Corações de Ferro: a fúria da guerra sem sentido
Corações de Ferro: filme dirigido por David AyerDENTRO DE UM TANQUE DE GUERRA, SÓ HÁ ESPAÇO PARA A FÚRIA
Tinha uns dez anos e estava convicto de que o sujeito que havia inventado a televisão não o fizera para exibir noticiários; filmes, séries e desenhos animados eram, certamente, a razão de tudo! Sempre que meu pai se acomodava no sofá para a assistir ao jornal, minha paciência era testada – tudo era desinteressante e se reclamasse, o velho chiava feito uma chaleira fervente, pedindo silêncio. Aquele era o intervalo da grade de programação que menos gostava, mas ficava ali, ao lado do meu pai, fazendo e granjeando companhia.
Numa daquelas noites, o telejornal exibiu uma matéria sobre as autoridades de um país europeu que, durante uma cerimônia abarrotada de gente, depositavam flores no túmulo do soldado desconhecido. Minha pergunta saiu ligeira e espontânea:
– Quem era o soldado desconhecido?
Meu pai abriu um sorriso debochado; achou graça no que perguntei, mas quando teve que pensar no que responderia, assumiu um semblante professoral. Explicou-me, com objetividade, que não havia soldado nenhum enterrado naquele túmulo. Era apenas um monumento, um símbolo, que homenageava todos os soldados mortos na guerra e que não puderam ser identificados; porque estavam sem as placas de identificação no pescoço; porque não puderam ser reconhecidos, já que estavam desfigurados; porque seus corpos ficaram tão destroçados que ninguém poderia saber a qual soldado as partes pertenciam.
Fiquei horrorizado! Vi as imagens mais cruentas da guerra, que jamais me passaram pela cabeça. Meu pai, com seu espírito prático e sua franqueza desconcertante, abriu-me os olhos para as verdadeiras encenações em um campo de batalha: nada de heróis em combates corpo-a-corpo, nada de metralhadoras disparando apenas ruídos, nada de guerreiros tombados por tiros assépticos... A realidade era bem mais sangrenta e dolorosa. Se meu pai tinha alguma veia poética, jamais a exibiu; preferia posar de casca grossa. Preferia que seu filho não guardasse ilusões.
Nos filmes de guerra, passei a enxergar os figurantes; aqueles soldados que rastejam e correm ao fundo, em desespero e agonia. Desfocados, recebem os tiros e amargam as bombas, sem participar da história. Sem nome e sem vida pregressa, estão lá apenas para fazer número, compor as estatísticas; dependem apenas da sorte. Minha cabeça de cinéfilo entrou em parafuso: seria possível realizar um drama de guerra apenas com figurantes? Por óbvio, todo drama de guerra que se preze precisa de protagonistas e coadjuvantes; são eles quem carregam os dramas e nos fazem algum sentido; mas será que um exército de figurantes conseguiria vencer a guerra?
Quando assisti ao filme Corações de Ferro, dirigido em 2014 por David Ayer, cheguei a acreditar que sim! Os soldados que ele nos permite acompanhar pelo campo de batalha são tão opacos e impenetráveis que parecem desconhecidos – exatamente como aqueles homenageados com flores e bandas marciais. São cinco homens exauridos, confinados em um tanque Sherman, que participam da invasão da Europa nos últimos dias da Segunda Guerra. A blindagem que os protege é a mesma que os torna expostos e vulneráveis. Seguem mesmo assim, munidos com a coragem de quem já não tem nada a perder. E se metem em algumas das batalhas mais ferozes já filmadas, neste que é um dos dramas de guerra mais realistas aos quais já assisti.
Depois de assistir a esse filme, fiquei curioso para saber quem inventou o tanque de guerra. Quem teve a cruel ideia de enlatar guerreiros junto com suas bombas? Seja quem for, talvez só quisesse proteger seus soldados; torná-los mais eficientes e ainda mais letais. Bobagem! Em Corações de Ferro o diretor David Ayer, fluente na linguagem dos filmes de ação – já dirigiu Dia de Treinamento e Marcados Para Morrer –, mostra que não é nada disso! Um tanque é tão mortal para quem está do lado de dentro quanto para quem está lá fora.
