Mãos Talentosas: A História de Ben Carson

Cena do filme Mãos Talentosas: a História de Ben Carson
Mãos Talentosas: A História de Ben Carson

JEITÃO DE CINEMA E SOTAQUE DE TELEVISÃO

Quais são, afinal, as diferenças entre os filmes para cinema e aqueles feitos para a televisão? Hoje em dia, dada a qualidade dos aparelhos modernos, esta parece uma questão irrelevante, já que os filmes produzidos pelos grandes estúdios ficam tão bem na tela da sala de estar quanto na do cinema. Estatelado no sofá, diante de um telefilme ou de um grande clássico remasterizado, o cinéfilo pode experimentar a mesma sensação de estar numa sala de exibição. Portanto, a única razão para rotular uma produção como “feita para a televisão” parece ser o fato de que os realizadores não cogitaram a possibilidade de distribui-la nos circuitos de cinema. Esse é o caso de Mãos Talentosas: A História de Ben Carson, dirigido em 2009 por Thomas Carter.
        Exibido originalmente pela TNT, o filme é um drama envolvente, como tantos outros que estreiam nas salas de cinema. Bem realizado, dirigido e interpretado, conta com emoção uma história real, edificante e marcante. O tal Bem Carson do título é um renomado neurocirurgião pediátrico que chegou ao topo da profissão – e foi além: virou político, filiado ao Partido Republicano. Chegou a tentar as primárias para a presidência dos Estados Unidos em 2015, mas perdeu para Donald Trump!
        Mas em Mãos Talentosas, quem acompanhamos é apenas o Bem Carson neurocirurgião! O filme é baseado na sua autobiografia, que tem o mesmo título. Começa mostrando o médico em 1987, mergulhado num cotidiano extenuante de trabalho e pesquisas. Depois de ter realizado com sucesso uma cirurgia cerebral em uma criança ainda no ventre materno, Ben (Cuba Gooding Jr.) agora é desafiado a separar um par de gêmeos siameses unidos pela cabeça. Em flashback, voltamos à infância de Ben (Jaishon Fisher), quando ele tinha um desempenho pífio na escola e nenhuma perspectiva de futuro. Incentivado pela mãe, Sonya (Kimberly Elise), uma mulher analfabeta, mas empenhada em criar seus filhos na retidão, o garoto descobre sua vocação. Fortalecido por uma imensa curiosidade científica – e por uma fé religiosa inabalável – escolhe a medicina. Adolescente, Ben (Gus Hoffman) enfrenta o racismo e também os seus próprios demônios internos, mas vence sempre! Forma-se neurocirurgião e se torna o melhor do mundo na sua área. Agora terá que descobrir como salvar a vida dos siameses alemães, realizando uma façanha que ninguém mais teria condições de ousar.
        A adaptação de Mãos Talentosas: A História de Ben Carson foi escrita por John Pielmeier, que também assinou o roteiro de Agnes de Deus. Embora bata na mesma tecla durante todo o filme, o roteirista conseguiu cobrir os principais episódios na vida do biografado. Soube usar os flashbacks com critério, dando consistência dramática aos personagens. Suas linhas de diálogo são mais televisivas do que cinematográficas e ele põe uma ênfase de nerd nas questões técnicas das cirurgias. Ainda assim consegue descrever o arco do personagem com alguma profundidade emocional.
        O diretor Thomas Carter, que dirigiu filmes como Os Últimos Rebeldes e Coach Carter - Treino para a Vida, preferiu dar vazão à sua imensa experiência com a televisão. Seus enquadramentos e movimentos de câmera são burocráticos, mas transmitem autenticidade. E optou por uma trilha sonora excessivamente melosa, o que trouxe para Mãos Talentosas uma atmosfera mais... conservadora.
        Não poderia ser diferente! O filme lida com valores caros, mostrando a trajetória de um garoto pobre, mas de bom caráter e educado dentro de sólidos princípios morais, que enfrenta o preconceito enquanto tenta vencer na vida, melhorando sempre como ser humano. Um exemplo a ser seguido! Por outro lado, Mãos Talentosas também abre espaço mostrar um lado da medicina que poucos conhecem, o da meticulosidade: foram necessários cinco meses para planejar todo o procedimento cirúrgico que separou os siameses, envolvendo 70 profissionais durante 22 horas de um trabalho tenso e extenuante.
        Se estivesse numa sala de cinema, cercado pela escuridão, o cinéfilo viveria uma experiência mais imersiva. Concentrado nos detalhes, demandaria mais agilidade e menos delongas. Porém, como está diante de um telefilme, se torna mais condescendente. Pode fazer outras coisas enquanto assiste ao filme – espiar no celular, dar comida para o cachorro, passar a roupa que usará no dia seguinte... Pode até trocar de canal, se não for completamente fisgado desde o início! Por isso, podemos dizer que a TV está mais submissa à performance das linhas de diálogo e ao desempenho teatral do elenco. Mãos Talentosas: A História de Ben Carson não esconde que traz esse DNA televisivo. Mantém o foco nos personagens e carrega nas emoções.
        A conclusão a que chego é a seguinte: a principal diferença entre os filmes feitos para o cinema e aqueles feitos para a televisão está no... espectador! Um bom diretor sabe prever o comportamento da audiência e toma medidas narrativas para mantê-la atenta.

Resenha crítica do filme Mãos Talentosas: A História de Ben Carson

Título original: Gifted Hands: The Ben Carson Story
Ano de produção: 2009
Direção: Thomas Carter
Roteiro: John Pielmeier
Elenco: Cuba Gooding Jr., Gus Hoffman, Jaishon Fisher, Kimberly Elise, Aunjanue Ellis, Gregory Dockery II, Tajh Bellow, Scott Stangland e Angela Dawe

Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo: nada importa, nem o cinema!

Siga a Crônica de Cinema