Ligações Perigosas: a versão de 1988 continua exuberante

Cena do filme Ligações Perigosas
Ligações Perigosas: dirigido por Stephen Frears

NUNCA É APENAS SOBRE GANHAR OU PERDER

A obra-prima da literatura erótica do Século XVIII nos chegou pela pena de Pierre Choderlos de Laclos, que escreveu o romance epistolar intitulado Les Liaisons Dangereuses. O formato literário, onde a narrativa se dá por meio da transcrição de cartas trocadas entre os personagens, era bastante popular na época, mas aqui se mostrou especialmente oportuno! O leitor tem a sensação de penetrar na intimidade dos nobres ociosos e endinheirados, de compartilhar seus segredos e confissões, de fazer parte de suas conspirações. Quando foi lançado em 1782, o romance era tão escandaloso quanto impertinente, por fazer provocações em torno de questões morais e também por instigar a curiosidade dos enxeridos e interessados em bisbilhotar a vida privada dos nobres, acompanhando de uma distância segura seus infames jogos de sedução.
        O romance rendeu várias adaptações para as telas, mas a que motivou esta crônica foi a mais conhecida, dirigida em 1988 por Stephen Frears. Ludy e eu assistimos a Ligações Perigosas recentemente e concordamos: o filme continua eficiente em provocar e capturar a atenção do início ao fim. Minha mulher embarcou na história e se deixou entreter. Quanto a mim, bem... Por força do hábito, segui prestando atenção no cinema usado para contar essa história.
        Antes de escrever sobre minhas conclusões, quero lembrar da atualidade do enredo. Ao ver os protagonistas escrevendo suas cartas no dorso nu dos seus amantes, percebi que nada mudou nesses últimos séculos! Apenas a pena foi substituída por dedos ágeis, que acariciam as telas dos celulares. Pelas redes sociais, as tais ligações perigosas provavelmente acontecem hoje, da mesma maneira. Em velocidade estonteante e com níveis de voyeurismo muito mais elevados, dado o recurso de compartilhar imagens; sem a mesma força literária e o esmero em cultivar o idioma, é verdade, mas com a mesma natureza conspiratória que perturbou os leitores do Século XVIII.
        Ligações Perigosas é uma produção vistosa e tecnicamente impecável. Tem cenários deslumbrantes, figurinos exuberantes e atores tão carismáticos, que conseguiram eternizar a estampa dos personagens no imaginário do público. Seu texto ágil e refinado, escrito pelo roteirista Christopher Hampton – com base numa peça homônima de sua autoria – é envolvente e preciso. Trata-se de uma adaptação difícil, se considerarmos a natureza epistolar do romance original, mas realizada com competência e talento. Porém, é o imperativo da imagem que dá personalidade ao filme. Méritos do diretor britânico Stephen Frears, que começou a carreira em 1971 e frequentou a festa do Óscar em outras oportunidades, com os filmes A Rainha, Philomena e Os Imorais.
        Antes de seguir, vejamos uma sinopse de Ligações Perigosas: o Visconde de Valmont (John Malkovich) e a Marquesa de Merteuil (Glenn Close), ricos, entediados e socialmente traquejados, estabelecem uma competição erótica, tramada como um jogo de sedução indecente e indecoroso. Ela pede que ele seduza Cecile (Uma Thurman), filha de sua prima, Madame de Volanges (Swoosie Kurtz), motivada pelo desejo de se vingar de um antigo amante, para quem a jovem está prometida. Ele considera o desafio fácil demais e eleva o jogo direto para o próximo nível: conquistar a bela e recatada Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer), cujo marido está em viagem de negócios. Porém, a péssima reputação do Visconde o obriga a ir por partes. Ele seduz facilmente a jovem Cecile e a usa para conseguir seu intento com Madame de Tourvel. A ardilosa Marquesa acompanha todos os lances por cartas e traz para a trama o jovem professor de música Raphael Danceny (Keanu Reeves), pretendente de Cecile. Triângulos, quadriláteros e outras formas geométricas amorosas vão se desenhando, enquanto a competição perigosa vai provocando nos envolvidos uma teia complexa de reações emocionais. Desde o começo percebemos que esse jogo não terminará bem.
        A história que acompanhamos em Ligações Perigosas é uma sátira, feita para escancarar as hipocrisias de uma sociedade que trata a sexualidade e o casamento conforme as conveniências do momento. A atuação de Glenn Close, para quem, desde então, muitos cinéfilos reclamam um merecido Óscar, é tão marcante quanto à de John Malkovich. E completando o elenco estrelado, ainda temos uma Michelle Pfeiffer belíssima, uma Uma Thurman exalando frescor angelical e um imberbe Keanu Reeves em início de carreira. No Óscar, o filme levou três estatuetas: melhor roteiro adaptado, melhor direção de arte e melhor figurino. No imaginário do público, configurou-se como um filme ágil, envolvente e glamoroso. Mas quero aproveitar aqui para lembrar que há outras versões que merecem ser conferidas!
        A primeira foi realizada em 1959 por Roger Vadim, que convocou Jeanne Moreau e Gérard Philipe para estrelar sua versão intitulada As Ligações Amorosas, onde a trama se passa em... 1959! A versão de Miloš Forman, intitulada Valmont, Uma História de Seduções, saiu em 1989 e foi estrelada por Annette Bening e Colin Firth. Em 1999 foi a vez de Roger Kumble dirigir a versão intitulada Segundas Intenções, estrelada por Sarah Michelle Gellar e Ryan Phillippe. E há que se lembrar também da minissérie da Rede Globo intitulada Ligações Perigosas, que foi ao ar em 2016, estrelada por Patrícia Pillar e Selton Mello.
        Assisti à versão de Miloš Forman no começo dos anos 1990 e lembro de tê-la encontrado numa ótima locadora que havia aqui, na esquina de casa. O desapego comercial do diretor o fez perder o timing. Seu filme saiu um ano depois de Ligações Perigosas e apesar da produção muito cuidadosa, com ótimo roteiro assinado por ele em parceria com Jean-Claude Carrière, não ganhou repercussão. É um grande filme e uma boa lembrança, para uma próxima sessão de cinema, qualquer dia desses!


Resenha crítica do filme Ligações Perigosas

Ano de Produção: 1988
Direção: Stephen Frears
Roteiro: Christopher Hampton
Elenco: John Malkovich, Glenn Close, Michelle Pfeiffer, Uma Thurman e Keanu Reeves

Comentários

  1. Gostei do filme mas a hipocrisia daquela sociedade me cansa. Se não fosse o talento do elenco e os cenários não teria conseguido ir até o fim.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Confira também:

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema