O Conde de Monte Cristo: mais uma versão

Cena do filme O Conde de Monte Cristo
O Conde de Monte Cristo: direção de Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière

UM UNIVERSO DRAMÁTICO... REPAGINADO!

O clássico da literatura O Conde de Monte Cristo é um dos romances mais populares do escritor francês Alexandre Dumas; foi publicado pela primeira vez como folhetim em 1844. Já inspirou diversas adaptações para o teatro e para o cinema – desde que o cinema foi inventado, a cada década uma nova versão é lançada, para deleite dos cinéfilos mais exigentes. Não é para menos: a trama minuciosa e envolvente traz elementos de ação, suspense, drama, romance e aventura; além disso, a história poderosa tem um protagonista multifacetado e nos apresenta a uma variedade de personagens odiosos, além de outros que conquistam a nossa simpatia.
        Todos nós já conhecemos a sinopse de O Conde de Monte Cristo, já que o livro está na grade curricular do ensino médio – ao menos estava quando frequentei os bancos escolares, mas como isso já tem praticamente cinco décadas, não me atrevo a pôr a mão no fogo! De qualquer forma, vale a pena lembrar das linhas gerais: Alexandre Dumas nos conta a história de Edmond Dantès, um marinheiro mercante de 19 anos, que na Marselha de 1815 vive seu momento de sucesso: será nomeado capitão de um navio e vai se casar com a bela e rica Mercédès. No dia do casamento, porém, é preso injustamente sob a acusação de ser um traidor bonapartista. Acaba trancafiado no Castelo de If por infindáveis 14 anos, onde conhece o Abade Faria, o prisioneiro da cela ao lado, que lhe transmite uma extensa educação. Transmite também a localização de um formidável tesouro, escondido na tal Ilha de Monte Cristo. Dantès escapa do cárcere, põe as mãos na fortuna e dá início a um meticuloso projeto de vingança; volta para Marselha e dedica o que lhe resta da vida a aniquilar cada um dos homens invejosos que o destruíram, ainda que isso lhe custe a perda da sua própria humanidade.
        O tema principal é a vingança, tratada não como um rompante, mas como uma força persistente e calculada, que consome lentamente o vingador e o transfigura. Outras qualidades humanas, no entanto, também aparecem: honra, lealdade, amor romântico, compaixão, desespero, esperança... Longe de expressar um arquétipo determinado, Edmond Dantès é um homem complexo: ama, odeia, age com honra, sabe ser cruel, estabelece seus próprios pesos e medidas na busca por justiça e é, sobretudo, um manipulador engenhoso. Alexandre Dumas costura uma narrativa intrincada, tecida com subtramas minuciosas e dispostas como um quebra-cabeça prazeroso de se montar. Sua escrita elegante segue num ritmo ágil, para insinuar imagens das quais o leitor se apropria com facilidade – é quase cinematográfico!
        Não é à toa que, volta-e-meia, O Conde de Monte Cristo reincide nos cinemas. Essa história poderosa e seu protagonista arrebatador merecem ser apresentados às novas gerações de cinéfilos; é claro que devidamente repaginados, para serem mais palatáveis. E não se trata apenas de questões estéticas, mas também de questões matemáticas! Deixe-me explicar meu ponto: no começo do século XIX, a expectativa de vida na Europa era de no máximo 40 anos. Um jovem de 19 anos que passasse 14 deles numa enlouquecedora solitária e depois outros dez se reconstruindo e arquitetando sua vingança, chegaria com 43 anos ao ápice da trama. Teria perdido uma vida inteira!
        Para um jovem de hoje, onde a expectativa de vida é de 80 anos, o que são duas décadas e meia? Deixar a casa dos pais aos 40, para só então ingressar na vida adulta e independente, é uma prática cada vez mais comum. Acumular fortuna até os 40 tornou-se uma meta factível para os jovens que desejam tempo para desfrutar dela. Manter-se em forma, conservando o vigor físico e a boa aparência por mais tempo é uma possibilidade que estimula a todos. Talvez, se vivesse nessas agitadas primeiras décadas do século XXI, nosso Edmond Dantès não teria a mesma fúria vingativa.
        Não sei se Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière, a dupla de diretores e roteiristas que assinam esse remake de O Conde de Monte Cristo, fizeram as mesmas contas; posso dizer, no entanto, que eles foram criativos. Seu filme é empolgante, ágil e envolvente, ainda que se estenda por três horas. Os realizadores evitaram as reconstituições históricas precisas e optaram por retratar o século XIX com cores mais fantasiosas. Foram na linha do sucesso alcançado com Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan, filme que escreveram em 2023, e que foi dirigido por Martin Bourboulon.
        A adaptação de La Patellière e Delaporte é ousada. Suprimiram alguns trechos do livro, fundiram alguns personagens e criaram outros; concentraram toda ação que cobre o plano de vingança de Edmond Dantès em dois de seus protegidos, que atuam sob suas ordens. As etapas de preparação e a execução de cada lance são apresentadas na mesma sequência, de maneira intercalada, com trechos narrados em off; o clima resultante é o mesmo dos filmes de ação, ao estilo... Missão Impossível! Além disso, os roteiristas criaram uma nova introdução, que ressaltou tanto o caráter heroico do protagonista como a amplitude insana da sua dolorosa trajetória. Costuraram uma narrativa mais apropriada para as telas, adequada às expectativas do público atual.
        O ator Pierre Niney convence como Edmond Dantès. Primeiro, ele transpira o ímpeto heroico e a ingenuidade do personagem; depois, consegue dar credibilidade à sua morte e posterior renascimento como o Conde frio e metódico, amargurado em seu estado permanente de vingador obcecado por justiça. O elenco todo, aliás, merece elogios; preservam a aura sóbria do universo clássico, sem se afastar do estilo mais moderno de dramaturgia. Com uma fotografia exuberante, cenários e figurinos irretocáveis e uma belíssima trilha sonora, o filme é uma ótima pedida para os cinéfilos que apreciam as aventuras de capa e espada, misturadas com boas doses de romance, drama e muitas intrigas.
        Na verdade, devo dizer que O Conde de Monte Cristo ficou muito parecido com os atuais filmes de super-heróis – os puristas torcerão o nariz ao ver o personagem ganhar habilidades que Alexandre Dumas não lhe deu originalmente, mas essa ousadia talvez estimule o público jovem a visitar o livro. Felizmente, a história de Edmond Dantès aqui é tratada com certo respeito e reverência – a fonte, na qual vieram beber os incontáveis personagens dos quadrinhos que migraram para as telas e hoje dominam as produções do cinema comercial.

Resenha crítica do filme O Conde de Monte Cristo

Título original: Le Comte de Monte-Cristo
Ano de produção: 2024
Direção: Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière
Roteiro: Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière
Elenco: Pierre Niney, Bastien Bouillon, Anaïs Demoustier, Anamaria Vartolomei, Laurent Lafitte, Pierfrancesco Favino, Patrick Mille, Vassili Schneider, Julien de Saint Jean, Julie de Bona, Adèle Simphal, Stéphane Varupenne, Bruno Raffaelli, Marie Narbonne, Abdé Maziane, Graziella Delerm, Xavier de Guillebon, Clémentine Baert, Florence Muller, Françoise Gazio, Axel Baille, Lily Dupont, Olivier Le Montagner, Jérémie Covillault, Bernard Blancan, Oscar Lesage, Serge Bagdassarian, Jean-Louis Tribes e Laurent Dassault

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