O Mestre dos Gênios: personagens reais da literatura americana

Cena do filme O Mestre dos Gênios
O Mestre dos Gênios: Michael Grandage

MITOS DA LITERATURA SÃO GENTE DE CARNE E OSSO

        Há 40 mil anos, nossos ancestrais pichavam as paredes das cavernas para manifestar suas inquietações, registrar experiências e evocar significados; continuaram assim até 3.500 anos atrás, quando os sumérios inventaram a escrita cuneiforme. Deixaram de ser dependentes da expressão oral e deram um salto qualitativo nos registros contábeis, o que alavancou o progresso político e econômico. Tabletes de argila, cascas de árvore, tiras de couro, pedras... Escrever em qualquer suporte virou uma obsessão (entre os poderosos e sua burocracia, bem entendido). Para que algum introspectivo metido em divagações tenha inventado a literatura, foi um estalar de dedos.
        Você pode lembrar – e estará coberto de razão – que as narrativas orais já continham todos os elementos da literatura; as letras apenas permitiram o seu registro para a posteridade. Mas o escritor propriamente dito, aquele que se dedica à tarefa solitária, demorada e monótona de reunir palavras, para colocá-las na ordem certa, só passou a existir depois que se chegou a um... acordo ortográfico! Sim, é engraçado pensar que a escrita possa ter nascido antes do escritor – provavelmente foi inventada por matemáticos, mais preocupados em construir planilhas do que contar histórias. Porém, foram os escritores que pegaram os restos dessa invenção e cozinharam sopas de letrinhas bem mais saborosas; alimentaram as hordas de leitores.
        Então, surgiram os editores! No começo estavam mais para copistas, até que Johannes Gutenberg veio para facilitar as coisas: criou o mercado editorial. A literatura virou um empreendimento e o livro, um produto industrializado; viver da escrita passou a ser uma possibilidade para os talentosos. Consagraram-se os gênios da literatura e nasceram os best-sellers! Entre os escritores, porém, a grande pergunta passou a ser: como obter reconhecimento dos leitores? Entre os editores, a dúvida era outra: como encontrar autores que sejam lucrativos?
        O Mestre dos Gênios, filme de 2016 dirigido por Michael Grandage, não perde tempo com esse preâmbulo enfadonho (uma digressão ousada, reconheço!); vai direto para o começo do século XX, onde flagra um dos grandes nomes do mercado editorial: Maxwell Perkins, o homem que publicou Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald e Thomas Wolfe, numa época em que ninguém queria saber deles. À frente da editora Charles Scribner's Sons, Perkins estava mais inclinado para a inovação; na contramão dos seus concorrentes, que preferiam investir em nomes consagrados, ele caçava novos autores.
        Observe, caro cinéfilo, que este não é daquele tipo de filme pedante, que fica só no verniz intelectual e esnoba o espectador com hermetismos literários; é um drama sensível e envolvente, mais interessado em nos apresentar um protagonista denso de conteúdo, que apesar de ter conquistado um lugar de destaque no mundo editorial, levou uma vida comum. O Max Perkins interpretado por Colin Firth é compenetrado, contido e apegado a valores conservadores; dono de uma imensa sensibilidade literária, ele se atreve a ler os manuscritos do inédito e rejeitado Thomas Wolfe, vivido por Jude Law. É quando vislumbra seu potencial mercadológico e decide abraçar a arriscada empreitada de publicá-lo. Ao longo do filme, vemos como a admiração literária de Perkins pela obra de Wolfe ganha os contornos de uma sólida amizade. Entretanto, o visionário editor terá que lidar com os ímpetos e arroubos emocionais do escritor.
        Assistindo a O Mestre dos Gênios, somos confrontados com o fato de que Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald e Thomas Wolfe são expoentes da literatura americana, mas não precisamos ser especialistas neles para acompanhar a trama. Aliás, não precisamos sequer ter lido esses autores, ainda que fiquemos interessados em fazer isso depois de acompanhar esse belo drama – O Velho e o Mar, O Grande Gatsby e Of Time and the River são os títulos mais conhecidos de cada um deles, respectivamente.
        O diretor Michael Grandage, ator com sólida experiência no teatro inglês, faz uma régia bastante protocolar, mas ancora O Mestre dos Gênios no desempenho do seu ótimo elenco, que conta ainda com a participação de Nicole Kidman. Grandage também procurou tirar proveito do roteiro escrito pelo veterano John Logan – ele escreveu 007 - Operação Skyfall e Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet. O roteirista se baseou na biografia de Max Perkins intitulada Editor of Genius, escrita por A. Scott Berg; criou diálogos profundos e repletos de significados emocionais.
        O Mestre dos Gênios é um filme interessado em apresentar personagens reais, que mantém relacionamentos intensos e estabelecem trocas proveitosas, não só no campo literário, mas principalmente no âmbito emocional. É claro que as tempestades cerebrais de Thomas Wolfe ditam os caminhos dramáticos do filme; não poderia ser diferente, já que escritores – e como vemos aqui, também dos editores – não levam uma vida muito... agitada. Na maior parte do tempo estão curvados diante de uma escrivaninha, martelando em máquinas de escrever e revisando originais. Ação de verdade, só no mundo interno dos personagens.
        Por outro lado, para os que acham que um filme sobre escritores e editores consagrados da literatura americana tem que oferecer a máxima profundidade intelectual, sugiro que a encontrem nos saraus literários.

Resenha crítica do filme O Mestre dos Gênios

Título original: Genius
Título em Portugal: Um Editor de Gênios
Ano de produção: 2016
Direção: Michael Grandage
Roteiro: John Logan
Elenco: 
Colin Firth, Jude Law, Nicole Kidman, Dominic West, Guy Pearce, Laura Linney e Vanessa Kirby

Comentários

Postar um comentário

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema