Um Ato de Esperança
ANTES DE BATER O MARTELO DÊ UMA CHANCE PARA O TALENTO DE EMMA THOMPSON

Um Ato de Esperança: filme estrelado por Emma Thompson
Nessa
pandemia, Ludy e eu não abandonamos nossa caminhada diária. Insistimos em seguir
pelas ruas do bairro, mascarados, tentando desviar das aglomerações. É nosso
momento de respirar um pouco de normalidade e processar as notícias que a mídia
despeja em caçambas sobre nossas cabeças. Começamos falando de política, depois
sobre a família, sobre as contas que precisam ser pagas e acabamos falando de...
cinema.
– É... Pelo
que o filme mostrou, tem muita diferença entre o judiciário britânico e o brasileiro
– cutucou Ludy,
– Pelo
menos lá eles não estão ambicionando o protagonismo político – retruquei, caprichando
na entonação sarcástica.
– Sim, mas a
suprema corte deles tem que lidar com cada assunto cabeludo!
Minha
mulher estava se referindo à juíza Fiona Maye, que Emma Thompson interpreta no
filme Um Ato de Esperança, de 2017,
dirigido por Richard Eyre. A personagem, criada por Ian McEwan em seu romance
The Children Act, de 2014, atua na vara de família da Suprema Corte Britânica e
tem que tomar as decisões mais difíceis e polêmicas com as quais um ser humano
pode se deparar. Questões que invariavelmente envolvem vida e morte.
Logo de
início, enquanto ainda estamos sendo apresentados à meritíssima personagem, ela
precisa decidir se dois irmãos siameses devem ser submetidos a uma cirurgia de
separação da qual apenas um poderá sair vivo. E rapidamente, pela segurança e diligência
com que interpreta a frieza da lei, descobrimos quem é a tal juíza. E
percebemos então que ela passa por maus momentos no casamento, já que Jack –
interpretado por Stanley Tucci – está cansado de ser o marido de uma esposa
ausente.
Para
complicar, Fiona vê cair em suas mãos o urgente caso de Adam, um garoto de 17
anos à beira dar morte por leucemia, que se recusa a se submeter à transfusão
de sangue que o salvará, já que pertence às Testemunhas de Jeová. O que fazer? Deixá-lo
com sua própria escolha, que o matará, ou atender aos apelos dos médicos, cujo
firme propósito é salvá-lo? Lá vai a meritíssima salvar o mundo externo, enquanto
tenta pôr em ordem o seu mundo interior.
É nesse
pêndulo de certezas e dúvidas que seguimos ao longo do filme, conduzidos com
muita calma e elegância por Sir Richard Eyre, um diretor experiente com
diversas realizações no teatro, na ópera na televisão e no cinema. Felizmente
ele abraçou a agudeza do roteiro, adaptado pelo próprio Ian McEwan, concentrando-se
em explorar as nuances de uma personagem que se mostra complexa, sensível e...
britânica! Nem é preciso mencionar aqui a estupenda atuação de Emma Thompson, ela
sabe nos contar como é estar na pele de uma mulher que carrega nas costas o
peso de imensa responsabilidade.
Esse não é um filme para quem procura cenas intrincadas
de embates nos tribunais, ou para quem está interessado em desfraldar bandeiras
éticas, morais ou ideológicas. É cinema de estofo clássico, construído com
diálogos certeiros, cenários sóbrios, cenas cuidadosamente planejadas, e uma
música que consegue comunicar a alma dos personagens.
Ah, esses ingleses!
Quando o assunto é música, eles arrasam. Suas produções musicais, seja para filmes,
documentários e até mesmo comerciais de TV, são de um bom gosto inquestionável.
E aqui, em Um Ato de Esperança, essa
regra mais uma vez se confirma. Sem dar spoilers, gostaria de destacar uma cena
em especial, onde acontece um recital de voz e piano para uma plateia seleta. Trata-se
de um dos momentos mais emocionantes do filme, quando temos a personagem
dedilhando uma canção no piano, tentando acompanhar o cantor. Mas há no ar uma tensão
que não pode ser contida e que está prestes a eclodir. Então, o diretor nos faz
ouvir uma outra música incidental, que se sobrepõe à executada pela dupla.
Passamos a ouvir duas músicas ao mesmo tempo.
Repare que
não se trata de duas melodias em contraponto. São duas polifonias distintas,
uma se referindo à reação emocional da personagem e a outra mostrando a música ambiental
percebida pela plateia. Duas músicas distintas em perfeita harmonia. É de cair
o queixo! E os méritos vão para o compositor Stephen Warbeck, que assina a
música do filme e que guarda em casa o Óscar que ganhou pela trilha sonora de Shakespeare
Apaixonado.
Já
li algumas críticas injustas a esse filme. Mas, como a própria Emma Thompson
nos mostra aqui, com seu talento e carisma gigantescos, fazer justiça é tarefa
dificílima. Alguém sempre sairá desapontado. Mas garanto que também sairá
emocionado, depois de acompanhar essa história muito bem contada.
Um romance com sotaque de cinema. Em 278 páginas narra a história de Daniel, um garoto de 9 anos que em 1969 se vê às voltas com o abandono, vivendo momentos de amadurecimento e superação. À venda no Clube de Autores.
Filme: Um Ato de Esperança
Data de produção: 2017
Direção: Richard Eyre
Roteiro: Ian McEwan
Elenco: Emma Thompson e Stanley Tucci
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