretor fez mudanças no roteiro: cortou alguns esquetes, expandiu outros, acrescentou linhas de diálogos e revisou o final. Teve a concordância do roteirista Ring Lardner, que considerou as intervenções benéficas para o filme. Em M*A*S*H ouvimos os atores falando todos ao mesmo tempo, vemos a câmera passeando despreocupada com os enquadramentos, topamos com uma quantidade enorme de cenas externas e seguimos uma narrativa costurada com esquetes rápidos. O estilo de Robert Altman trouxe um jeitão de filme independente, mas a verdade é que foi, desde o início, uma aposta de Hollywood.
        A tentação de trazer M*A*S*H para aqueles tempos de Guerra do Vietnã foi grande, mas os realizadores logo perceberam que humor e irreverência seriam ingredientes potencialmente polêmicos, diante da dor e do sofrimento que tomava conta das famílias americanas. Mesmo assim, a carapuça colou, ressaltando os elementos de sátira do filme. Seus personagens saíram do cinema e foram direto para a televisão, onde figuraram na série, que ficou no ar de 1970 a 1983. Dos atores que estrelaram o filme, apenas Gary Burghoff, que interpretava o impagável Radar, atuou na série. Por esse motivo os nomes mais ligados à sigla M*A*S*H são os dos atores Alan Alda, Wayne Rogers e McLean Stevenson. Outro ícone do filme, que vale a pena lembrar aqui, é a canção-tema Suicide Is Painless, de Jonny Mandel e Mike Altman.
        O filme M*A*S*H é uma produção americana sobre americanos, mas teve imenso impacto na cultura mundial. Lidou com temas universais, apresentou personagens bem construídos e detonou um vasto arsenal de piadas, capaz de aniquilar qualquer mau humor.

Resenha crítica do filme M*A*S*H

Ano de produção: 1970
Direção: Robert Altman
Roteiro: Ring Lardner Jr.
Elenco: Donald Sutherland, Elliott Gould, Tom Skerritt, Sally Kellerman, Robert Duvall, Roger Bowen, Rene Auberjonois, David Arkin, Jo Ann Pflug, Gary Burghoff, Fred Williamson, Michael Murphy, Indus Arthur, Kim Atwood, Carl Gottlieb e G. Wood

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