O Último Imperador: um dos filmes mais premiados da história do cinema

Cena do filme O Último Imperador
O Último Imperador: direção de Bernardo Bertolucci

UMA BIOGRAFIA SUNTUOSA, COM JEITO DE FAKE NEWS

Localizada no centro de Pequim, a Cidade Proibida foi, por quase quinhentos anos, a residência oficial do imperador chinês. Ocupava mais de 720 mil metros quadrados e era cercada por um rígido sistema de segurança. Apenas o imperador, sua família e seus servos domésticos tinham acesso ao local. Qualquer incauto que fosse pego sem autorização, era sumariamente executado. Só a realeza podia usufruir de tão extraordinária suntuosidade e contemplar o seu legado arquitetônico. A plebe tinha que se contentar com a periferia. Hoje, o palácio é um museu aberto à visitação e o conjunto se tornou uma das principais atrações turísticas da China, mas só recentemente os ocidentais tiveram acesso à grandiosidade da Cidade Proibida. Foi quando o cineasta Bernardo Bertolucci conseguiu autorização do Partido Comunista Chinês para usá-la como locação, durante a produção do seu filme O Último Imperador, realizado em 1987. Pela primeira vez as câmeras do ocidente puderam bisbilhotar a intimidade do poder exercido por dinastias na China imperial.
        Bertolucci não se fez de rogado. Durante os primeiros noventa minutos do filme, usou e abusou dos belíssimos e esplendorosos cenários que ficaram à sua inteira disposição. Filmou um drama de época biográfico, reconhecido como sua obra-prima máxima, que se tornaria um dos filmes mais premiados da história do cinema. Só no Óscar foram nove estatuetas conquistadas: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor fotografia, melhor direção de arte, melhor figurino, melhor edição, melhor trilha sonora e melhor som. Seu brilho ofuscou a indústria, feito uma supernova irradiando uma poderosa energia cinematográfica.
        A grife Bernardo Bertolucci já havia assinado obras de destaque, como O Último Tango em Paris, 1900 e La Luna. Em O Último Imperador, o diretor se colocou à frente de uma produção independente, para contar a vida de Aisin-Gioro Pu Yi (John Lone), o último imperador da China, que pertenceu à dinastia Qing. Capturado pelos soviéticos em 1945, ele foi julgado pelo tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio em 1946 e mantido prisioneiro em um gulag, até ser entre à China em 1949, quando o Partido Comunista assumiu o poder. Prisioneiro político em seu próprio país, Pu Yi ficou confinado na prisão de Fushun para “reeducação”, onde tentou o suicídio. Então, o filme nos mostra suas memórias de infância, quando foi proclamado imperador ainda menino. Pu Yi (Tijger Tsou) é obrigado a viver na Cidade Proibida e cresce cercado por dezenas de eunucos e criadas, mas convive com uma solidão esmagadora, apenas aplacada pelo convívio de sua ama de leite, Ar Mo (Jade Go). Na juventude, recebe do tutor Reginald Johnston (Peter O'Toole) uma educação formal fortemente ocidentalizada. Casa-se e termina expulso do palácio em 1924, depois de um golpe de estado em Pequim. Vira um playboy decadente no exílio, até ser coroado imperador fantoche dos japoneses em 1934. Quando se arrepende dos seus crimes, Pu Yi é considerado reabilitado pelos comunistas e sai da prisão em 1959. Passa a levar uma vida simples, trabalhando como jardineiro e experimentando os absurdos da revolução cultural imposta por Mao.
        O roteiro de O Último Imperador foi escrito por Bernardo Bertolucci e Mark Peploe – o roteirista de origem queniana que também colaborou no roteiro do filme Profissão Repórter, dirigido por Michelangelo Antonioni. Trata-se de uma adaptação do livro autobiográfico escrito por Pu Yi e publicado em 1964. Na verdade, Bertulucci preferiu se referir ao livro como uma fonte de inspiração, já que teria sido editado pelo Partido Comunista Chinês, com a utilização de um escritor fantasma. Em uma entrevista, o diretor lembrou que não apenas sabia que Pu Yi era incapaz de escrever uma autobiografia como aquela, como ele e seus produtores conseguiram descobrir quem era o verdadeiro autor do livro. Além de convidá-lo para os sets de filmagem, deram a ele um papel no filme, o do oficial que, na prisão, anuncia a Pu Yi que ele foi perdoado. Foi um toque ácido de ironia do diretor, para demonstrar a atmosfera de ficção que se respirava na cidade proibida: o homem responsável por criar uma das fake news oficiais do Partido Comunista estava no seu filme, anunciando fake news para o protagonista da sua história – Pu Yi jamais foi perdoado, mas sim, “regenerado”.
        Historiadores, como o britânico Alex von Tunzelmann, apontam que O Último Imperador atenuou uma faceta marcante de Pu Yi: a sua crueldade. Afirma que ele protagonizou vários episódios de sadismo e abusos envolvendo seus subordinados e criados. Uma visita às biografias mais precisas, construídas sobre bases histórias mais sólidas, pode revelar camadas profundadas do último imperador chinês. De qualquer forma, o filme acabou consolidando uma imagem positiva do personagem no imaginário do público ocidental.
        O filme mais imponente de Bernardo Bertolucci, realizado com fôlego independente, foi concebido depois que a RAI, a TV Italiana, produziu a famosa série Marco Polo, realizada na China, com direção de Giuliano Montaldo. Bertolucci foi presenteado por um dos produtores com o livro autobiográfico de Pu Yi e também com uma lista de contatos privilegiados com os caciques do Partido Comunista Chinês, que haviam ajudado a viabilizar a série. Com a faca e o queijo na mão, o diretor só precisou lançar mão do seu enorme talento e domínio da linguagem cinematográfica para nos presentear com o inesquecível O Último Imperador.


Resenha crítica do filme O Último Imperador

Ano de produção: 1987
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Mark Peploe e Bernardo Bertolucci
Elenco: John Lone, Richard Vuu, Tijger Tsou, Wu Tao, Joan Chen, Peter O'Toole, Ying Ruocheng, Victor Wong, Dennis Dun, Ryuichi Sakamoto, Maggie Han, Ric Young, Vivian Wu, Cary-Hiroyuki Tagawa, Jade Go, Fumihiko Ikeda, Fan Guang, Henry Kyi, Alvin Riley III, Lisa Lu, Basil Pao, Dong Liang e Henry O

Comentários

  1. Excelente filme e sua crônica me instigou a assistir mas duas vezes vezes👏👏👏👏👏

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  2. Excelente texto. Agora me deu vontade de assistir. 😌

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  3. Um filme grandioso em toda
    as suas.nuances.Grandioso e de beleza tal que se tornou inesquecível!

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    1. Sem dúvida, a gradiosidade é a marca principal desse filme, mas ele também contém muitas sutilezas.

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