Sete Anos no Tibet: uma experiência real e transformadora

Cena do filme Sete Anos no Tibet
Sete Anos no Tibet: filme de Jean-Jaques Annaud

UMA ESCALADA DE POLÊMICAS, COM DOSES EXAGERADAS DE BOM CINEMA

Histórias envolvendo alpinistas tendem a nos remeter a valores como determinação, autoconfiança, destemor e desejo de superação. Nelas, os protagonistas são submetidos a provações extenuantes e o papel do vilão é quase sempre desempenhado pela natureza implacável. No filme Sete Anos no Tibet, dirigido em 1997 por Jean-Jacques Annaud, o trem da narrativa não segue por esses trilhos, mas nos conta uma história onde a palavra-chave é transformação. E termina num tema tão espinhoso e polêmico que por muito pouco o filme não descarrilha.
        O filme Sete Anos no Tibet é baseado no relato de viagem narrado no livro com o mesmo título, escrito pelo austríaco Heirich Harrer, um dos maiores montanhistas de seu tempo. Ele escalava o Himalaia quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial e foi feito prisioneiro dos ingleses na Índia, juntamente com o também alpinista Peter Aufschnaiter. Os dois escaparam e viajaram até Lhasa, a capital do Tibet conhecida como Cidade Proibida, onde passaram anos. Foi lá que Harrer conheceu a cultura tibetana como nenhum outro ocidental e acabou se tornando tutor e amigo do Dalai-Lama. Traduzido para 53 idiomas, o livro foi publicado nos Estados Unidos em 1954, onde vendeu três milhões de cópias.
        O livro já havia rendido um documentário com o mesmo título, realizado em 1956 por Hans Nieter. Já o filme Sete Anos no Tibet, de 1997, faz uma adaptação dos relatos de viagem do autor, adicionando elementos de dramatização. Aqui, Heinrich Harrer (Brad Pitt) tenta a ousadia de escalar a Nanga Parbat, a nona montanha mais alta do mundo, façanha que já havia custado a vida de grandes alpinistas. Egoísta, arrogante e dono de uma soberba desmedida, Harrer já havia abandonado a mulher grávida, deixando-a apenas com as ruinas do seu casamento. Não bastasse a escalada malsucedida, a guerra estoura e ele é feito prisioneiro pelos ingleses, mas escapa com Peter Aufschnaiter (David Thewlis) para o Tibet. É em Lhasa que Harrer vive sua transformação, incorporando os elementos da cultura tibetana e se tornando amigo íntimo do Dalai-Lama – uma criança, ainda. Generosidade, humildade, paciência... Um novo Heinrich Harrer repleto de virtudes é o alpinista que chegará ao final dessa história.
        O diretor Jean-Jacques Annaud se tornou conhecido no mundo do cinema ainda jovem, quando seu primeiro filme, Preto e Branco em Cores, de 1977, ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro. Mais tarde realizaria A Guerra do Fogo e O Nome da Rosa. Em Sete Anos no Tibet, ele abraçou a mesma empolgação e o mesmo desejo de encontrar a profundidade dos seus personagens, mas aqui precisou se esforçar mais. Em seu livro, Heinrich Harrer jamais fala sobre seu passado, suas raízes ou sua vida na Alemanha. Não dá pistas sobre sua natureza pessoal nem revela traços da personalidade. Diante de tantos segredos, o diretor e a roteirista Becky Johnston – que já havia escrito o roteiro de O Príncipe das Marés – tiveram que preencher as lacunas e criar o perfil emocional do personagem.
        No filme Sete Anos no Tibet, para viabilizar uma adaptação cinematográfica, Annaud e Johnston criaram toda uma vida para Harrer, partindo do princípio de que as desventuras que ele viveu provavelmente teriam causado sensíveis mudanças de caráter. Usando de certa licença poética, inventaram a tal esposa grávida e abandonada. Depois, rechearam o personagem com deméritos até torná-lo desprezível e antipático, pronto para seguir sua trajetória de transformação.
        Mais tarde, Annaud descobriu que os elementos de ficção que ele e a roteirista adicionaram tinham um pé plantado na realidade! Uma denúncia da revista alemã Stern revelou que Heinrich Harrer tinha um passado nazista, tendo participado da SS de Hitler. O montanhista tem até uma fotografia onde aparece ao lado do ditador. A polêmica estava lançada, gerando protestos e ataques contra o filme Sete Anos no Tibet, vindos de diferentes segmentos.
        Depois das filmagens, Annaud e Johnston adicionaram linhas de diálogo ao filme, para deixar claro as fraquezas políticas de Harrer. Assim, ao final do filme, quando a Cidade Proibida está sendo invadida pelas tropas da China comunista, o personagem se lembra das suas crenças totalitárias e lamenta ter sido tão intolerante no passado quanto os chineses que agora tomam o poder no Tibet.
        Feito videntes, os realizadores de Sete Anos no Tibet acabaram acertando. Mesmo depois das intervenções no roteiro, muitos enxergaram no filme uma tentativa de higienizar a imagem de Harrer. Porém, o próprio alpinista, morto em 2006, admitiu que o filme acertou ao mostrá-lo como um nazista desagradável, que foi transformado pelo budismo tibetano. E disse que, quando se filiou ao partido nazista, cometeu um erro ideológico estúpido. Ainda assim, há quem considere que o filme foi brando demais com ele.
        A verdade é que o filme Sete Anos no Tibet não é sobre nazistas, mas sobre o budismo, sua filosofia e seus valores espirituais. Abre a janela para uma cultura que ainda hoje desperta curiosidade e nos dá uma ideia de como era o estado tibetano independente, antes de ser dominado pelos comunistas chineses. Aliás, outra coisa que o diretor Jean-Jacques Annaud conseguiu com seu filme foi irritar a China. Ele, Brad Pitt e David Thewlis foram declarados personae non gratae naquele país e seu filme passou a ser proibido por lá!

Resenha crítica do filme Sete Anos no Tibet

Ano de produção: 1997
Direção: Jean-Jacques Annaud
Roteiro: Becky Johnston
Elenco: Brad Pitt, David Thewlis, B.D. Wong, Mako, Danny Denzongpa, Victor Wong, Ingeborga Dapkunaite, Jamyang Jamtsho Wangchuk, Lhakpa Tsamchoe, Jetsun Pema, Ama Ashe Dongtse, Sonam Wangchuk, Dorjee Tsering, Ric Young, Ngawang Chojor, Duncan Fraser, Benedick Blythe e Wolfgang Tonninger

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