Os Intocáveis: mais que thriller, um drama envolvente

Cena do filme Os Intocáveis
Os Intocáveis: filme dirigido por Brian de Palma

UMA HISTÓRIA EMBLEMÁTICA SOBRE A CHICADO DOS ANOS 1930

De tempos em tempos me pego assistindo ao filme Os Intocáveis, aquele realizado em 1987 por Brian de Palma. Lembro de todas as cenas em seus mínimos detalhes e até sei algumas falas de cor; ainda assim, é um deleite mergulhar por duas horas no atraente universo visual criado pelo diretor. Quando vi o filme pela primeira vez – foi no cinema –, fiquei empolgado; Eliot Ness e seus intocáveis ganharam na telona uma nova dimensão, bem mais heroica do que aquela guardada nas minhas memórias de criança.
        Quando era pequeno, havia uma série de TV intitulada Os Intocáveis, realizada num mofado preto-e-branco e exibida com uma dublagem que já me soava antiquada. Lembro de não ter permissão para assistir àqueles episódios tão violentos e com temática voltada para adultos. Intrigado com o título, perguntei a um tio qual era o significado:
        – É porque eles não aceitam propina. Não se vendem para os bandidos – explicou, sem entrar em mais detalhes. Com o passar do tempo descobri que Eliot Ness era um personagem real; conseguiu prender Al Capone, mas não pelos crimes que cometeu: foi porque o bandido não pagava imposto de renda!
        Em 1987, quando entrei na sala de cinema, isso era tudo o que sabia sobre o filme Os Intocáveis. Esperava ver um thriller policial repleto de tiros e perseguições, mas o que vi foi um excelente melodrama, ágil e envolvente, com personagens bem desenvolvidos e narrado com maestria. É violento e pessimista – os heróis sofrem muitas perdas e os criminosos são acobertados por políticos e policiais corruptos –, mas tem um final digno e esperançoso.
        Antes de falar de Brian de Palma, é importante examinar o roteiro que ele filmou em Os Intocáveis. Foi escrito pelo lendário David Mamet, autor de dezenas de peças e roteiros marcantes, entre eles O Veredito, Sucesso a Qualquer Preço, Ronin e Hannibal. Ele se baseou na série de TV dos anos 60 e também na autobiografia de Elliot Ness, escrita em parceria com Oscar Fraley. Mamet é o tipo do roteirista que adora uma sala de cinema e se diverte enquanto assiste a um bom filme; imagino que fique o tempo todo à espreita, prestando atenção na reação dos espectadores. Depois, deve conversar com eles, para tentar descobrir como apreciaram as cenas, do que se lembram...
        Em Os Intocáveis, Mamet deixou o enredo fluir de forma orgânica; as cenas não são encadeadas para dar explicações ao espectador, mas para seguir os passos dos personagens em suas decisões e nas consequências que elas geram. É assim que ele consegue retratá-los com alguma profundidade e ao mesmo tempo abrir espaço para que os atores façam seu trabalho. Seu roteiro entregou de bandeja todos os elementos dramáticos e Brian de Palma só precisou colocá-los em movimento.
        Agora sim, podemos falar do ótimo trabalho realizado pelo diretor! O grande sucesso de Os Intocáveis é resultado de como ele foi filmado; Brian de Palma criou um universo estilizado, que reconstruiu aquela Chicago dos anos 30 retratada nos antigos filmes de gângsteres e que ficou impressa no imaginário do público. Conseguiu uma combinação perfeita entre lindos cenários, belos figurinos e movimentos de câmera ousados e precisos. E, é claro, veio com uma trilha sonora marcante – que às vezes parece disposta a roubar a cena! – composta pelo genial Ennio Morricone.
        O efeito estético criado por Brian de Palma para o filme Os Intocáveis atenuou os vestígios de realidade contidos na história. Já não estamos diante do Eliot Ness que se autobiografou, nem do Al Capone mitificado como líder do crime organizado; o que vemos nada tem a ver com o documental. É pura dramatização... quase escorregando para a ficção. Ou seja: cinema em estado puro!
        O filme Os Intocáveis conta a história do agente federal Eliot Ness (Kevin Costner), destacado para combater a criminalidade numa Chicago refém das quadrilhas que se desenvolveram pelas beiradas da lei seca. Ele consegue montar um time de policias honestos, formado por Jim Malone (Sean Connery), George Stone (Andy Garcia) e Oscar Wallace (Charles Martin Smith). Destemidos, os quatro enfrentam os corruptos da cidade e se dedicam a levar Al Capone (Robert De Niro) a julgamento. E vão até as últimas consequências, usando todas as armas que conseguem encontrar.
        No seu roteiro, David Mamet deixou claro quem sãos os bandidos e quem são os mocinhos. O Al Capone que ele nos apresenta não é idolatrado; vemos apenas suas camadas psicológicas superficiais, de forma estereotipada. Robert de Niro fez um trabalho excelente ao caracterizá-lo como ele de fato era: o poderoso comandante de um império do crime, cínico, violento e assassino.
        Quanto ao Malone de Sean Connery, exala credibilidade e verossimilhança. É o perfeito retrato de como um autêntico policial deveria ser e se comportar. O filme ​​foi indicado para quatro Óscares, mas apenas Connery saiu com a estatueta de melhor ator coadjuvante, o único para o qual foi indicado em toda a sua carreira. Palmas para ele, que partiu recentemente e deixou enlutado todo o universo do cinema.
        Olha... Com esse final, encontrei mais um bom motivo para revisitar Os Intocáveis, pela enésima vez!

