A Sombra de Stalin: a história real de um herói esquecido

Cena do filme A Sombra de Stalin
A Sombra de Stalin: dirigido por Agnieska Holland

UM HERÓI DE VERDADE QUE MERECE SER LEMBRADO

Estava passeando pelo serviço de streaming e decidi apertar o play num filme destacado como sugestão. É um risco, sei muito bem. Mas minha política é dar alguns minutos para que o filme ao menos possa mostrar a que veio. Muitos, de tão precários, acabam ganhando apenas isso: alguns poucos minutos. Mas A Sombra de Stalin, filme de 2019 dirigido pela polonesa Agnieszka Holland ganhou minha atenção e meu respeito. É uma produção acima da média, que apresenta um personagem admirável, envolvido numa história escabrosa, mas muito bem contada. Baseado em fatos, mistura thriller com melodrama e traz à tona elementos históricos que, apesar de terem acontecido há quase um século, ainda irradiam atualidade e urgência.
        A cena de abertura nos apresenta a um escritor misterioso, martelando sua máquina de escrever num ambiente rural, cercado de animais. Sua narrativa remete ao protagonista, Gareth Jones (James Norton), um rapaz de 27 anos que trabalha como assessor de Lloyd George (Kenneth Cranham), o ainda influente ex-primeiro ministro britânico. Estamos em 1933, quando a Europa fervilha com o despontar dos regimes fascistas. A visão política do brilhante Mr. Jones vai além do que enxergam seus pares. Como jornalista, ele já entrevistou Hitler e pressente que a guerra será inevitável. Sabe também que há algo de muito errado na União Soviética: apesar do alardeado sucesso dos tais planos quinquenais, os números da economia real não fecham. Onde está o dinheiro que os comunistas alegam possuir? Para obter a resposta, Jones está convencido de que só há uma coisa a fazer: entrevistar o próprio Stalin.
        O que acompanhamos a seguir é a jornada do determinado Gareth Jones, que consegue vencer todos os obstáculos e desembarcar em Moscou. Lá ele vai descobrir a podridão do aparato jornalístico, liderado pelo arrogante Walter Duranty (Peter Sarsgaard), o chefe da sucursal do New York Times empenhado em disseminar fake news em favor do regime. Vai se envolver com a jornalista Ada Brooks (Vanessa Kirby) e depois embarcar numa viagem clandestina para os confins da Ucrânia, onde testemunhará os horrores do Holodomor – o drama vivido pelos ucranianos, quando milhões de pessoas morreram de fome em consequência dos planos de Joseph Stalin para sufocar o movimento pela independência daquele país.
        Gareth Jones voltará para a Inglaterra e tentará contar ao mudo o que descobriu, mas esse será um trabalho ainda mais hercúleo. A imprensa e as editoras não lhe darão voz. É quando vemos ressurgir o tal escritor misterioso da cena de abertura e descobrimos que se trata de ninguém menos que... George Orwell (Joseph Mawle). Sim, o autor de A Revolução dos Bichos e do aclamado 1984, agora se torna personagem no filme A Sombra de Stalin.
        A cineasta Agnieszka Holland tem um histórico de filmes politicamente engajados e aqui se dedica com afinco a investigar os trágicos acontecimentos na Ucrânia durante a era Stalin. Ela encontrou no jornalista galês Gareth Jones um personagem fascinante, um genuíno herói envolvido numa história da vida real. Ele foi corajoso e colocou a própria vida em risco para defender a verdade.
        O roteiro de A Sombra de Stalin foi escrito pela estreante Andrea Chalupa, americana de origem ucraniana. Seu avô foi sobrevivente do Holodomor e contou a ela todas as histórias que testemunhou. Decidida a contá-las em filme, ela começou suas pesquisas em 2004 e se deparou com a história real do jornalista Walter Duranty, vencedor do prêmio Pulitzer que era de fato chefe do escritório do New York Times em Moscou. Agarrado às benesses do poder, ele encobriu todos os fatos envolvendo o genocídio na Ucrânia. Mais tarde Andrea Chalupa descobriu a história de Gareth Jones e conseguiu dos seus familiares o acesso aos seus arquivos, cartas e anotações. Para completar a costura do roteiro, ela incluiu a história de George Orwell e suas dificuldades para publicar A Revolução dos Bichos – exemplares do seu livro foram traduzidos para o ucraniano e distribuídos nos campos de refugiados, mostrando a força das suas mensagens.
        A cineasta Agnieszka Holland filmou o roteiro com notável competência. No ritmo, na reconstituição da época, nos planos bem estudados... o que vemos é um cinema maduro, empenhado em contar sua história num tom contido e minimalista, mas sempre emocionante e muito refinado. O ator James Norton também merece destaque. Fez um Gareth Jones simpático e verossímil. Um herói esquecido, que jamais recebeu louros, mas cuja história merece ser lembrada.
        Se durante seus passeios pelos serviços de streaming você se deparar com A Sombra de Stalin, sugiro que dê uma chance a esse filme. Aposto que ele vai agarrá-lo por vários e vários minutos.

Resenha crítica do filme A Sombra de Stalin

Título original: Mr. Jones
Ano de produção: 2019
Direção: Agnieszka Holland
Roteiro: Andrea Chalupa
Elenco: James Norton, Vanessa Kirby, Peter Sarsgaard, Kenneth Cranham, Joseph Mawle, Celyn Jones, Krzysztof Pieczyński, Beata Poźniak, Fenella Woolgar, Maritn Bishop, Edward Wolstenholme, Marcin Czarnik e Matthew Marsh

Comentários

Postar um comentário

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema