Fahrenheit 451: autoritarismo buscando o controle da informação

Cena do filme Fahrenheit 451
Fharenheit 451: filme dirigido por François Truffaut

UMA OBRA DISTÓPICA NA FILMOGRAFIA DE TRUFFAUT

Vejam só, houve época em que Fahrenheit 451, filme de 1966 dirigido por François Truffaut, era exibido na televisão. Não falo da TV por Assinatura, hoje reforçada pelos serviços de streaming. Refiro-me à velha TV aberta dos anos 70, que reservava os horários noturnos para produções menos populares. O enredo me perturbou: num mundo futurista, onde a realidade era invertida, bombeiros incendiários queimavam livros ao invés de combater o fogo, enquanto as pessoas perdiam tempo hipnotizadas diante da TV – o mesmo aparelho por meio do qual eu estava assistindo a Fahrenheit 451. Lembro de ter pensado:
        
 Isso é bobagem! O livro jamais vai desaparecer. Como poderia ser substituído pela televisão, um meio tão... desprovido de profundidade!
        Mas a tela de TV à qual Ray Bradbury se referia em seu romance publicado em 1953 guardava poucas semelhanças com as telas de computadores, tablets e celulares que usamos atualmente. Ele se referia àquela televisão controlada pelo estado, que doutrina e imbeciliza. Àquela voltada para as massas, que tinha apenas a intenção de homogeneizar pensamentos. A adaptação realizada por Truffaut transformou essa ideia ameaçadora numa realidade plausível. Em Fahrenheit 451 seus bombeiros queimavam livros ao som de Bernard Herrmann, o mestre das trilhas sonoras.
        O filme nos conta a história de Montag, um bombeiro responsável e dedicado ao seu trabalho de atender denúncias e dar fim nos livros que encontra. Ele sabe que esses objetos perigosos, dentro de suas lindas capas coloridas, escondem ideias perigosas que trazem infelicidade e prejudicam a produtividade dos trabalhadores. Mas tudo muda para ele quando conhece Clarisse, uma estranha que o incentiva a examinar o conteúdo dos livros que vai queimar. Diante da mudança de comportamento, a mulher de Montag, que vive grudada na TV e anestesiada por pílulas, o denuncia e ele precisa fugir, escapando para o mundo clandestino dos leitores.
        Em Fahrenheit 451, a redenção vem por meio dos personagens que se dedicam a ler e decorar os livros. Tornam-se pessoas-livro, prontas para reeditá-los tão logo seja possível. Trata-se de ficção científica de alta qualidade, mas não espere um filme de ação mirabolante – aliás, tentaram essa tolice num remake de 2018, mas esqueceram de vasculhar o que se passa no universo interno dos personagens, que mais pareciam livros repletos de páginas em branco!
        Ainda prefiro essa elegante adaptação de François Truffaut, um dos principais nomes da Nouvelle Vague, que aqui nos apresentou seu primeiro e único filme falado em inglês. É verdade que ele não está interessado em ficção científica e no seu filme há pouco espaço para a tecnologia futurista. Ele também fez alterações em relação ao romance original, especialmente no personagem de Clarisse, de modo a ter um final mais esperançoso. Aliás, a atriz Julie Christie interpreta tanto Clarisse como a mulher de Montag, seu exato oposto, criando uma curiosa dicotomia entre a alienação e o engajamento.
        A ficção científica é assim mesmo: cria outra realidade, minuciosa e intrincada, mas como nos mostra Truffaut, ela não é território exclusivo dos filmes de ação. Há espaço nela para os dramas intimistas.

Resenha crítica do filme Fahrenheit 451

Data de produção: 1966
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut, Jean-Louis Richard, David Rudkin e Helen Scott
Elenco: Oskar Werner, Julie Christie e Cyril Cusack

Comentários

  1. Um dos filmes mais impactantes da minha vida de adolescente,quase adulta!

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    1. Lembro de ter assistido a esse filme na TV. Foi perturbador. Era adolescente e na época havia esse conceito de que a mídia eletrônica emburrecedora estava tirando espaço da literatura. Que no futuro não teríamos livros. Que a linguagem escrita cairia em desuso!

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