A Luz no Fim do Mundo: um drama pós-apocalíptico intimista

Cena do filme A Luz no Fim do Mundo
A Luz no Fim do Mundo: direção de Casey Affleck

MÁXIMA DENSIDADE EMOCIONAL

A paternidade veio ao meu encontro quando estava para completar 30 anos. Colocou-me em uma condição diferente. Não era mais aquela do rapaz independente, agarrado às minhas paixões, que encontrava sentido nos braços da mulher que amava. Era uma outra, mais adulta e mais exigente. Na condição de pai, senti-me como se a vida tivesse me dado uma promoção. Agora, eram os meus braços que precisavam carregar mais responsabilidades. E como eles eram desajeitados! Tensos e inseguros, tremiam quando segurei minha filha pela primeira vez. Mas logo peguei o jeito. Foi quando entendi que ser pai é seguir se alternando entre duas obrigações inadiáveis: ensinar e aprender. Ensinamos o tempo todo, aprendemos o tempo todo... E nem vemos o tempo passar!
        O primeiro ensinamento que vem com a paternidade é sobre generosidade. Com um filho, mudamos de atitude. Nada de esconder o jogo, ou sonegar informação. Queremos entregar o ouro de uma vez! Ganhamos paciência na hora de ensinar e repetimos as lições até nos certificarmos de que o filho aprendeu. A paternidade só se estabelece de fato quando há essa interação. O pai se esforça para deixar um legado e o filho o recebe com apreço. O pai prepara seu filho para o mundo, mas também o põe à prova. O protege, mas quer vê-lo combativo. O ampara, mas apenas para vê-lo arriscar de novo. Exerce sua presença constante.
        É justamente esse o tema do filme A Luz no Fim do Mundo, filme de 2019 escrito, dirigido e estrelado por Casey Affleck. A diferença é que os protagonistas vagam por um mundo distópico e pós-apocalíptico, onde os perigos são brutalmente maiores e a desesperança esmaga todas as expectativas de futuro. Nesse tal futuro pessimista, o relacionamento entre um pai e sua filha tornou-se uma impossibilidade, por causa de uma anomalia externa, que impôs uma nova ordem antinatural. Pelos motivos que apresentei logo no primeiro parágrafo, estabeleci uma imediata conexão emocional com esse filme e seus personagens. Assisti ao seu desenrolar com um nó na garganta e embargado de emoção. Antes de continuar, deixe-me apresentar a sinopse:
        A Luz no Fim do Mundo é sobre um homem chamado apenas de pai (Casey Affleck) e sua filha Rag (Anna Pniowsky). Ambos vagam pelas florestas da Colúmbia Britânica, tentando passar despercebidos. O motivo é simples: uma pandemia misteriosa dizimou a população feminina e as raras mulheres sobreviventes são escravizadas e maltratadas. Para proteger sua garotinha, o pai a obriga a se disfarçar de menino. Tenta ensiná-la a sobreviver. Tenta ajudá-la a compreender o mundo e procura dar a ela uma formação moral e ética. Porém, o pior e o melhor da raça humana estão sempre à espreita e ninguém sabe qual chegará primeiro para interferir no destino da dupla. Em meio às lembranças que ambos têm da mãe (Elisabeth Moss), tentam encontrar um lugar seguro para reconstruir a vida. No entanto, desprovido do elemento feminino, o mundo mergulhou na crueldade e vai impor dificuldades imensas.
        Sim, a premissa de A Luz no Fim do Mundo é pessimista, mas é preciso que se diga: trata-se de um drama de sobrevivência e também de amadurecimento, onde pai e filha vivem uma jornada intimista de aprendizado. Há uma atmosfera de suspense, um sentimento de angústia pós-pandêmica e o constante embate com as forças da natureza. Casey Affleck, no entanto, jamais perde o foco do amor paternal. Consegue estabelecer uma base emocional sólida e realiza uma investigação honesta sobre a natureza do amor incondicional. Fala das dificuldades de criar um filho para o mundo e depois ter que deixá-lo partir.
        Neste longa independente e de baixo orçamento, Casey Affleck se viu obrigado a contar uma história pessoal. Os desdobramentos pós-apocalípticos ficaram apenas como pano de fundo – mesmo porque, para serem encenados com verossimilhança exigiriam um outro tipo de esforço narrativo, além de cenários caros e muita computação gráfica. Para escrever o roteiro, partiu de uma história de ninar que inventou para seu filho mais velho, quando ele tinha apenas cinco anos. Mais tarde, essa história virou esboço para um filme de animação e acabou sendo usada na sequência de abertura de A Luz no Fim do Mundo, que fisga o espectador logo de cara.
        Como roteirista e diretor, Casey Affleck demostrou maturidade. Seu roteiro linear é eficiente e sua narrativa segue num ritmo bem cadenciado. Como ator, ele soube abrir espaço para que a encantadora Anna Pniowsky conseguisse expressar o drama da sua personagem. Ela vive uma garotinha sensível, que encara as transformações da adolescência justamente num momento em que o mundo está transmutado. Quer ser independente, buscar sua própria identidade e assumir sua condição feminina, justamente num momento em que as mulheres se tornaram seres preciosos e disputados. O que não falta neste filme é densidade emocional!
        Tal densidade ganha força adicional quando examinamos o título original do filme, Light of My Life – que traduzimos por Luz da Minha Vida. Trata-se de uma expressão muito mais ligada ao universo das mulheres, preparadas e prontas que estão para dar à luz seus filhos. Aqui, a expressão é vocalizada por um pai, dedicado a proteger sua filha, ensiná-la e prepará-la para o mundo. Um mundo destroçado, cruel e violento. Mas é o que temos para hoje! O cinéfilo adulto e compenetrado encontrará em A Luz no Fim do Mundo uma oportunidade para refletir e se emocionar. Vale a pena conferir.

Resenha crítica do filme A Luz no Fim do Mundo

Título original: Light of My Life
Ano de produção: 2019
Direção: Casey Affleck
Roteiro: Casey Affleck Elenco: Casey Affleck, Anna Pniowsky, Tom Bower e Elisabeth Moss

Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema