O Pálido Olho Azul: ficção envolvente com final surpresa!

Cena do filme O Pálido Olho Azul
O Pálido Olho Azul: direção de Scott Cooper

AQUI, EDGAR ALLAN POE VIRA PERSONAGEM

O diretor Scott Cooper diz preferir o formato de longa-metragem ao invés daquele estabelecido para as minisséries da TV. Tendo a concordar com ele, já que a objetividade de resolver tudo em duas horas se encaixa melhor na minha experiência cotidiana de cinéfilo. Mais demoradas, as séries demandam disciplina e um maior controle da ansiedade, enquanto esperamos a resolução da trama. Não sei se essa preferência do diretor foi o único motivo para que O Pálido Olho Azul, de 2022, fosse realizado como filme, mas o fato é que o material no qual ele se baseou – o romance com o mesmo título escrito em 2009 por Louis Bayard – traz uma profusão de personagens e uma trama minuciosa o bastante para render uma minissérie inteira. E das boas!
        Vamos começar falando do livro. Seu autor tem no currículo alguns ótimos mistérios históricos, como Mr. Timothy e O Mistério da Torre Negra. Em O Pálido Olho Azul, ele cometeu uma ousadia que, a princípio, pode parecer mero oportunismo comercial: transformou o poeta e escritor Edgar Allan Poe, monstro sagrado da literatura americana, num dos personagens centrais de uma trama policial. Mas, é preciso dizer, Louis Bayard escreveu um romance inteligente! Com estilo empolgante e gosto pelas tramas intrincadas, ele retrata o início do século XIX como se fosse uma testemunha ocular, ao mesmo tempo em que trata o idioma com reverência, respeito e precisão, com todos os floreios e convenções da época.
        O romance é uma obra de ficção, que conta como o velho e calejado detetive Augustus Landor é convocado para resolver um assassinato ocorrido nos domínios da tradicional academia militar de West Point. Lá ele conhece o jovem cadete Poe, na época um autor ainda desconhecido, com apenas 21 anos, que o ajudará nas investigações. Os dois compartilham o gosto pela bebida e o pendor por esconder segredos íntimos. Na busca pelo assassino, os dois se envolverão em perigos inesperados e violentos.
        Vamos lembrar que Edgar Allan Poe era escritor, editor, crítico literário e poeta. Nascido em 1809, foi o precursor da ficção policial como a conhecemos, quando publicou em 1841 seu famoso conto Os Assassinatos na Rua Morgue. Era uma alma atormentada, que soube expressar suas excentricidades para criar um universo belo e ao mesmo tempo estranho. Falava de paranoia, ansiedade, morte e terror, inspirando a criação do gênero gótico. No livro O Pálido Olho Azul, Louis Bayard o retrata ainda jovem e em formação, mas inspirado a se tornar o vulto literário que todos conhecemos.
        E como aqui na Crônica de Cinema o assunto principal é a sétima arte, passemos à adaptação de O Pálido Olho Azul, escrita e dirigida por Scott Cooper! Ela foi realizada com competência, por um diretor consagrado nos gêneros terror e suspense, com filmes como Coração Louco e Espíritos Obscuros. Aqui ele mostrou notável lucidez literária e profundo conhecimento da obra de Edgar Allan Poe – seu pai era professor de literatura americana e foi, inclusive, quem o apresentou ao romance de Louis Bayard. Vejamos uma rápida sinopse do filme:
        Em 1830, o atormentado detetive Gus Landor (Christian Bale), viúvo e com uma filha desaparecida, é convocado pelo Capitão Hitchcock (Simon McBurney) e pelo Coronel Thayer (Timothy Spall) para investigar o assassinato de um cadete de West Point. A vítima foi encontrada enforcada, mas posteriormente teve o coração arrancado do peito. Os mistérios em torno do caso são muitos, mas Landor consegue um ajudante talentoso e dedicado: o cadete Edgar Allan Poe (Harry Melling). Os dois progridem nas investigações, enquanto se deparam com novos crimes. O cadete arranja tempo para se envolver com Lea (Lucy Boynton), a filha do médico da instituição, o Dr. Daniel Marquis (Toby Jones). Enquanto isso, o detetive Landor amplia sua lista de suspeitos e acaba esbarrando em uma conspiração envolvendo cultos satânicos. Mas quando a dupla de investigadores precisa lidar com seus próprios segredos inconfessos, a trama caminha para um final surpreendente.
        O Pálido Olho Azul é um thriller envolvente, que permanece fiel ao romance original. Ao escrever o roteiro, Scott Cooper tomou algumas... licenças poéticas. Precisou abrir mão de subtramas e personagens, para condensar a narrativa em duas horas. Ele conta que trabalhou em cerca de vinte ou trinta tratamentos, desde que concebeu a adaptação até o momento de filmar, já com os atores escalados. Tanto cuidado foi para garantir o tom certo das linhas de diálogo e ressaltar a cadência poética da língua inglesa da época. Para tanto, as pesquisas e as leituras da obra de Edgar Allan Poe foram exaustivas.
        Como todo drama histórico bem realizado, O Pálido Olho Azul exibe um cuidado adicional no design de produção. Os cenários são caprichados e os figurinos vistosos, mas as paisagens naturais ganham destaque. Há uma beleza assombrosa que causa estranhamento e ressalta aquela atmosfera de mistério, que já vimos em tantos filmes do gênero. Aqui, no entanto, o resultado gráfico é totalmente pertinente, já que recria uma ambientação expressa originalmente na literatura – aquela que derivou os gêneros de terror e suspense.
        Há duas outras forças da natureza que ampliam o poder dramático de O Pálido Olho Azul: a primeira é a atuação primorosa de Christian Bale, que dá vida a um detetive Augustus Landor complexo, lendário enquanto policial, mas escravizado por seus traumas. A outra é a atuação de Harry Melling, que além de possuir a mesma estampa de Edgar Allan Poe, consegue passar verossimilhança no modo como lida com as palavras.
        E o melhor de tudo: em apenas 128 minutos está tudo resolvido! Não precisamos esperar o próximo episódio para descobrir a solução do mistério e de quebra nos assombramos com uma incrível reviravolta no final. É bom ver cinema de qualidade transbordando no serviço de streaming!

Resenha crítica do filme O Pálido Olho Azul

Título original: The Pale Blue Eye
Ano de produção: 2022
Direção: Scott Cooper
Roteiro Scott Cooper
Elenco: Christian Bale, Harry Melling, Simon McBurney, Timothy Spall, Toby Jones, Harry Lawtey, Fred Hechinger, Joey Brooks, Charlotte Gainsbourg, Lucy Boynton, Robert Duvall, Gillian Anderson, Steven Maier, Brennan Keel, Orlagh Cassidy, Scott Anderson, Gideon Glick, Jack Irving, Matt Heim, Hadley Robinson, Mathias Goldstein e Charlie Tahan

Comentários

  1. Caríssimos, suas crônicas são, como sempre, impecáveis. Além disso, Poe é um dos autores de minha adolescência. Assisti e gostei muito do filme e a leitura de seu breve ensaio ainda acrescentou mais prazer. Parabéns!

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  2. Ah, muito obrigado!!! Também gostei muito desse filme, tanto que já aproveitei para revisitá-lo. Sabendo do final, fazemos uma outra leitura das cenas.

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  3. Narrativa impecável...Bale um ator de vários gêneros e performece...com um elenco muito apropriado pra esse 128 minutos de Mistério.

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