Profissão: Repórter: filme estrelado por Jack Nicholson

Cena do filme Profissão: Repórter
Profissão: Repórter: filme de Michelangelo Antonioni

O RELATO DE UMA JORNADA REDIGIDO COM IMAGENS

Estava para completar 18 anos e ainda não sabia o que fazer da vida. Uma das possibilidades era virar jornalista, profissão glamourosa, emocionante e de gente inteligente – ao menos era o que via por meio da... imprensa! Quando olhei a programação dos filmes nos jornais, fui logo batendo o martelo. Estava em cartaz um filme imperdível. Além de trazer um título pertinente, era assinado por um diretor famoso e respeitado: Profissão: Repórter, de Michelangelo Antonioni!
        A caminho do cinema cruzei com Sérgio, um amigo que trabalhava como estagiário em um banco e já sabia o que fazer da vida. Interessou-se pelo filme e decidiu me fazer companhia. Até chegar na sala de exibição contei a ele tudo o que sabia sobre o diretor. Era ousado, moderno e fazia filmes permeados de filosofia. Um intelectual engajado em política, mas criador de filmes inovadores e visualmente impecáveis. Ainda não havia assistido a nenhum deles. Tudo o que sabia sobre o cineasta e suas realizações era resultado de leituras e pesquisas – o mundo sem internet era parecido com o de hoje, só que as distâncias entre os pontos de conhecimento eram imensas e a tarefa de conectá-los, mais demorada.
        Bastaram poucos minutos de projeção para que Sérgio se desconectasse do mundo. Seus roncos incomodaram no começo, mas depois deixamos de prestar atenção neles – eu e a meia dúzia de gatos pingados no cinema. Profissão: Repórter, que funcionou como um sonífero para o meu amigo, teve em mim um efeito contrário. Despertou-me para um tipo de cinema que ainda desconhecia, que não servia para divertir ou entreter, mas para fazer refletir. Que não despejava uma história fechada, mas deixava margem para interpretações.
        É bem verdade que a sinopse de Profissão: Repórter renderia um ótimo thriller! O filme conta a história de David Locke (Jack Nicholson), o tal repórter do título, contratado por um canal de televisão para realizar um documentário sobre as guerrilhas que pipocavam pela África. Homem atormentado e desgostoso com os rumos que sua vida tomou, tem um dia difícil no deserto do Saara e retorna para o hotel, onde procura por Robertson (Chuck Mulvehill), outro hóspede com quem fez amizade. Não é que encontra o sujeito morto, fulminado por um infarto? Locke enxerga uma oportunidade: trocar de identidade com o finado. Muda as fotos dos passaportes e dá David Locke como morto. Agora ele é Robertson e passa a seguir os compromissos que encontrou anotados numa agenda. Ocorre que o verdadeiro Robertson era um traficante de armas e tem gente da guerrilha querendo ajustar contas com ele. Agora Locke é um homem em fuga, ajudado por uma turista prestativa (Maria Schneider) e com sua viúva no encalço.
        Nas lentes de Antonioni, o roteiro escrito em colaboração com Mark Peploe, Niccollò Tucci, Tonino Guerra e Peter Wollen não mostra o sentido de urgência que costuma movimentar, por exemplo, os filmes de ação. Profissão: Repórter é lacônico, com pouquíssimas linhas de diálogo. Para acompanhar a trajetória de seu personagem pela Europa, primeiro se deleitando com a nova vida e depois mergulhando profundo nos seus conflitos internos, o diretor recorre a uma sucessão de imagens repletas de significados, longos planos-sequência e cenas típicas dos road movies.
        Do que realmente o protagonista está fugindo? Do que deseja se livrar? Com quem, além dele próprio, ele se importa? Onde pretende chegar? Como respostas não recebemos mais do que gestos sutis, olhares enigmáticos e expressões econômicas de Jack Nicholson, numa atuação comedida, mas precisa. Num filme como esse, a fotografia se torna elemento-chave e Luciano Tovoli dá conta do recado, entregando imagens magníficas. Porém, é a famosa cena que encerra o filme, com seus sete minutos de duração de câmera estática enquadrando a rua através de uma janela, que ficou gravada na memória do público – um público bastante restrito, diga-se de passagem, já que o sucesso de Profissão: Repórter nas bilheterias não aconteceu de fato.
        Esperei os sete minutos acompanhando os acontecimentos banais que a cena mostrava, refletindo sobre os significados por ela evocados, para só então cutucar Sérgio, que continuava inconsciente do meu lado. Depois de uma longa espreguiçada, meu amigo percebeu que os créditos finais já estavam rolando na tela. E não adiantaram as minhas longas explicações sobre a abordagem intimista do filme, as angústias do personagem e a sufocante prisão existencial na qual ele estava confinado. Sérgio amaldiçoou o dia em que entrou na sala de cinema e perdeu um dinheiro que poderia ser melhor gasto com o ingresso de outro filme qualquer.
        É inútil ignorar a verdade: Profissão: Repórter é um filme para poucos. Aqueles que resolverem visitar o filme, ainda que não sejam cinéfilos aculturados, poderão se surpreender se estiverem abertos a novas experiências estéticas. Aqueles que apreciam o gênero encontrarão um filme surpreendentemente atual. Estou curioso para mensurar a repercussão desse título na lista de filmes da Crônica de Cinema, mas sei que ele tem potencial para estimular vários comentários.

Resenha crítica do filme Profissão: Repórter

Ano de produção: 1975
Direção: Michelangelo Antonioni
Roteiro: Michelangelo Antonioni, Mark Peploe, Niccollò Tucci, Tonino Guerra e Peter Wollen
Elenco: Jack Nicholson, Maria Schneider, Steven Berkoff, Ian Hendry, Jenny Runacre, Ian Hendry, Ambroise Bia e Chuck Mulvehill

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