Resenha crítica do filme Os Intocáveis

Título original: The Untouchables
Ano de produção: 1987
Direção: Brian De Palma
Roteiro: David Mamet
Elenco: 
Kevin Costner, Charles Martin Smith, Andy García, Robert De Niro, Sean Connery, Patricia Clarkson, Billy Drago, Richard Bradford, Jack Kehoe, Brad Sullivan, Del Close, Vito D'Ambrosio, Clifton James e Don Patrick Harvey

Comentários

  1. Mais uma na mosca Fábio. Uma excelente crônica pra descrever um excelente filme. Sem precisar recorrer à famosa cena da escadaria na estação de trem.

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    1. Ah, Clovis, você percebeu!!!! De fato, contornei a escadaria porque sabia que muitos iriam tocar no assunto. Preferi falar do roteiro! Valeu! Um abração!

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    2. Esse é o filme onde é mais difícil se escolher o melhor ator coadjuvante: o carismático Sean Connery, o sempre perfeito Robert de Niro ou o diabólico Billy Drago…

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  2. David Mamet usou a da escadaria da etação com o carrinho de bebê, essa idéia ele usou do do filme do grande diretor Russo Serguei Eisenstein do filme A Greve, a escadaria de Odessa , filme e Diretor que mudou planos e Angulos dos filmes por ele produzido,seu método tornou-se universal
    no cinema!

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  3. Eu sou Paulo Janiques, escrevi o texto acima!

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    1. Olá, Paulo. Sim, a ideia foi homenagear o filme de Eisenstein, O Encouraçado Potemkin. A tensão da cena da escadaria é imensa, mas achei desnecessário citá-la na crônica. Que bom que você lembrou disso!

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  4. O filme Os Intocáveis de Brian de Palma é perfeito, maravilhoso e eu não consigo imaginar outros atores para representar os personagens. Assisti muitas vezes.
    vezes e

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    1. De fato, os atores acabaram se inserindo à perfeição nessa produção impecável!

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  5. • Eu classifico “Os Intocáveis” de Brian de Palma - de 1987 (não confundir com "Intocáveis" ("Intouchables"), filme francês de 2011) como o melhor filme policial e um dos melhores épicos que já assisti. Tirando o fato de ser uma adaptação um tanto exagerada e romantizada dos eventos reais que a motivaram e com um certo excesso de liberdade na adaptação (isso é comum e quase inevitável nos filmes baseados em histórias reais) em tudo mais é um trabalho memorável e digno de ser revisto muitas vezes. Sempre tive curiosidade sobre a história de Eliot Ness e seu grupo e do período histórico americano da grande depressão bem como o da “Lei seca” (esse termo - aliás não é usado pelos americanos. Eles a chamam de “ Volstead Act (Lei Volstead) - como referência ao senador que a aprovou em 1919 - e é assim que é referida no filme -no idioma original). O elenco é excelente desde os consagrados Kevin Costner e Robert De Niro até a atriz estreante Patricia Clarkson (que faz o papel da lindíssima esposa de Eliot Ness). Mesmo o ator Billy Drago - que quase só apareceu em filmes "b" de qualidade duvidosa em sua carreira - nesse filme literalmente “arrasa” no papel do gangster cínico Frank Nitti -guarda costas de Capone. Ennio Morricone foi um dos melhores criadores de música cinematográfica de todos os tempos. Ele foi o criador das músicas inesquecíveis de “Era uma vez no oeste” de Sergio Leone e de “Cinema Paradiso” só para citar algumas entre inúmeras trilhas. Mas -para mim – seu melhor trabalho foi o deste filme (eu possuo um disco de vinil com a trilha original que gosto de ouvir até hoje). Ela foi vencedora do prêmio “Grammy”. O suspense é magnificamente trabalhado. Brian de Palma é um assumido admirador de Alfred Hitchcock é parece ter aprendido muito com ele. Eu li a autobiografia de Eliot Ness escrita em parceria com Oscar Fraley na qual ele próprio contou a história de seu grupo e a luta contra Al Capone e seu império do mal. Há muitas coisas que não foram "exatamente" como o filme mostra. Eliot Ness nem sequer era casado. O personagem Malone não existiu (na verdade é uma adaptação meio fantasiosa de um dos apoiadores de Ness - que de fato - foi tragicamente assassinado pela gangue de Capone). Frank Nitti NÃO foi morto por Ness como é mostrado no filme- na realidade suicidou-se muitos anos depois da prisão de Capone. O espetacular tiroteio na estação de trem também nunca ocorreu. Capone e Ness só se encontraram pessoalmente no julgamento - portanto a cena incrível do encontro e desafio de Ness e Capone na escadaria do hotel é totalmente fantasiosa. . Poderia citar muitas outras divergências, mas ficarei por aqui. De qualquer forma um filme espetacular ao qual eu totalmente recomendo!

