A Promessa: denunciando o genocídio do povo armênio

Cena do filme A Promessa
A Promessa: direção de Terry George

CINEMA DENSO, EMOCIONANTE E ÁGIL

Numa época em que a indústria do cinema está mais dedicada a oferecer entretimento fácil, voltado para um público concentrado apenas em se divertir, já não há mais cineastas interessados naquele tipo de cinema sério e grandiloquente, assinado por nomes como David Lean. Títulos como Lawrence da Arábia e Doutor Jivago, por exemplo, hoje estão arquivados na prateleira dos... antiquados. Que outro diretor se arriscaria no formato, correndo o risco de se distanciar do público jovem? Terry George, é claro! Em pleno 2016 ele arregaçou as mangas e realizou A Promessa, um filme denso e envolvente, com o porte de uma adaptação literária clássica: conta uma história de amor em primeiro plano, enquanto deixa que o espectador acompanhe no pano de fundo os tristes desdobramentos de fatos históricos marcantes.
        Nascido em Belfast, Terry George construiu uma carreira sólida, cutucando temas incômodos, mas sempre relacionados às grandes questões humanitárias. Seu filme Hotel Ruanda trouxe para a consciência do mundo o pavoroso genocídio ocorrido naquele país africano no início dos anos 1990. Antes disso, Em Nome do Pai revelou o drama de quatro pessoas injustamente condenadas por um atentado terrorista, enquanto nos informava sobre a tensa realidade política na Irlanda do Norte. Agora, o diretor visita outro episódio vergonhoso da história humana: o genocídio de 1,5 milhão de armênios perpetrado pelos turcos durante a derrocada do Império Otomano, às portas da Primeira Guerra Mundial.
        Esse tema de elevada octanagem, apesar de pouco conhecido do grande público, continua explodindo em controvérsias. Depois que Terry George lançou A Promessa no Festival de Cinema de Toronto, viu a avaliação do filme despencar no IMDb (Internet Move Database), a conhecida base de dados online sobre cinema. Lá os usuários avaliam os filmes com notas entre 1 e 10 e o site exibe a média que eles conquistaram. Uma campanha de boicote – atribuída aos turcos, é claro! – resultou em mais de 57 mil votos com a nota 1. Será que o filme é tão ruim assim?
        Longe disso! A Promessa é envolvente, emocionante e bem realizado. Trata-se de um filme engajado, é verdade. Nasceu como resposta da comunidade armênia aos turcos, defensores de que tal genocídio jamais ocorreu. Inteiramente financiado pelo milionário americano de origem armênia Kirk Kerkorian, segue um enredo adaptado ao seu gosto pessoal, com uma história romântica vivida por personagens com os quais o público pode facilmente estabelecer uma forte empatia. Não se trata de uma adaptação literária, mas de uma história concebida diretamente para o cinema. Antes de entrar nos detalhes, vejamos a sinopse:
        A Promessa conta a história de Mikael Boghosian (Oscar Isaac), farmacêutico em uma pequena aldeia na Armênia, no sudeste da Turquia e parte do Império Otomano. Para realizar seu sonho de estudar medicina, ele se compromete em casamento com Maral (Angela Sarafyan), em troca de um dote de 400 moedas de ouro. Em Constantinopla, cai na vida acadêmica, mas também na agitada vida social. Faz amizade com Emre Ogan (Marwan Kenzari) um notório playboy com acesso às altas rodas. Conhece também a encantadora Ana Khesarian (Charlotte Le Bon), uma armênia criada em Paris, mas acabará tendo que disputá-la com o famoso jornalista americano Christopher Myers (Christian Bale), que trabalha para a Associated Press. O triângulo amoroso que se desenha com traços de amor sincero, será tragicamente despedaçado quando a Primeira Guerra Mundial eclode. Mikael é preso em razão da sua origem armênia e, apesar dos esforços de seu amigo Emre, condenado ao trabalho escravo. Ana desconhece seu paradeiro, mas moverá montanhas para reencontrá-lo, com a ajuda de Chris. Os crimes fascistas e os horrores da guerra deixarão marcas profundas, enquanto os três tentarão sobreviver e resgatar alguma dignidade.
        Depois de filmar Hotel Ruanda, Terry George se concentrou em conhecer sobre o genocídio armênio. Por meio do livro The Burning Tigris, escrito por Peter Balakian, que conta as memórias do seu tio-avô, o bispo Grigoris Balakian, ele alcançou uma visão ampla dos fatos e descobriu as estratégias adotadas por aqueles que conseguiram sobreviver. E enquanto fazia pesquisas em Istambul, recebeu do seu agente o roteiro para um filme, então chamado de Anatólia, escrito pela roteirista Robin Swicord. Também irlandesa, ela já havia trabalhado no roteiro de O Curioso Caso de Benjamin Button. Terry George gostou do projeto e assumiu a direção do filme, que passou a se chamar A Promessa, mas decidiu reescrever todo o roteiro, pois achou que o original não oferecia uma visão abrangente do genocídio.
        A história construída por Robin Swicord estava concentrada no romance entre Mikael e Ana, que sofrem na pele os horrores do genocídio. Para ampliar o enredo, Terry George inventou o personagem do jornalista Chris Myers, uma composição de vários repórteres que testemunharam o esfarelamento do Império Otomano. Isso permitiu que ele abordasse os desdobramentos políticos de forma mais abrangente. De quebra, o diretor estabeleceu um triângulo amoroso, que gerou maior envolvimento emocional e trouxe uma atmosfera mais romântica para o filme.
        O esforço de Terry George foi para compor um retrato autêntico do drama vivido pelo povo armênio. Enquanto lidou com personagens e cenas fictícias, ele evitou distorcer os fatos históricos e os eventos reais que serviram como pano de fundo. Recorreu a consultores técnicos para desenhar as nuances comportamentais e os costumes da época, além de garantir a verossimilhança de toda a ação militar. Filmou em belíssimas locações na Espanha e em Malta, mas precisou seguir um cronograma apertado.
        Apesar de exibir a mesma grandiloquência de um clássico de David Lean, A Promessa é resultado do moderno processo digital de fazer cinema. A trama segue com agilidade, num encadeamento seguro e envolvente, longe de ser enfadonho. A direção de arte é caprichada, a fotografia é deslumbrante, o design de produção é minucioso e o talentoso elenco garante momentos arrebatadores – Oscar Isaac, Charlotte Le Bom e Christian Bale exibem uma química notável, tanto nas cenas com linhas de diálogo muito bem escritas, como naquelas onde o silêncio diz tudo!
        A Promessa não é entretenimento fácil, feito apenas para divertir. É um filme sério, que abre espaço para o que a humanidade tem de melhor e de pior. Onde as emoções afloram doloridas, mas a esperança está o tempo todo na mira. O cinéfilo interessado em dramas épicos, não se arrependerá. E depois de assistir, certamente dará bem mais do que a reles nota 1! Desde que esteja mais interessado em cinema do que em política, é claro.