A trama do filme se passa em abril de 1945, quando nenhum soldado imaginava que em poucos dias a guerra acabaria. O tanque, batizado de Fury, carrega cinco soldados ocos de esperança: Don Collier (Brad Pitt), Norman Ellison (Logan Lerman), Boyd Swan (Shia LaBeouf), Trini Garcia (Michael Peña) e Grady Travis (Jon Bernthal). Eles seguem num estado de inércia, ao sabor da violência. De batalha em batalha, cruzam a devastada paisagem rural da Alemanha, mas encontram tempo para contemplar o absurdo manicômio no qual o mundo se tornou.
David Ayer escreveu e dirigiu Corações de Ferro com a minuciosa dedicação em torná-lo o mais realista possível. O poder bélico desse filme é assustador! Os artefatos e equipamentos militares, as locações, as armas e os tanques são todos verdadeiros. As cenas de guerra blindada são tensas e coreografadas em seus detalhes estratégicos e táticos. Tudo para materializar diante dos nossos olhos a fúria da guerra em toda a sua intensidade.
Talvez ocupado demais com o preciosismo gráfico do seu filme, o diretor se descuidou na hora de desenhar seus personagens – são estereotipados e superficiais, sem conteúdo dramático para além das circunstâncias extremas que vivenciam. Mas pelo menos David Ayer contou com um elenco competente e talentoso, que entrega atuações precisas, econômicas e tocantes; eles tornam Corações de Ferro um filme de guerra acima da média; um drama de guerra diferente, onde todos os soldados lutam feito figurantes, embolados num alvoroço insano e infernal chamado guerra.
DENTRO DE UM TANQUE DE GUERRA, SÓ HÁ ESPAÇO PARA A FÚRIA
Tinha uns dez anos e estava convicto de que o sujeito que havia inventado a televisão não o fizera para exibir noticiários; filmes, séries e desenhos animados eram, certamente, a razão de tudo! Sempre que meu pai se acomodava no sofá para a assistir ao jornal, minha paciência era testada – tudo era desinteressante e se reclamasse, o velho chiava feito uma chaleira fervente, pedindo silêncio. Aquele era o intervalo da grade de programação que menos gostava, mas ficava ali, ao lado do meu pai, fazendo e granjeando companhia. Numa daquelas noites, o telejornal exibiu uma matéria sobre as autoridades de um país europeu que, durante uma cerimônia abarrotada de gente, depositavam flores no túmulo do soldado desconhecido. Minha pergunta saiu ligeira e espontânea:
– Quem era o soldado desconhecido?
Meu pai abriu um sorriso debochado; achou graça no que perguntei, mas quando teve que pensar no que responderia, assumiu um semblante professoral. Explicou-me, com objetividade, que não havia soldado nenhum enterrado naquele túmulo. Era apenas um monumento, um símbolo, que homenageava todos os soldados mortos na guerra e que não puderam ser identificados; porque estavam sem as placas de identificação no pescoço; porque não puderam ser reconhecidos, já que estavam desfigurados; porque seus corpos ficaram tão destroçados que ninguém poderia saber a qual soldado as partes pertenciam.
Fiquei horrorizado! Vi as imagens mais cruentas da guerra, que jamais me passaram pela cabeça. Meu pai, com seu espírito prático e sua franqueza desconcertante, abriu-me os olhos para as verdadeiras encenações em um campo de batalha: nada de heróis em combates corpo-a-corpo, nada de metralhadoras disparando apenas ruídos, nada de guerreiros tombados por tiros assépticos... A realidade era bem mais sangrenta e dolorosa. Se meu pai tinha alguma veia poética, jamais a exibiu; preferia posar de casca grossa. Preferia que seu filho não guardasse ilusões.
Nos filmes de guerra, passei a enxergar os figurantes; aqueles soldados que rastejam e correm ao fundo, em desespero e agonia. Desfocados, recebem os tiros e amargam as bombas, sem participar da história. Sem nome e sem vida pregressa, estão lá apenas para fazer número, compor as estatísticas; dependem apenas da sorte. Minha cabeça de cinéfilo entrou em parafuso: seria possível realizar um drama de guerra apenas com figurantes? Por óbvio, todo drama de guerra que se preze precisa de protagonistas e coadjuvantes; são eles quem carregam os dramas e nos fazem algum sentido; mas será que um exército de figurantes conseguiria vencer a guerra?
