Simonal: a cinebiografia de Wilson Simonal

Cena do filme Simonal
Simonal: filme dirigido por Leonardo Domingues

SÓ ESQUECERAM DE MOSTRAR O CANTOR ALEGRE E CARISMÁTICO

Lembro com saudosismo do astro Wilson Simonal. Sua música era contagiante, com letras fáceis e um balanço alegre, que irradiava brasilidade. Ouvi-lo no rádio, ou dar de cara com ele nos programas de auditório da TV, era sempre uma festa. Ao pronunciar seu nome, a palavra que me vêm à mente é alegria.
        – Mas foi justamente essa palavra que ficou faltando no filme – exclamou Ludy com certa indignação, enquanto fazíamos nossa caminhada no parque.
        Tive que concordar. Simonal, dirigido em 2018 por Leonardo Domingues, nesse sentido, foi uma decepção! Caprichar no repertório não foi o suficiente para resgatar a alegria e o carisma daquele que se destacou como um dos maiores nomes do show business brasileiro.
        Durante todo o trajeto da nossa caminhada, minha mulher continuou a conversa. Lembrou dos tempos de criança, quando ouvia no rádio de pilha a canção Sá Marina, debruçada na janela do apartamento da sua tia, no bairro do Flamengo. Como curitibano, passei a infância longe de carioquices, mas também fui alvejado por essa primorosa canção, assinada por Antônio Adolfo e Tibério Gaspar – que por sinal aparece em destaque no filme.
        Para nós, que testemunhamos o sucesso de Wilson Simonal, assistir a esse filme é uma experiência frustrante. Bem realizado, contou com uma produção criteriosa e esmerada. Os figurinos são ótimos, os atores se saem bem, a trilha sonora é empolgante, a fotografia é bela, a direção de arte resgata com sucesso a estética tropicalista da época... Mas faltou a alegria.
        O roteiro, elaborado por Leonardo Domingues em parceria com Victor Atherino, faz a opção de manter o ponto focal do filme no episódio que provocou a derrocada do astro e o levou ao total ostracismo. É claro que esse é o ponto de maior interesse para o espectador, afinal, o tombo de Wilson Simonal foi gigantesco. De um momento para outro deixou de ser a megaestrela da época para se tornar um ninguém, sem futuro e correndo risco de não deixar um legado.
        Acusado, pela patrulha ideológica da época, de colaborar com a ditadura militar e dedurar outros artistas, o cantor sofreu o maior boicote da história do nosso showbiz. Suas relações com gente do DOPS, num episódio obscuro que envolveu até tortura, não deixou margem para dúvidas. O verbete Wilson Simonal foi deletado!
Esse episódio é crucial em qualquer cinebiografia do cantor e jamais poderia ser omitido. Mas antes de mostrá-lo despencando, seria preciso deixar claro para o público de hoje a que altura ele chegou, para revelar o quão espetacular foi sua queda. O problema é que os realizadores decidiram abrir o filme mostrando um Wilson Simonal derrotado e humilhado, para só então retomar a narrativa para o início da sua carreira. Foi essa decisão que esvaziou toda a alegria do filme. Olha que o ator Fabrício Boliveira se esforçou. Max de Castro e Simoninha, filhos do cantor e autores da trilha sonora, também capricharam na escolha das músicas. Mas não adiantou.
        A ambição de Leonardo Domingues, de realizar uma grande façanha logo no seu primeiro longa, custou caro. Ele articulou um elaborado plano-sequência na abertura do filme, que exigiu planejamento detalhado. O espectador fica com a proeza técnica de uma cena bem executada, mas sem conteúdo dramático. Descobre apenas que Wilson Simonal virou um cantor proscrito. Não sabe se ele é digno de perdão ou se merece ser apedrejado. Se o admira ou se deve desprezá-lo. Só percebe tristeza.
        Se tivesse optado por mostrar a trajetória de ascensão do cantor, conquistando a empatia do público, alcançaria muito mais força dramática na cena final. Teria a cumplicidade do público na hora de investigar os episódios obscuros e apresentaria um retrato mais fiel da imensa alegria que sempre esteve associada ao nome Wilson Simonal. Teríamos um filme muito mais empolgante, com final contundente.
        O diretor cometeu outro erro digno de nota: misturou cenas reais com as dramatizadas. Pôs por terra o imenso esforço da direção de arte, que tanto se empenhou em impor um padrão estético para o filme. Criou um enorme hiato entre a interpretação de Fabrício Boliveira – que precisou dublar todas as cenas musicais – e o imenso carisma do personagem. Trouxe um triste clima de documentário num momento em que o espectador esperava dramatização e desempenho artístico.
        Mas as músicas do filme... Ah, são ótimas! Em certos momentos, Ludy e eu chegamos a pensar que a voz era do Simoninha. Tive que pesquisar na internet para descobrir que ele e o irmão assinaram apenas a trilha sonora incidental. As gravações usadas nas dublagens foram todas originais.

