Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet

Cena do filme Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet
Sweeney Todd: filme dirigido por Tim Burton

UM MUSICAL COM JEITO DE ÓPERA E VISUAL DE FILME DE TERROR

Meu pai costumava nos levar, meu irmão mais novo e eu, para cortar o cabelo na barbearia de um amigo. Éramos novinhos de tudo e encarávamos a missão com impaciência. Os minutos sentados na cadeira do barbeiro, enquanto a máquina com ímpeto militar ia raspando bem rente, eram intermináveis e enfadonhos. Mas então, vinha a recompensa: enquanto saboreávamos as balas e pirulitos, podíamos assistir ao barbeiro fazendo a barba do meu pai. Ficávamos estáticos, quase sem respirar, enquanto o sujeito raspava a navalha por todo o seu rosto. Meu pai era um homem de coragem! E se o barbeiro cometesse uma... barbeiragem? E se ele fosse um mal-intencionado? Meu pai devia confiar muito naquele seu amigo!
        Desde que me surgiram as barbas na cara, foram pouquíssimas as vezes em que precisei dos serviços de um barbeiro – imagino que todo homem, lá no fundo, bendiga a invenção do americano King Gillete! Sempre que fiquei com a navalha no pescoço, foi uma experiência... congelante. A sensação de vulnerabilidade é tátil – percorre toda a espinha enquanto a lâmina segue escanhoando. É auditiva – como pode o rosto produzir som tão rascante quanto o de uma lixa? É visual – o ventilador de teto revela ter uma função hipnótica!
        Submeter-se a um barbeiro e sua navalha é um padrão arquetípico. Nenhum homem é capaz de esconder os desconfortos que lhe atiçam a imaginação – para os garotos, inclusive, tem status de rito de passagem. Talvez por isso a história escabrosa do barbeiro Sweeney Todd continue retumbando insistente no imaginário popular. O personagem surgiu na metade do Século XIX, num conto vitoriano publicado em 18 capítulos em uma penny dreadfull – publicação barata muito popular, que marcou os primórdios da cultura de massa na Grã-Bretanha – intitulada The String of Pearls: A Romance. Escrita por James Malcolm Rymer e Thomas Peckett Prest, a história fez sucesso entre os garotos e acabou recontada em outras edições, com outros formatos.
    Em 1970, o dramaturgo inglês Christopher Bond adaptou o conto para o teatro, criando uma peça musical inspirada nos tradicionais espetáculos de horror encenados na Inglaterra e na França no final do Século XIX. Tomando tal adaptação como base, Stephen Sondheim, um dos nomes mais consagrados e premiados do teatro musical americano, criou o espetáculo Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street. Sondheim escreveu as músicas e Hugh Wheeler escreveu o libreto. Sim, é adequado falarmos em libreto, porque a criação tem todas as características de uma ópera. Sua escrita vocal e orquestral é diferente daquela usada em musicais da Broadway e sua índole narrativa está mais para um espetáculo operístico.
        Pois bem, depois de toda essa contextualização, podemos falar de Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, filme dirigido em 2007 por Tim Burton, como adaptação da peça musical de Stephen Sondheim. A sinopse é bastante simples: em 1846 o barbeiro Benjamin Barker (Johnny Depp) é condenado injustamente à prisão, depois que o invejoso Juiz Turpin (Alan Rickman) armou contra ele, apenas para roubar-lhe a linda mulher, Lucy (Laura Michelle Kelly). Quinze anos depois, o barbeiro está de volta a Londres, agora com a nova identidade de Sweeney Todd. Com o único propósito de se vingar, alia-se à Sra. Lovett (Helena Bonham Carter), que vende horríveis tortas de carne. Juntos formam uma parceria escabrosa: ele usa sua navalha para degolar espalhafatosamente os clientes da barbearia, fornecendo assim a matéria prima para que ela fabrique suas tortas macabras. Enquanto isso, o barbeiro demoníaco tenta atrair para sua barbearia o malvado juiz, sem saber que ele mantém sua filha Johanna (Jayne Wisener) prisioneira dos seus caprichos – na verdade, Sweeney Todd está tão sedento de vingança que nem se importa com a própria filha.
        Sim, essa história fúnebre e trágica provoca muita tristeza, bem ao gosto da tradição literária que gestou personagens como Jack O Estripador. E ao vê-la contada por meio de canções, o que temos é uma amplificação desse sentimento. A adaptação do musical para as telas foi roteirizada por John Logan, um roteirista experiente, que já escreveu filmes como Gladiador, O Aviador, 007 – Operação Skyfall, A Invenção de Hugo Cabret e O Último Samurai, entre outros.
        Inspirado nos antigos filmes de terror, Tim Burton fez de Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet um espetáculo visual à altura do seu talento como contador de histórias – venceu o Óscar de melhor direção de arte. Usa imagens coloridas para emular um preto e branco sombrio, mas carregou os flashbacks de cores, para mostrar como o protagonista já havia sido feliz! O barbeiro demoníaco que ele criou, em parceria com Johnny Depp, é mais... punk rock! É impossível deixar de notar a semelhança visual com o protagonista de Edward Mãos de Tesoura, embora o babeiro de agora tenha uma índole oposta. A sanguinolência farta é justificada para além razões estéticas e torna o filme difícil de ser enquadrado. Não é propriamente um filme de terror, nem exatamente um musical.
        Aliás, do gênero musical, Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet herdou basicamente a dificuldade técnica. Todos os papéis exigem muito do elenco, principalmente em termos de habilidades vocais, qualificação que o próprio Johnny Depp não tinha. Jamais havia cantado antes e precisou empreender um esforço considerável de aprendizado, mas deu conta do recado. É um grande ator, afinal! Quanto a Tim Burton, esbaldou-se na partitura composta pelo grande Stephen Sondheim e tirou o melhor proveito da ótima trilha sonora que tinha à disposição. Realizou outro grande filme.

Resenha crítica do filme Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet

Ano de produção: 2007
Direção: Tim Burton
Roteiro: John Logan e Christopher Bond
Elenco principal: Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Alan Rickman, Sacha Baron Cohen, Timothy Spall, Laura Michelle Kelly, Jayne Wisener, Jamie Campbell Bower e Ed Sanders

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