Nossas Meninas: comédia adolescente que vai além do besteirol

Cena do filme Nossas Meninas
Nossas Meninas: filme dirigido por Michael Caton-Jones

JÁ NÃO SÃO MAIS CRIANÇAS, MAS AINDA NÃO SÃO ADULTAS!

Ao escrever sobre o filme Nossas Meninas, realizado em 2019 pelo escocês Michael Caton-Jones, decidi começar pelo título que ele recebeu aqui no Brasil. Seguindo o original em inglês, deveria se chamar Nossas Senhoras, mas alguém aqui decidiu que as personagens não passavam de... meninas! Optou por fazer um julgamento moral, evitando também ofender a susceptibilidade dos católicos, que dão o título exclusivamente a Maria, a mãe de Jesus. Esse alguém foi na direção oposta dos realizadores, que nos entregaram uma comédia dramática densa, ácida e honesta, desinteressada de fazer julgamentos e dedicada a tratar suas protagonistas com respeito. Esse alguém acabou comprometendo a experiência do espectador – ao menos no começo do filme, enquanto as tais meninas ainda não se revelaram por inteiro.
        O filme é uma adaptação do romance The Sopranos, escrito em 1998 pelo escocês Alan Warner. Antes de ser publicado, o texto circulou por Hollywood, numa sondagem entre produtores eventualmente interessados em adaptá-lo para as telas. Quem adquiriu os direitos foi o diretor Michael Caton-Jones, que lutou por vinte anos para materializá-lo em filme. Como o título era idêntico ao da famosa série da HBO, é claro que o título precisou ser alterado. Our Ladies veio como solução natural, extraído da peça de teatro produzida em 2015 por Lee Hall e baseada no mesmo romance, cujo título era Our Ladies Of Perpetual Succour. Portanto, agora fica claro que o filme Nossas Meninas tem, sim, a intensão de resvalar em assuntos... católicos.
        Para colocar tudo em pratos limpos, vamos direto à sinopse. O filme nos mostra 24 horas na vida de cinco garotas, com idade entre 17 e 18 anos, que frequentam o tal Colégio Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na pequena cidade escocesa de Fort William. Temos Orla (Tallulah Greive), que se recupera de câncer quase devastador e só pensa em perder a virgindade, Finnoula (Abigail Lawrie), a pretensa líder do grupo e sua melhor amiga, Manda (Sally Messham), além de Kylah (Marli Siu), vocalista de uma banda punk e de Chell (Rona Morison), que vive o luto pela perda do pai. Lá se vão elas, vigiadas pela Irmã Condron (Kate Dickie), para a cidade de Edimburgo, onde participarão de uma competição de corais – as cinco, portanto, são as tais sopranos! Acontece que as garotas, representantes da classe trabalhadora e da moralidade católica, não dão a mínima para as convenções. Estão unicamente interessadas na oportunidade de beber, fazer sexo e viver intensamente, antes que a juventude vá embora.
        O diretor Michael Caton-Jones, natural de Broxburn, uma cidade entre Edimburgo e Glasgow, identificou-se inteiramente com o tema: a vida numa cidade pequena, cercada sempre dos mesmos amigos, oferecendo escolhas limitadas e sonegando desafios... Percebeu também a natureza essencialmente escocesa da história, por isso recusou as inúmeras propostas para adaptá-la para a realidade americana – inclusive com a participação de estrelas adolescentes com visibilidade em Hollywood. Por isso deixou que 20 anos se passassem até que finalmente conseguiu viabilizar financeiramente a produção.
        Quando o projeto finalmente saiu do papel, os produtores tentaram trazer a história para os dias atuais, mas o diretor, de novo, fincou o pé! As garotas, com smartphones nas mãos e mergulhadas até o pescoço nas redes sociais, seriam personagens diferentes. Para que permanecesse honesto e verdadeiro, Nossas Meninas teria que ser um filme de época. Precisaria mostrar as dificuldades e as angústias dos jovens que viveram naquele peculiar momento de transição entre a tecnologia analógica e a digital.
        Quem escreveu a adaptação do romance de Alan Warner foi o renomado roteirista Alan Sharp, que já havia trabalhado com Michael Caton-Jones no filme Rob Roy – A Saga de Uma Paixão. Ele montou a estrutura narrativa para que os eventos do filme cobrissem as 24 horas vividas por todas as personagens, cortando as passagens que não cabiam no filme. Fez isso priorizando a linguagem visual, mas o romancista e o próprio diretor interferiram na escrita do roteiro, trabalhando várias linhas de diálogo.
        Nossas Meninas é mais do que um filme sobre garotas tentando fazer sexo enquanto afrontam as autoridades e as convenções. É um filme sobre estar vivo, viver enquanto é possível. É repleto de passagens cômicas e irreverentes, onde os homens são tratados como meros objetos de desejo – aliás, o elemento masculino nesse filme é totalmente... desimportante. As garotas já não são mais crianças, mas estão longe de ser adultas. Impulsivas e inconsequentes, partem em busca de liberdade, mas vão descobrir que, sim, há consequências para seus atos! Que o mundo real não é piedoso ou misericordioso. Que a gravidez é um perigo real e imediato. Que a juventude terminará bem antes do que elas esperam.
        O elenco composto por atrizes desconhecidas, cheias de energia e governadas por uma espécie de química caótica, é o ponto alto desse filme. O diretor soube deixar as meninas à vontade, para irradiar autenticidade e inundar a tela com uma desconcertante verdade emocional. Somando a isso uma trilha sonora saudosista, figurinos despojados e uma atmosfera nostálgica, de quando o mundo estava se despedindo do Século XX, Nossas Meninas acabou se tornando um filme genuíno e sincero. Merece ser visitado com mente aberta.

Resenha crítica do filme Nossas Meninas

Título original: Our Ladies
Ano de produção: 2019
Direção: Michael Caton-Jones
Roteiro: Alan Sharp e Michael Caton-Jones
Elenco: Tallulah Greive, Abigail Lawrie, Rona Morison, Sally Messham, Marli Siu, Eve Austin, Kate Dickie, David Hayman, Chris Fulton, Jamie Quinn, Jack Greenlees, Stuart Martin, Myra McFanyen, Martin Quinn, James Rottger e Ross Anderson

Comentários

Confira também:

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema