Ilha do Medo: revisitar esse filme pode ser ainda melhor!

Cena do filme Ilha do Medo
Ilha do medo: filme dirigido por Martin Scorsese

AQUI, A MATÉRIA-PRIMA É SURPRESA

Um bom escritor não usa truques sujos para distrair o leitor. Não omite informações para criar suspense, nem espalha pistas falsas para pegá-lo de surpresa, em alguma virada de página lá pelo segundo terço do livro. Ao invés disso, um autor competente prefere levar o leitor a descobrir a verdade junto com o personagem. Procura colocá-lo no exato ponto de vista do protagonista, para que montem juntos o quebra-cabeça da trama e descubram a verdade. Sintam o seu impacto. Dividam as emoções. Esse é o talento de Dennis Lehane, que assina o romance Ilha do Medo, adaptado para o cinema em 2010 por Martin Scorsese.
        Lehane é um escritor muito bem aproveitado pela indústria do cinema. Em 2003 já teve seu romance Sobre Meninos e Lobos filmado por Clint Eastwood e depois, em 2007, foi a vez de seu romance Medo da Verdade ser adaptado por Bem Affleck. Agora, com esse thriller psicológico sombrio e tenso, ele nos surpreende com uma história de arrepiar. Ilha do Medo é um drama policial repleto de suspense e mistério, num estilo neo-noir salpicado de referências aos clássicos do gênero.
        Assistir ao filme pela primeira vez é uma experiência excitante, já que ele nos oferece um surpreendente ponto de virada no final – ainda que a certa altura, lá pelo terceiro ato, as suspeitas de que reviravoltas acontecerão fiquem cada vez mais fortes. E se assistirmos ao filme pela segunda vez, também nos surpreendemos: ele continua a funcionar tão bem quanto da primeira vez!
        Depois de familiarizados com a história, passamos a encarar os personagens com outros olhos. Depois de escaldados com as manobras do roteiro e do diretor, enxergamos detalhes que passaram despercebidos. Abrimos a mente para novas percepções e atribuímos novos significados às cenas. Enfim, assistimos a um outro filme.
        Ilha do Medo se passa em 1954, quando o detetive Teddy Daniels (Leonardo DiCapprio) e seu parceiro Chuck Aule (Mark Ruffalo) chegam à sombria Ilha Shutter, um hospício e também penitenciária de segurança máxima. Imbuídos de autoridade policial, estão lá para investigar o paradeiro de Rachel Solando (Patricia Clarkson), uma prisioneira que cumpre pena por ter afogado seus três filhos e misteriosamente desapareceu de sua cela. Os detetives são recepcionados formalmente pelos diretores da instituição, Dr. John Cawley (Ben Kingsley) e Dr. Jeremiah Naehring (Max von Sydow) e recebem carta branca para interrogar os atendentes, os seguranças e os pacientes.
        As investigações esbarram em resistências por parte de todos e para complicar, uma tempestade homérica deixa a ilha isolada. Isso obriga os detetives a passar a noite por lá. A estadia vira uma jornada imprevisível para Teddy, que carrega um passado traumático como ex-combatente na Segunda Guerra Mundial e se vê às voltas com seus piores medos. Suas descobertas estarrecedoras o levarão a percorrer os corredores da mente humana em busca das respostas que não gostaria de encontrar.
        A história criada por Dennis Lehane retrata o espírito de uma época anda atormentada pelos fantasmas da Segunda Guerra Mundial e os horrores do Holocausto. Seu protagonista carrega culpas, mas encontra consolo no fato de ter cumprido seu dever como soldado. As soluções narrativas que o autor encontrou para revelar o drama pessoal de Teddy são intrincadas, mas de uma coerência notável. Uma adaptação para o cinema, no formato de um thriller psicológico, precisaria manter intacta a estrutura do romance, sob pena de estragar a experiência para o espectador.
        Essa missão delicada ficou por conta de Laeta Kalogridis, uma roteirista e produtora executiva com muita experiência em vários sucessos de bilheteria – ela inclusive colaborou com James Cameron no roteiro de seu Avatar. Sabiamente, a roteirista manteve a integridade do romance e explorou seus pontos fortes. Escreveu um roteiro preciso, que fisgou Leonardo DiCaprio e Martin Scorsese. A dupla procurava por um projeto desafiador que pudessem tocar em conjunto e o encontrou em Ilha do Medo.
        Ao optar por uma estética neo-noir, o diretor conseguiu resgatar o espírito da época. Criou o ambiente cinematográfico perfeito para revelar as dinâmicas psicológicas do protagonista. Ilha do Medo é uma produção minuciosa, inspirada em grandes clássicos do gênero, mas ancorada na originalidade. É um filme pesado, que revira os escabrosos problemas mentais dos seus personagens e exala uma atmosfera de puro suspense. A matéria-prima aqui é a tristeza, com doses de violência e medo.
        Ainda bem que no comando temos um diretor experiente, que já realizou filmes como Taxi Driver, Os Bons Companheiros, Cassino, Cabo do Medo, a Invenção de Hugo Cabret e O Irlandes. Ainda bem que ele está mais interessado em fazer cinema do que causar impactos!

Resenha crítica do filme Ilha do Medo

Ano de produção: 2010
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Laeta Kalogridis
Elenco: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Michelle Williams, Emily Mortimer, Patricia Clarkson e Max von Sydow

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Comentários

  1. Já havia lido o livro 2 vezes qd vi o filme; ainda assim fiquei impactada. Revi o filme, em busca das "dicas" do diretor. Incrível como o cinema consegue nos enganar, vide O Sexto Sentido.

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  2. Gosto de Ilha do medo mas ele é mais inverossímil que homem formiga. Claramente inspirado no gabinete do Dr Caligari é muito inferior embora superior como entretenimento. É cinema?

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