Crescendo Juntas: adaptação aguardada de um livro encantador

Cena do filme Crescendo Juntas
Crescendo Juntas: direção de Kelly Fremon Craig

A ATEMPORALIDADE DA ADOLESCÊNCIA

Sou brasileiro, tenho 63 anos, casado, pai de família... Um sujeito comum, nascido e crescido no habitat conservador que moldou os homens da minha geração. Que raios estava fazendo, sentado no sofá da sala, diante do filme Crescendo Juntas, dirigido em 2023 por Kelly Fremon Craig? Nos primeiros minutos me senti um alienígena, visitando um planeta esquisito, mas o desconforto passou ligeiro: como cinéfilo inveterado, senti o cheiro de bom cinema e tratei de aproveitar. Que filme delicioso!
        Optei por escrever tal introdução para deixar claro que esse filme diz respeito ao universo feminino e que os homens – e os meninos! – talvez não se disponham a visitá-lo. Fiz tal visita, dividindo o sofá com Ludy e agora posso dar meu testemunho: já nem lembrava mais que Hollywood era capaz de produzir filmes assim, tão sensíveis, leves, refrescantes, encantadores... Minha mulher se divertiu tanto que nem viu o tempo passar.
        Quanto a mim, fiquei intrigado, logo nos créditos iniciais, quando li o título original do filme: Are You There God? It's Me, Margaret. Como foi que aqui no Brasil acabou virando... Crescendo Juntas? Ainda não descobri a resposta e se alguém souber, por favor me conte! O filme é baseado no aclamado livro Ei, Deus, está aí? Sou eu, Margaret, escrito pela americana Judy Blume, lá em 1970. Trata-se de uma obra amada e reverenciada por meninas e adolescentes, que tornou sua autora idolatrada por uma legião de fãs no mundo inteiro. As jovens simplesmente adoram seus livros, que contam histórias acessíveis para explorar as questões mais importantes da vida de uma garota, em suas faces dolorosas, picantes, bem-humoradas e controversas.
        Judy Blume sempre teve pleno controle da sua obra literária e jurou de pés juntos que jamais venderia os direitos de adaptação de qualquer dos seus livros para o cinema, principalmente a história de Margaret, que por cinquenta anos só podia ser folheada pelas adolescentes. Mas eis que o mundo dá voltas! A diretora Kelly Fremon Craig, que não sabia se tratar de algo impossível, foi lá e conseguiu: escreveu uma carta tão convincente que derreteu o coração da autora.
        Bem, a essa altura, creio que é mais prudente falar da sinopse de Crescendo Juntas, para que o leitor possa se posicionar melhor. O filme conta a história de Margaret Simon (Abby Ryder Fortson), uma garota de 11 anos que deixa sua vida na cidade de Nova York e vai com os pais para um subúrbio de Nova Jersey. Seu pai, Herd (Benny Safdie) de ascendência judia, foi promovido e se dedica à ascensão profissional. Sua mãe, Bárbara (Rachel McAdams), de ascendência cristã, decide se dedicar à casa. A garota terá que deixar para trás a adorada avó paterna, Sylvia (Kathy Bates) e encarar novas amizades, numa nova escola. Enquanto é colhida por um turbilhão emocional, ela estabelece uma conversa direta com Deus, em busca de ajuda para enfrentar os problemas que vão surgindo em série: as transformações do corpo, a menstruação, a primeira festa, o primeiro beijo... Além disso, Margaret Simon ainda terá que se decidir sobre qual fé religiosa irá seguir, o judaísmo ou o cristianismo!
        Crescendo Juntas é um filme adorável e divertido. Longe de estar em destaque, as questões religiosas recebem tratamento ligeiro – o próprio Deus não é tratado como um interlocutor, mas como uma força ainda incompreensível, fonte de bondade e esperança, a ser desvendada com o tempo. O filme resultou numa adaptação fiel ao livro, inclusive ambientando a história na década de 1970. Uma decisão apropriada, aliás, pois os realizadores conseguiram estabelecer uma atmosfera de nostalgia, ao mesmo tempo em que mantiveram uma aura de contemporaneidade. Falaram com as meninas de hoje e de ontem!
        Os méritos vão para a diretora Kelly Fremon Craig. Depois de visitar os temas da adolescência em seu filme Quase 18, quando estreou na direção, ela decidiu seguir na mesma trilha emocional. Resolveu adaptar o livro Ei, Deus, está aí? Sou eu, Margaret, com o qual estabelecera uma identificação imediata. Caiu nas graças da autora Judy Blume, mas terminou com uma imensa responsabilidade nos ombros. Na hora de escrever o roteiro, percebeu a pressão das fãs incondicionais, que não aceitariam nada além da... perfeição!
        Além de encontrar o ritmo certo e a atmosfera adequada, o roteiro de Kelly Fremon Craig soube lidar com a presença dos personagens adultos, que no filme precisaram ganhar materialidade. Enquanto no livro a visão leve e imaginativa da protagonista segura a atenção do leitor, nas telas é necessário que as ações dos adultos tenham amparo na verossimilhança, para garantir o fluxo emocional. A diretora conseguiu apresentar personagens verdadeiros, com os quais o espectador estabelece imediata empatia. Pontos para ela e para o ótimo elenco que reuniu!
        Crescendo Juntas é uma comédia leve, humana, engraçada e... feminina! Para este cinéfilo regulado por maiores doses de testosterona, veio como um filme curioso – talvez tenha rido de algumas piadas sem tê-las compreendido por inteiro, mas pelo simples fato de ver Ludy se deliciando já fiquei empolgado. Além do mais, sou pai de uma menina e ainda que de uma certa distância, acompanhei a sua epopeia de crescimento. O filme acabou me ensinando muito sobre coisas que eu nem lembrava que havia vivido!

Resenha crítica do filme Crescendo Juntas

Título original: Are You There God? It's Me, Margaret.
Ano de produção: 2023
Direção: Kelly Fremon Craig
Roteiro: Kelly Fremon Craig
Elenco: Abby Ryder Fortson, Rachel McAdams, Kathy Bates, Benny Safdie, Elle Graham, Amari Alexis Price, Katherine Kupferer, Kate MacCluggage, Aidan Wojtak-Hissong, Landon S. Baxter, Echo Kellum, Zackary Brooks, Isol Young, Simms May, Mia Dillon e Gary Houston

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