O Auto da Compadecida: vai além do significado de encenação popular e vira um grande filme

Cena do filme O Auto da Compadecida
O Auto da Compadecida: filme dirigido por Guel Arraes

UM FILME COM FORTE SOTAQUE DE... TELEVISÃO

Assim como Pier Paolo Pasolini se debruçou, no começo dos anos 1970, a traduzir para a linguagem do cinema as histórias medievais que Boccaccio imortalizou em Decamerão, Guel Arraes se entregou com prazer à tarefa de verter para o cinema três peças escritas por Ariano Suassuna; as condensou no seu filme O Auto da Compadecida. Realizou um inteligente exercício de cinema, que conseguiu ultrapassar os regionalismos e ganhar contornos universais – embora o trato com língua portuguesa ponha barreiras no mercado internacional, a trama e os personagens esboçados a partir de arquétipos podem ser facilmente reconhecidos em qualquer país católico.
        A inspiração em Decamerão ficou explícita na fotografia e na direção de arte, onde as tonalidades ocres e arenosas imperam; o diretor encontrou os paralelos entre o interior da Paraíba dos anos 30 e a paisagem italiana do Século XIV. É na narrativa ágil, porém, que o filme O Auto da Compadecida se diferencia. Ao condensar as peças Auto da Compadecida, O Santo e a Porca e Torturas de um Coração, Guel Arraes concentrou sua atenção em Chicó e João Grilo, para imprimir uma unidade dramática mais envolvente.
        Antes de virar filme, O Auto da Compadecida viveu sua encarnação como minissérie; é daí que vem o forte sotaque televisivo, que trouxe muita personalidade à produção, com seus planos e contraplanos enquadrados para a telinha. Além disso, a presença de atores e atrizes consagrados nas telenovelas faz com que o espectador brasileiro se sinta... em casa! As atuações são marcantes e o elenco esbanja carisma.
        Ao exalar um humor espontâneo e popular, os personagens de Matheus Nachtergaele e Selton Mello ganham profundidade, na medida em que a esperteza de um e o caráter do outro são postos à prova em situações divertidíssimas. Se o livro de Giovanni Boccaccio marcou a transição da literatura, de uma abordagem transcendental para uma mais realista, o filme O Auto da Compadecida parece ter marcado a transição da linguagem audiovisual no Brasil. Passamos de uma era pré-internet para a atual, onde múltiplas plataformas disputam nossa atenção.
        Encontrar o filme O Auto da Compadecida nos serviços de streaming e poder revê-lo sempre que desejar é um privilégio para muitos cinéfilos.

Resenha crítica do filme O Auto da Compadecida

Ano de produção: 2000
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes, a Adriana Falcão e João Falcão
Elenco: Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Marco Nanini, Denise Fraga, Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Rogério Cardoso, Paulo Goulart e Maurício Gonçalves

Comentários

  1. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️

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  2. Excelente filme e sua crônica é muito importante pois além de mostrar o marco dessa transição dessa linguagem audiovisual você fala das três peças de Suassuna..

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    1. Grato. De fato, isso tem escapado do público. Trata-se de uma adaptação para o discurso audiovisual, que resultou num produto diferente das peças de Suassuna.

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