Quando assisti ao filme Corações de Ferro, dirigido em 2014 por David Ayer, cheguei a acreditar que sim! Os soldados que ele nos permite acompanhar pelo campo de batalha são tão opacos e impenetráveis que parecem desconhecidos – exatamente como aqueles homenageados com flores e bandas marciais. São cinco homens exauridos, confinados em um tanque Sherman, que participam da invasão da Europa nos últimos dias da Segunda Guerra. A blindagem que os protege é a mesma que os torna expostos e vulneráveis. Seguem mesmo assim, munidos com a coragem de quem já não tem nada a perder. E se metem em algumas das batalhas mais ferozes já filmadas, neste que é um dos dramas de guerra mais realistas aos quais já assisti.
Depois de assistir a esse filme, fiquei curioso para saber quem inventou o tanque de guerra. Quem teve a cruel ideia de enlatar guerreiros junto com suas bombas? Seja quem for, talvez só quisesse proteger seus soldados; torná-los mais eficientes e ainda mais letais. Bobagem! Em Corações de Ferro o diretor David Ayer, fluente na linguagem dos filmes de ação – já dirigiu Dia de Treinamento e Marcados Para Morrer –, mostra que não é nada disso! Um tanque é tão mortal para quem está do lado de dentro quanto para quem está lá fora.
A trama do filme se passa em abril de 1945, quando nenhum soldado imaginava que em poucos dias a guerra acabaria. O tanque, batizado de Fury, carrega cinco soldados ocos de esperança: Don Collier (Brad Pitt), Norman Ellison (Logan Lerman), Boyd Swan (Shia LaBeouf), Trini Garcia (Michael Peña) e Grady Travis (Jon Bernthal). Eles seguem num estado de inércia, ao sabor da violência. De batalha em batalha, cruzam a devastada paisagem rural da Alemanha, mas encontram tempo para contemplar o absurdo manicômio no qual o mundo se tornou.
David Ayer escreveu e dirigiu Corações de Ferro com a minuciosa dedicação em torná-lo o mais realista possível. O poder bélico desse filme é assustador! Os artefatos e equipamentos militares, as locações, as armas e os tanques são todos verdadeiros. As cenas de guerra blindada são tensas e coreografadas em seus detalhes estratégicos e táticos. Tudo para materializar diante dos nossos olhos a fúria da guerra em toda a sua intensidade.
Talvez ocupado demais com o preciosismo gráfico do seu filme, o diretor se descuidou na hora de desenhar seus personagens – são estereotipados e superficiais, sem conteúdo dramático para além das circunstâncias extremas que vivenciam. Mas pelo menos David Ayer contou com um elenco competente e talentoso, que entrega atuações precisas, econômicas e tocantes; eles tornam Corações de Ferro um filme de guerra acima da média; um drama de guerra diferente, onde todos os soldados lutam feito figurantes, embolados num alvoroço insano e infernal chamado guerra.
Sim, há testosterona transbordando por todos os lados, mas há também emoções verdadeiras e valores morais que os apreciadores do gênero saberão reconhecer entre as espetaculares cenas de batalhas.Ano de produção: 2014
Direção: David Ayer
Roteiro: David Ayer
Elenco: Brad Pitt, Logan Lerman, Shia LaBeouf, Michael Peña, Jon Bernthal, Jason Isaacs, Scott Eastwood, Xavier Samuel, Brad William Henke, Anamaria Marinca, Alicia von Rittberg, Kevin Vance, Branko Tomović, Iain Garrett, Eugenia Kuzmina, Stella Stocker, Miles J.D. Vedder, Marlon Blue, Jack Cooper Stimpson,Chris Wilson e Lawrence Spellman
Resenha crítica do filme Corações de Ferro
Direção: David Ayer
Roteiro: David Ayer
Elenco: Brad Pitt, Logan Lerman, Shia LaBeouf, Michael Peña, Jon Bernthal, Jason Isaacs, Scott Eastwood, Xavier Samuel, Brad William Henke, Anamaria Marinca, Alicia von Rittberg, Kevin Vance, Branko Tomović, Iain Garrett, Eugenia Kuzmina, Stella Stocker, Miles J.D. Vedder, Marlon Blue, Jack Cooper Stimpson,Chris Wilson e Lawrence Spellman
Bom drama de guerra
ResponderExcluirAtuação madura de Pitt
Direção competente que envolve
Sim, Alexander. E o melhor é que a produção alcançou um elevado nível de realismo!
ExcluirBom drama de guerra
ResponderExcluirAtuação madura de Pitt
Direção competente que envolve