Josey Wales, o Fora da Lei: um western revisionista

Cena do filme Josey Wales, o Fora da Lei
Josey Wales, o Fora da Lei: direção de Clint Eastwood

NARRATIVA VISUAL ENXUTA E MODERNA

Estava com dezesseis anos quando entrei no cinema para assistir a Josey Wales, o Fora da Lei, filme de 1976 dirigido por Clint Eastwood. O astro de Hollywood tinha o nome colado ao cinema de ação e o gênero western já me soava desinteressante – naquela época já me considerava um cinéfilo exigente, com horas de voo suficientes para lançar olhos de predador sobre os filmes em cartaz. Então, reparei que o nome de Clint Eastwood aparecia duas vezes nos créditos: como ator e como diretor. Como não havia opção melhor para aquele sábado à tarde, encontrei aí uma boa desculpa para conferir.
        O filme ao qual assisti naquele dia era envolvente e oferecia certa densidade dramática. Era recheado de violência e se agarrava a fortes valores morais. A fotografia era sombria e o visual flertava com o realismo. E o mais curioso: tinha algo de moderno, ainda que revirasse uma história mofada, ocorrida no velho oeste. A modernidade, concluí, ficou justamente por conta da interpretação lacônica de Clint Eastwood; pronunciando pouquíssimas palavras, descreveu com precisão o arco de transformação do seu personagem e fez do tal Josey Wales um sujeito compreensível para este jovem de dezesseis anos, que já se julgava um cinéfilo perspicaz.
        O pano de fundo para apresentar a trajetória de Josey Wales, o Fora da Lei é a Guerra Civil Americana, episódio marcante da segunda metade do século XIX, que ainda trazia fresco na memória graças às aulas de história. Meu professor ressaltou que os mocinhos lutavam pelo lado da União, formada pelos estados do norte; os Confederados, separatistas que defendiam a manutenção do regime escravocrata nos estados do sul, foram os vilões e terminaram derrotados. Mas espere: neste filme, o protagonista pelo qual somos incentivados a torcer é um confederado, um bandoleiro – algum tipo de cangaceiro! – desalmado e responsável por incontáveis matanças. E vejam só, os soldados da União não são santinhos; também esbanjam crueldade!
        Antes de entrar nos detalhes, vamos examinar a sinopse: Josey Wales (Clint Eastwood) é um pacato fazendeiro que assiste ao brutal assassinato de sua família por um bando de mercenários ligados à União. Wales se junta a um bando de confederados do Missouri e luta por toda a Guerra Civil com fúria desmedida, até que o Sul termina derrotado. Em vez de se render, Wales prefere seguir em busca de vingança. Como fora da lei – sua cabeça vale um bom dinheiro –, ele vaga pelo Texas com o exército no seu encalço; juntam-se a ele vários personagens: o velho índio Lone Watie (Chief Dan George), a velha senhora Sarah Turner (Paula Trueman) e sua neta, Laura Lee (Sondra), além de outras figuras típicas dos filmes sobre o velho oeste. A jornada de Josey Wales não terá fim, enquanto sua vingança não estiver consumada.
        Josey Wales, o Fora da Lei é uma adaptação do romance intitulado Gone to Texas, escrito em 1972 por um certo Forrest Carter, suposto escritor cherokee. Em suas cerca de 200 páginas, o livro oferece uma leitura rápida e divertida, recheada com passagens de ação repleta de tiros e diálogos afiados, bem ao gosto dos fãs de faroestes. Com o lançamento do filme, veio à tona o fato de que o nome verdadeiro do autor era Asa Earl Carter; pior ainda: o sujeito havia sido líder da Ku Klux Klan e teria redigido vários discursos para o governador do Alabama, George Wallace, defensor do segregacionismo. O filme acabou rotulado de revisionista, por trazer um herói sulista e lançar um olhar simpático para uma suposta causa nobre dos confederados, que em vez de chafurdar no racismo, estariam lutando em defesa dos direitos dos estados do sul e pela hora pessoal. A velha Hollywood torceu o nariz, mas parte da crítica adorou a ousadia de trazer à tona uma explicação menos simplista para a Guerra Civil.
        Nos bastidores, a polêmica se tornou mais feroz: o roteiro de Josey Wales, o Fora da Lei foi escrito por Sonia Chernus, sob a supervisão de Michael Cimino e Philip Kaufman – esse último assumiu o controle criativo, mas se pôs contra o tom antigovernista do livro. Roteirista talentoso, Kaufman tentou atenuar as implicações políticas, mas esbarrou na posição firme de Clint Eastwood, que havia bancado do próprio bolso os direitos de adaptação do romance. Resultado: a corda arrebentou do lado de Kaufman, que foi sumariamente demitido por Eastwood. As fofocas ainda dão conta de um suposto triângulo amoroso entre os duelistas e a roteirista, mas isso é bobagem que não interessa aos cinéfilos ávidos por fruir um cinema do bom.
        O fato inquestionável, para além das qualidades do roteiro, é que Clint Eastwood conseguiu usar o mínimo de cenas expositivas e o máximo de dramatização, para caracterizar um personagem denso, com alguma complexidade emocional – a expressão facial e a linguagem corporal foram mais eloquentes.
        Recentemente, para escrever esta crônica, revisitei Josey Wales, o Fora da Lei pela segunda vez e o filme ao qual assisti, agora com 65 anos, permanece envolvente. Continua denso, sombrio e recheado de violência, mas os valores morais e éticos que defende ficaram um pouco mais evidentes para mim – essa mudança é consequência do meu próprio arco de transformação, que percorri ao longo desde meio século de cinefilia. É provável que os espectadores de hoje não enxerguem o algo de modernidade ao qual me referi lá no começo, afinal, a narrativa visual e econômica, marca registrada de Clint Eastwood, tornou-se a base para quem quiser contar uma história por meio do cinema.

Resenha crítica do filme Josey Wales, o Fora da Lei

Título original: The Outlaw Josey Wales
Título em Portugal: O Rebelde do Kansas
Ano de produção: 1976
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Philip Kaufman, Sonia Chernus e Forrest Carter
Elenco: Clint Eastwood, Chief Dan George, Sondra Locke, Bill McKinney, John Vernon, Paula Trueman, Sam Bottoms, Geraldine Keams, Woodrow Parfrey, Joyce Jameson, Sheb Wooley, Royal Dano, Matt Clark, John Verros, Will Sampson, William O'Connell, Madeleine Taylor Holmes, John Quade, Frank Schofield, Buck Kartalian, Len Lesser, Doug McGrath, John Russell, Charles Tyner, Bruce M. Fischer, John Mitchum, John Chandler, Tom Roy Lowe, Clay Tanner, Bob Hoy e Richard Farnsworth

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