Elvis: o cantor refém do seu empresário vilão

Cena do filme Elvis
Elvis: filme dirigido por Baz Luhrmann

UM FILME ESFUZIANTE, QUE SÓ FAZ PRESERVAR O MITO

Quando entrei na sala de exibição para assistir ao filme Elvis, esperava conhecer mais sobre a pessoa que ele foi. Queria ser apresentado às diferentes camadas da sua personalidade, saber das escolhas e renúncias que precisou fazer para se tornar um astro global e me emocionar com as alegrias e angústias que pontuaram sua vida acelerada... É claro que não esperava uma cinebiografia densa, afinal, filme sobre o Rei do Rock tem que enfatizar o mito que ele foi. Tem que ser sobre música e espetáculo! Tem que reproduzir a magia que só acontece nos palcos. Porém, confesso que não estava preparado para as idiossincrasias do diretor Baz Luhrmann, cujo nome é o que aparece com mais insistência durante a rolagem dos créditos – a sua personalidade permanece intermediando o espetáculo o tempo todo. Devia ter imaginado que isso aconteceria, considerando a pompa dos seus filmes anteriores, Moulin Rouge e O Grande Gatsby.
        Também não estava preparado para encontrar um vilão tão abominável. No meu modo de ver, foi esse o grande acerto de Baz Luhrmann. Ao transformar em narrador da sua história o lendário empresário de Elvis Presley, ele descobriu um fio condutor forte o suficiente para sustentar a longa metragem da sua produção – duas horas e quarenta minutos, lembrando que o diretor tem na manga um corte de quatro horas, a ser lançado oportunamente. Não fosse toda a vilania, teríamos pouco mais do que um grande show para assistir, o que não desagradaria aos fãs, mas frustraria aqueles interessados em cinema do bom. Felizmente, Elvis é cinema do bom! Está ancorado em quatro pilares robustos: uma estrutura narrativa bem arquitetada, uma banda sonora impecável, concepção visual criativa e performances com alto valor artístico.
        Baz Luhrmann e seus roteiristas se valeram do mesmo truque usado para contar a história de Mozart, no filme Amadeus, onde imputaram a um invejoso Salieri a culpa pela morte do gênio musical. Aqui, a vida de Elvis Presley é contada a partir da perspectiva do Coronel Tom Parker (Tom Hanks), o sujeito que controlou a carreira do astro com mãos de ferro. À beira da morte, no hospital, ele fala a nós, espectadores, tentando nos convencer de que não é o vilão, mas sim o herói, pois deu Elvis Presley de presente ao mundo. Que não foi responsável por sua morte, mas sim por ter lhe dado as asas que o levaram ao topo. Que tudo o que fez pelo astro foi o certo. Que nós, seus fãs, somos os verdadeiros culpados por fazê-lo se extinguir em melancolia e depressão.
        É nesse confronto direto com um narrador nada confiável, que seguimos acompanhando os passos de Elvis Presley (Austin Butler), desde o início da sua carreira ao lado da mãe Gladys (Helen Thomson) e do pai Vernon (Richard Roxburgh). O vemos galgar o sucesso, inspirado em nomes como B.B. King (Kelvin Harrison Jr.), Little Richard (Alton Mason) e "Big Mama" Thornton (Shonka Dukureh). O vemos partir para a Alemanha, onde prestou serviço militar, numa tentativa de banir seus ímpetos lascivos dos palcos da América puritana. O vemos casando com Priscilla (Olivia DeJonge) e se empenhando na tão sonhada carreira de ator em Hollywood. O vemos ressurgindo para a música no especial de Natal para a TV, em 1968. O vemos exilado em Las Vegas, onde terminou seus dias como um animal enjaulado, disponível para visitação.
        O público conhece bem essa história – sabe até mais do que os realizadores conseguiram cobrir ao longo do filme – mas Baz Luhrmann não se arriscou a trazer novidades. Preferiu manter o protagonista no palco, exercendo seu ofício de mito! Jamais o vemos na intimidade, revelando sua verdadeira personalidade. Os poucos vislumbres aparecem quando alguém oferece drogas para Elvis Presley, quando ele lança um olhar apaixonado para Priscila, quando chora a perda da mãe... Mas é tudo tão rápido que não temos tempo de nos perguntar se ele era mesmo de verdade ou se era algum... alienígena! Tudo segue numa enxurrada de cenas ágeis e empolgantes, afinal, o show tem que continuar!
        E continua com grande força artística, impulsionado por uma música brilhante, supervisionada pelo compositor e produtor Elliott Wheeler, antigo colaborador de Luhrmann. Juntando mais de 30 sucessos de Elvis Presley, ele montou uma trilha sonora dinâmica, que teve influência direta na estrutura narrativa do filme. As canções não são apresentadas em ordem cronológica, mas seguem o fluxo emocional da história. A equipe de Wheeler chegou a unir fragmentos de diferentes peças musicais para gerar novas criações, adequadas aos diferentes momentos dramáticos da narrativa.
        É notável como a equipe de Wheeler tratou a voz de Elvis Presley com a máxima fidelidade, mantendo suas características reais ao longo das diferentes fases da carreira. Com acesso às gravações originais, ficaram confortáveis para usar a voz verdadeira do cantor, sempre que necessário. Porém, é preciso notar que toda a primeira fase do filme, até o especial de Natal de 1968, a voz que aparece no filme é a do ator Austin Butler, que entregou um desempenho impressionante.
        Como astro pop, Elvis Presley precisava receber tratamento especial também no campo visual. A diretora de fotografia Mandy Walker, que também já colaborou com Luhrmann anteriormente, foi a responsável por manter a coerência visual do filme, atendendo aos excessos extravagantes impostos pelo diretor – excessos que são, em muitos momentos, coerentes com a persona artística do astro. Usando uma iluminação complexa, enquadrando grandes cenários e sempre destacando a presença das multidões, ela soube trabalhar em sintonia com as demandas da equipe de edição. Mesmo em meio a tantas telas divididas, conseguiu capturar em detalhes a estonteante performance de Austin Butler.
        O ator não surpreendeu pela semelhança física com Elvis Presley, mas pela capacidade de remontar ao mito impresso no imaginário do público. Os gestos e maneirismos estão todos lá, emulados à perfeição. O ator leu, ouviu e assistiu a tudo que há disponível sobre o personagem, mostrando dedicação absoluta em incontáveis horas de treinamento. Sua performance no palco é a âncora que permitiu a Baz Luhrmann esculpir com segurança a visão artística que trouxe para o filme Elvis.
        Outra performance importante é a de Tom Hanks. Ele criou um vilão caricato e atraiu para si a leve atmosfera de paródia que respiramos no filme. Seu Coronel Tom Parker tem apenas uma face e está longe de ser a personalidade complexa e misteriosa que realmente foi. Marqueteiro competente e pai das estratégias de merchandising, ele tem lugar cativo na história da cultura pop. Chegou aos EUA em 1929 e preservou o leve sotaque holandês, trocando algumas consoantes pontuais – mas nada tão forte quanto o sotaque nazista que ganhou na interpretação de Tom Hanks. Elvis Presley jamais rompeu com o Coronel Tom Parker e morreu sem de fato tomar conhecimento dos seus antecedentes.
        Elvis é um filme que acerta ao entreter e estimular o culto à uma das maiores celebridades que já existiram. Mas tem alguns deslizes. A sexualidade que Elvis Presley emanava nos palcos ficou sem paralelo na sua vida pessoal. Seu envolvimento com as drogas não ficou claro. E a sua influência no mundo da música ganhou exageros atemporais – os poucos compassos de hip-hop que ouvimos durante a reconstrução dos anos iniciais da sua carreira, soaram como uma licença poética inconveniente.