Resenha crítica do filme Simonal

Ano de produção: 2018
Direção: Leonardo Domingues
Roteiro: Geraldo Carneiro
Elenco: Fabrício Boliveira, Isis Valverde, Leandro Hassum, Mariana Lima, Silvio Guindane e Caco Ciocler

Comentários

  1. Concordo Fábio. As músicas, sensacionais. Terminou o filme e fui buscá-las no Youtube. Quanto ao filme poderia, sim, focar mais no talento. Já assisti a exemplos similares, também mal sucedidos, como "Garrincha, a Estrela Solitária"; e "Chatô". Finalmente, quanto à crônica, perfeita.

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  2. Valeu, Jorge! Para quem gosta de música, o filme é imperdível. Poderia ser muito melhor se tivessem investido num roteiro mais caprichado. Essa é a minha opinião!

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  3. Esperava muito deste filme. Uma pena que o roteiro e a direção não conseguiram traduzir para a tela a alegria, o carisma e o talento de Simonal. Outro longa que foi também decepcionante, Minha fama de mau, baseado na autobiografia do saudoso Erasmo Carlos.

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    1. Olá, Almanaque. Vi mais qualidades em Minha Fama de Mau. Não tinha grandes expectativas, mas a narrativa me prendeu.

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  4. Eu já acho que o filme foi perfeito. Adorei, já tinha visto o documentário "Niguém sabe o duro que dei" e esse filme veio complementar com alguns outros detalhes da vida do Simonal. O livro "Nem vem que não tem" que ainda não tive a oportunidade de ler, dever ter muitos mais detalhes do que realmente aconteceu deste triste desfecho da vida do cantor.

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    1. É um filme bem feito, Carlos Augusto, mas meu ponto é que ele gira em torno do episódio que comprometeu a carreira de Simonal e por isso deixou de apresentar a face mais alegre e carismática do artista. O filme não tenta marcar Simonal pela sua ascensão até o topo, mas por sua queda.

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    2. Sim Fabio, mas não foi mostrado desde o início da carreira "meteórica" desde 1960 e como ele chegou no topo no início da década de 70??. É que eu acho que a maioria da pessoas, como eu, não sabia exatamente o porque o Simonal desapareceu da mídia por todo aquele tempo, e a ênfase no declínio da sua carreira ficou bem explicado dentro do que era possível num filme. Falando um pouco do episódio, eu particularmente, acho a arrogância e uma certa ingenuidade foi crucial na sua queda. Com um pouco de humildade ele teria uma carreira incrível. Até hoje ele é considerado um dos maiores cantores showman do Brasil e poderia ser até do mundo, pois tinha potencial. Um cara que dividiu um palco com Sarah Vaughan não é pra qualquer um...uma pena!!

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    3. Minha crítica, Carlos Augusto, é em relação à estrutura narrativa do filme, mais exatamente em relação à ordem como as cenas são mostradas. Penso que se os realizadores tivessem seguido uma ordem cronológica, o espectador de hoje, que não acompanhou a trajetória de Simonal, poderia sentir o mesmo que nós, seus fãs desde a infância. Teria se empolgado com o talento do cantor e, ao final, percebido a falta que ele faz para o nosso showbizz.

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