Tempo: um mistério enrolado em questões éticas

Cena do filme Tempo
Tempo: filme de M. Night Shyamalan

ENVELHECENDO SEM O BÔNUS DA EXPERIÊNCIA DE VIDA

O que é o tempo? A tirada espirituosa de Santo Agostinho, no seu livro autobiográfico As confissões, já virou resposta clássica: “Se ninguém me pergunta, eu o sei, mas se me perguntam, e quero explicar, não sei mais nada.” A frase se popularizou, porque a maioria de nós não quer se perder com divagações. Sempre de olho no relógio, estamos mais preocupados com os compromissos a cumprir. Feito peixes que se movem sem atinar para a existência da água, seguimos com a vida, distraídos para a passagem do tempo. Segundo os físicos, ele é de uma constância implacável: não se apressa, não se cansa, não pára. Mas não é o que diz o senso comum. Quando estamos nos divertindo, o tempo voa, quando estamos na cadeira do dentista, ele se arrasta. Na medida em que o tempo flui, ficamos mais velhos. E se ficamos mais velhos, é porque acumulamos mais tempo de vida. Essa lógica cristalina vai por terra no filme Tempo, dirigido em 2021 por M. Night Shyamalan.
        Desse cineasta indo-americano, podemos esperar surpresas, jamais o convencional. Desde que explodiu com O Sexto Sentido, construiu uma filmografia baseada em temas fantásticos e sobrenaturais, sempre abordados de modo a valorizar os pontos de virada. Em Tempo, Shyamalan parece estar à vontade, lindando com o elemento que mais aprecia: o mistério. Seu filme é intrigante, espirituoso, perturbador... Alterna momentos de angustia com espasmos de humor tolo, mas justificável diante do problema bizarro enfrentado por seus personagens. Aliás, personagens muito bem construídos, que ajudaram o fluxo dramático da história. Vejamos uma sinopse:
        Tempo conta a história de Guy (Gael García Bernal) e Prisca (Vicky Krieps), um casal estressado, que mantém seu processo de divórcio oculto dos filhos, Maddox (Alexa Swinton) de 11 anos e Trent (Nolan River) de seis. Os quatro chegam a um luxuoso resort de praia onde se entregam às merecidas férias – encontraram na internet uma promoção milagrosa e imperdível. Bem recepcionados e devidamente acomodados, descobrem que a estadia pode ficar ainda melhor: terão o privilégio de conhecer uma praia secreta e paradisíaca, acessível a pouquíssimos hóspedes. Aceitam o convite e são levados de van até o local – o motorista é o próprio Shyamalan, que faz uma aparição especial em seu filme.
        Na praia, descobrem que o local é lindo e... mágico! Mas não passarão o dia sozinhos. Outros hóspedes também foram convidados: Mid-Sized Sedan (Aaron Pierre), uma celebridade do rap, Charles (Rufus Sewell), um cirurgião estressado, que vem acompanhado da esposa Chrystal (Abbey Lee), da sogra Agnes (Kathleen Chalfant) e da filhinha Kara (Kyle Bailey), além do enfermeiro Jarin (Ken Leung) e sua mulher, Patricia (Nikki Amuka-Bird), que sofre de ataques epiléticos.
        Então começam os problemas! Há um cadáver trazido pelo mar. Tentam buscar ajuda, mas descobrem que não conseguem sair do local, impedidos por alguma força misteriosa. Talvez a mesma força que começa a produzir fenômenos bizarros, como a rápida cicatrização de cortes, as roupas das crianças ficando apertadas, os pés de galinha brotando no rosto... Espere! É o tempo que está passando depressa demais? Ou são eles, que estão envelhecendo numa velocidade incrível? Os personagens precisam se apressar, se quiserem entender o que está acontecendo e como resolver o problema!
        O roteiro escrito por M. Night Shyamalan é baseado na história em quadrinhos intitulada Sandcastle, escrita por Pierre Oscar Lévy e ilustrada pelo artista gráfico suíço Frederik Peeters. Suas 112 páginas contam a história de um jovem casal que chega em uma praia paradisíaca, sem saber que ela esconde um segredo: as pessoas que ali estão não conseguem sair e envelhecem rapidamente – é o oposto do sonho de encontrar uma fonte da juventude. Talvez morram de velhice até o final do dia! O enredo, digno de virar episódio da antiga série Além da Imaginação, pisa em temas existenciais e nos faz lidar com as inconveniências da condição humana. Porém, os autores não se preocupam em dar explicações que ajudem o leitor a entender o mistério.
        No filme Tempo, Shyamalan faz o contrário. Vem com respostas e desemboca num final explicativo, que divide os cinéfilos quanto à sua pertinência e propriedade. O diretor conta que foi presenteado por suas filhas com um exemplar da história em quadrinhos. Leu e ficou entusiasmado com o tom de mistério e a humanidade do tema. Decidiu adaptá-la para as telas, mas fez algumas pequenas alterações. Criou novos personagens e usou a imaginação para encontrar explicações convincentes. Hábil na condução da linguagem cinematográfica, estruturou um roteiro preciso, que narra o comovente drama dos protagonistas por meio de elementos de horror, thriller psicológico e doses de humor sutil.
        O diretor conseguiu lidar bem com o envelhecimento dos personagens. Convocou um elenco excelente e soube manter a coesão nas atuações. Vários atores, para interpretar personagens em diferentes idades, aumentam o tamanho do desafio, mas Shyamalan encontrou soluções narrativas engenhosas. Seu filme corre ágil e prende a atenção até o final. Faz pensar, incomoda e nos instiga a olhar em volta, para nossos pais, nossos filhos e nossa própria imagem no espelho. Que o tempo passará implacável, é certo. Que a velhice chegará, é o que todos esperamos. Mas quando ela vem rápido demais e sem a experiência de vida que traz como bônus, não tem graça nenhuma!
        De minha parte, já havia me dado por satisfeito quando o filme estava prestes a acabar, deixando no ar uma névoa de enigma me obrigando a usar a imaginação. Mas então, tudo se esclarece e somos puxados de volta à realidade. O drama do envelhecimento fica em segundo plano e a velha ganância humana assume o protagonismo. Pronto, mistério resolvido! Lá vamos nós, de olho no relógio, mais preocupados com os compromissos a cumprir. Esse final foi desnecessário!

Resenha crítica do filme Tempo

Título original: Old
Ano de produção: 2021
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro M. Night Shyamalan
Elenco: Gael García Bernal, Eliza Scanlen, Thomasin McKenzie, Aaron Pierre, Alex Wolff, Vicky Krieps, Abbey Lee, Embeth Davidtz, Rufus Sewell, Ken Leung, Nikki Amuka-Bird, Emun Elliott e Nolan River

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