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  6. Eu classifico “Os Intocáveis” de Brian de Palma - de 1987 (não confundir com "Intocáveis" ("Intouchables"), filme francês de 2011) como o melhor filme policial e um dos melhores épicos que já assisti. Tirando o fato de ser uma adaptação um tanto exagerada e romantizada dos eventos reais que a motivaram e com um certo excesso de liberdade na adaptação (isso é comum e quase inevitável nos filmes baseados em histórias reais) em tudo mais é um trabalho memorável e digno de ser revisto muitas vezes. Sempre tive curiosidade sobre a história de Eliot Ness e seu grupo e do período histórico americano da grande depressão bem como o da “Lei seca” (esse termo - aliás não é usado pelos americanos. Eles a chamam de “ Volstead Act” (Lei Volstead) - como referência ao senador que a aprovou em 1919 - e é assim que é referida no filme -no idioma original). O elenco é excelente desde os consagrados Kevin Costner e Robert De Niro até a atriz estreante Patricia Clarkson (que faz o papel da lindíssima esposa de Eliot Ness). Mesmo o ator Billy Drago - que quase só apareceu em filmes "b" de qualidade duvidosa em sua carreira - nesse filme literalmente “arrasa” no papel do gangster cínico Frank Nitti -guarda costas de Capone. Ennio Morricone foi um dos melhores criadores de música cinematográfica de todos os tempos. Ele foi o criador das músicas inesquecíveis de “Era uma vez no oeste” de Sergio Leone e de “Cinema Paradiso” só para citar algumas entre inúmeras trilhas. Mas -para mim – seu melhor trabalho foi o deste filme (eu possuo um disco de vinil com a trilha original que gosto de ouvir até hoje). Ela foi vencedora do prêmio “Grammy”. O suspense é magnificamente trabalhado. Brian de Palma é um assumido admirador de Alfred Hitchcock é parece ter aprendido muito com ele. Eu li a autobiografia de Eliot Ness escrita em parceria com Oscar Fraley na qual ele próprio contou a história de seu grupo e a luta contra Al Capone e seu império do mal. Há muitas coisas que não foram "exatamente" como o filme mostra. No filme, a esposa de Ness se chama Catherine e eles têm uma filha . Na vida real, a esposa de Ness na época se chamava Edna e o casal não teve filhos. O personagem Malone não existiu (na verdade é uma adaptação meio fantasiosa de um dos apoiadores de Ness - que de fato - foi tragicamente assassinado pela gangue de Capone). Frank Nitti NÃO foi morto por Ness como é mostrado no filme- na realidade suicidou-se muitos anos depois da prisão de Capone. O espetacular tiroteio na estação de trem também nunca ocorreu. Capone e Ness só se encontraram pessoalmente no julgamento - portanto a cena incrível do encontro e desafio de Ness e Capone na escadaria do hotel é totalmente fantasiosa. Poderia citar muitas outras divergências, mas ficarei por aqui. De qualquer forma um filme espetacular ao qual eu totalmente recomendo!

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  7. O comentário que publiquei primeiro teve uma informação errada sobre o estado civil de Eliot Ness na época dos intocaveis. NÃO consegui edita-lo nem tão pouco exclui-lo. Por favor desconsidere. O segundo que publiquei acima teve a informação corrigida. Obrigado.

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