O Curioso Caso de Benjamin Button: Brad Pitt em todas as idades

Cena do filme O Curioso Caso de Benjamin ButtonO Curioso Caso de Benjamin Button: filme dirigido por David Fincher

MÁGICA DIGITAL PARA TRANSFORMAR UM CONTO EM CINEMA

Nestes tempos digitais, o que me preocupa é o destino dos escritores. Há muito planejo ser um deles, mas agora temo que eles estejam com os dias contados. Não digo que deixarão de existir. São teimosos! Suas contrapartes, os leitores, é que parecem desaparecer. Os escritores serão o que sempre foram, só não sei se ainda escreverão da mesma forma. Certamente terão que ser mais sucintos. Usar emoticons. Abandonar a dimensão tipográfica do texto. Assumir a palavra falada... Talvez deva pesquisar sobre isso, numa consulta ao CharGPT!
        Escritores são os que têm ideias e as colocam no papel, para que os demais reflitam sobre elas. Quando o mundo não era tão urgente e não demandava velocidade e fúria, faziam isso sem pressa, a exemplo de Mark Twain, o maior escritor americano do século XIX. Certa vez ele disse: “A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente nos aproximar dos 18.” Quem refletiu sobre essa ideia foi outro grande escritor americano, F. Scott Fitzgerald. Em 1922, no livro Tales of the Jazz Age ele publicou o conto O Curioso Caso de Benjamin Button, onde a fantasia de nascer velho e morrer jovem ganhou alguma substância. O curioso é que seu protagonista não caminha contra o relógio. Segue as leis do mundo físico e do desenvolvimento mental: nasce, aprende, amadurece e morre. Seu corpo é que subverte a lógica mundana.
        Em 2008, O Curioso Caso de Benjamin Button virou filme pelas mãos do diretor David Fincher. O projeto circulava há décadas pelos estúdios de Hollywood e passou pelas mãos de vários diretores, como Steven Spielberg e Spike Jonze, sem jamais se concretizar. Pelas lentes de Fincher, a história finalmente vingou. Recebeu um tratamento visual refinado, mas sem o impacto de outros filmes de sucesso do diretor – Se7en – Os Sete Crimes Capitais e Clube da Luta são os mais lembrados.
        O mais notável é que David Fincher descartou a possibilidade de trabalhar com diversos atores para caracterizar o protagonista desde a velhice até a infância. Preferiu usar computação gráfica, mas tomou o cuidado de mantê-la subordinada ao contexto dramático. Não usou a tecnologia como mera pirotecnia. Seu filme é introspectivo e convida para a reflexão. Mostra o ciclo da vida a partir de outro ângulo, apenas para que possamos reafirmar nossas certezas sobre a mortalidade e a necessidade de buscar a verdade nas dimensões racionais, emocionais e espirituais.
        As mágicas digitais ajudaram a contar a fascinante história do sujeito que nasce velho e rejuvenesce a cada dia, na contramão de todos nós. Benjamin Button (Brad Pitt) nasceu octogenário, numa Nova Orleans quando a Primeira Guerra Mundial chegava ao fim. Vai parar num asilo, criado com outros velhos e na medida em que consegue andar, primeiro de muletas e depois de bengala, amadurece a mente. O corpo, porém, se fortalece e fica cada vez mais jovem. Benjamin vive uma vida comum: estuda, arranja trabalho, namora, se apaixona, perde entes próximos e queridos, enfrenta suas crises de meia idade e envelhece mentalmente, mas o corpo se infantiliza.
        A adaptação para o cinema começou a ganhar corpo quando a roteirista Robin Swicord escreveu um primeiro tratamento, sob encomenda dos produtores Kathleen Kennedy e Frank Marshall. Quando David Fincher entrou no projeto, contratou Eric Roth para reescrevê-lo. O roteirista trazia no currículo o ótimo roteiro de Forrest Gump - O Contador de Histórias e mais tarde também escreveria filmes como Munique, Duna e O Assassino da Lua das Flores. Eric Roth impôs sua visão pessoal e expandiu o conto original de F. Scott Fitzgerald. Encontrou na personagem da bailarina Daisy Fuller (Cate Blanchett) o fio condutor para sua narrativa e trilhou o mesmo caminho que inventou para Forrest Gump – é fácil perceber que a história de Benjamin Button seguiu o mesmo fluxo narrativo, mas sem os toques de humor.
        Eric Roth trouxe para O Curioso Caso de Benjamin Button um forte tempero de melancolia, mas soube exercer seu papel de escritor. Deu ao personagem uma mãe adotiva, criou vários outros personagens e inventou um relógio que anda ao contrário, pendurado numa estação ferroviária. E mais importante, começou e terminou sua narrativa com uma Daisy envelhecida, no leito de morte em um hospital em Nova Orleans, que conta para a filha toda a trajetória de Benjamin Button.
        O Curioso Caso de Benjamin Button é um produto industrial de alta qualidade, resultado da criação coletiva de profissionais competentes. Tudo começou lá atrás, quando escritores que usavam apenas a palavra como matéria-prima vieram com os primeiros lampejos criativos. Outros artesãos precisaram agregar soluções técnicas revolucionárias para materializá-los em uma obra audiovisual. Da escalação do roteirista à escolha do elenco e da equipe de efeitos digitais, tudo funcionou como um relógio. Embora não se trate propriamente cinema autoral, vemos que David Fincher conseguiu imprimir sua marca – ainda que o filme não tenha ficado tão incômodo e visceral como percebemos em suas obras mais icônicas.

Resenha crítica do filme O Curioso Caso de Benjamin Button

Data de produção: 2008
Direção: David Fincher
Roteiro: Eric Roth
Elenco: Brad Pitt e Cate Blanchett, Taraji P. Henson, Julia Ormond, Jason Flemyng, Jared Harris e Tilda Swinton

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