Resenha crítica do filme A Promessa

Título original: The Promise
Ano de produção: 2016
Direção: Terry George
Roteiro: Terry George e Robin Swicord
Elenco: Oscar Isaac, Charlotte Le Bom, Christian Bale, Marwan Kenzari, Shohreh Aghdashloo, Angela Sarafyan, Daniel Giménez Cacho, Tom Hollander, Igal Naor, Milene Mayer Gutierrez, Tamer Hassan, Alicia Borrachero, Abel Folk, Jean Reno, James Cromwell, Kevork Malikyan e Stewart Scudamore

Comentários

  1. Muito obrigado pela crônica. Assisti esse filme. Não sabia da história do roteiro. Foi uma excelente experiência assistir A Promessa, assim como foi ótimo ler sua crônica.

    ResponderExcluir
  2. Ah, grato por seu feedback! Fico feliz que tenha gostado

    ResponderExcluir
  3. Tenho em Bluray -dvd esse filme. Importado dos Estados Unidos

    ResponderExcluir
  4. Acabei de assistir ao filme. Surpreendida pela qualidade e impactada pela história do genocídio armênio.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Legal, Marcinha. A história é de fato bastante forte e tocante e nos impele a querer chegar no final!

      Excluir

Postar um comentário

Confira também:

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema