A Escavação: fala de arqueologia e de personagens reais

Cena do filme A Escavação
A Escavação: filme dirigido por Simon Stone

PERSONAGENS ESCAVADOS EM PROFUNDIDADE

Escrevo regularmente para alimentar a Crônica de Cinema, mas não tenho interesse em posar de crítico; gosto de revirar as emoções evocadas pelos filmes e de me aventurar nas digressões que depois compartilho com outros cinéfilos. Alguns têm espírito crítico mais aguçado e são mais minuciosos, a ponto de acrescentar informações relevantes nos comentários. Fico muito grato. E agradeço também as boas indicações que depositam na minha caixa de mensagens, apontando para títulos que me passaram despercebidos. Desta vez a dica que recebi foi para conferir o filme A Escavação, dirigido em 2021 por Simon Stone. Esta produção da Netflix se destaca como uma das melhores surpresas daquele ano.
        A Escavação se passa 
em 1939, às portas da Segunda Guerra Mundial. Conta a história real de como a viúva Edith Pretty (Carey Mulligan), apaixonada por arqueologia, contrata o escavador Basil Brown (Ralph Fiennes) para vasculhar alguns montes de terra no terreno da sua mansão em Suffolk, na Inglaterra; ela suspeita que poderá encontrar antiguidades com algum valor histórico. O escavador não tem estofo acadêmico, mas sua vasta experiência o leva a uma importante descoberta, que deixa o mundo da arqueologia em polvorosa.
        Não, A Escavação não é um filme comprometido em revelar a verdadeira história de Basil Brown – e de como foi injustiçado por não ter recebido méritos pelo que descobriu; aliás, nem é preciso saber que se tratam de fatos verídicos, para se envolver emocionalmente. O que temos aqui é uma história magnética, que nos convida a deixar a superfície para escavar em profundidade, até alcançar as almas dos seus personagens.
        O escavador Basil Brown é um sujeito introvertido e solitário. Vive para a profissão. A viúva Edith Pretty tem dinheiro e determinação; tem também uma saúde frágil e um filho ainda garoto. Por todo o primeiro ato, são esses dois personagens, caracterizados com enorme competência, que dominam a tela. Somos levados a suspeitar, pelos gestos sutis e pelos olhares furtivos, que um romance bem ao estilo britânico acabará acontecendo; porém, na medida em que outros personagens vão entrando em cena, para trazer seus próprios dramas paralelos, o roteiro ganha amplitude e se concentra nos desdobramentos da importante descoberta arqueológica.
        O filme é sobre personagens interessantes, às voltas com uma realização de grande significado para as futuras gerações, mas que precisam viver seus relacionamentos. Fala de amor, de morte, de perdas... Fala do tempo, da urgência em viver a vida e do medo do desconhecido. A guerra que se anuncia, vem para esmagar as esperanças e plantar a certeza de que o pior está para acontecer. Praticando arqueologia, os personagens podem deduzir como era a vida no passado, mas não têm a menor ideia de como será no futuro.
        O diretor australiano Simon Stone soube criar uma atmosfera poética e envolvente; ancorou sua narrativa na força das imagens fotografadas por Mike Eley. Sua direção delicada se atém às sutilizas das caracterizações e aos pequenos detalhes de cada personagem. E o seu senso de ritmo trouxe muita personalidade ao filme; nisso ele contou com a excelente trilha sonora assinada por Stefan Gregory – estreando na composição para o cinema.
        Para filmar o roteiro escrito por Moira Buffini, baseado no romance The Dig, de John Preston, o diretor experimentou alguns recursos narrativos não muito usuais. Pequenos saltos temporais subtraem algumas passagens de certas cenas, deixando-as mais concisas e sintéticas. Alguns diálogos acontecem em off, enquanto a câmera registra os momentos de silêncio e introspecção dos personagens. Algumas passagens acontecem em flashback, embaralhando a noção de tempo. Tempo! Eis aqui a palavra-chave para se ter em mente enquanto assistimos ao filme A Escavação.
        Um a um, os personagens vão se confrontar com o tempo, ora para tentar enfrentá-lo, ora para se render a ele. Mil anos e alguns poucos segundos são feitos da mesma matéria-prima e precisam ser escavados com o mesmo empenho, na tentativa de encontrar vestígios que possam revelar quem nós realmente somos.

Resenha crítica do filme A Escavação

Ano de produção: 2021
Direção: Simon Stone
Roteiro: Moira Buffini
Elenco: Ralph Fiennes, Carey Mulligan, Lily James, Johnny Flynn e Ben Chaplin

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