Resenha crítica do filme Elvis

Ano de produção: 2022
Direção; Baz Luhrmann
Roteiro: Baz Luhrmann, Sam Bromell, Craig Pearce e Jeremy Doner
Elenco: Austin Butler, Chaydon Jay, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Kelvin Harrison Jr., Xavier Samuel, David Wenham, Kodi Smit-McPhee, Luke Bracey, Dacre Montgomery, Leon Ford, Alton Mason, Yola Quartey, Gary Clark Jr., Natasha Bassett, Kate Mulvany, Josh McConville, Christopher Sommers, Nicholas Bell, Christian Kisando, John Mukristayo, Miles Burton, Gad Banza, Adam Dunn, Terepai Richmond, Patrick Shearer, Liz Blackett, Cle Morgan, Shonka Dukureh e Afik Ahmed Pious

Comentários

  1. Ainda não conferi.
    Mas vejo pelo que já li, há enfoques, e pelo visto, um filme abrangente é necessário. Talvez, uma mini série bem trabalhada. É o caso da produção Alexander de Oliver stone, um filme não basta, não se resume um personagem de tamanha grandeza e complexidade em 240 minutos que além de tudo se firma num ponto de vista e teoria. Elvis, seria menos complicado, afinal, não há mistérios em sua problemática trajetória. Mas a tentativa é louvável
    Verei com carinho.

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