Nefarious: terror psicológico inteligente

Cena do filme Nefarious
Nefarious: direção de Chuck Konzelman e Cary Solomon

REVELANDO A VERDADEIRA NATUREZA DO MAL

Filmes de terror jamais me empolgaram. Para me fazer ocupar uma poltrona na sala de exibição, o título precisa vir acompanhado de ótimas referências – dos amigos, da crítica especializada ou dos cinéfilos que seguem a Crônica de Cinema. No entanto, Nefarious, filme de 2023 dirigido pela dupla Chuck Konzelman e Cary Solomon, chamou minha atenção, porque chegou etiquetado pela mídia como... terror cristão! Fiquei curioso. Ainda não sabia da existência de tal subgênero – aqui, o termo cristão vem carregado com um certo tom pejorativo. Então, tratei de conferir!
        Vamos colocar as cartas na mesa de uma vez: Nefarious é um filme de terror, mas um terror psicológico. Não busca provocar sustos nem nos fazer desviar o olhar diante de cenas macabras de horror sanguinário. É um filme religioso, porque trata da possessão demoníaca, tema que está presente nos fundamentos do catolicismo. Está sendo rotulado de cristão porque aborda o assunto a partir de uma visão francamente conservadora. Está irritando os ideólogos de plantão porque traz uma mensagem contrária aos ditames da cultura woke.
        Seguindo o exemplo de Som da Liberdade, este filme independente e de baixo orçamento tem potencial para fazer barulho, porque tem muito conteúdo a oferecer. Os que assistem, não conseguem ficar impassíveis. Deixam a sala de cinema com motivos de sobra para refletir sobre a natureza do mal que assola a humanidade neste já conturbado século XXI.
        Apesar da estrutura narrativa emprestada do teatro, Nefarious nos traz cinema de qualidade. Cerca de 80% da história é contada por meio das linhas de diálogo entre dois personagens, que travam um confronto tenso, sentados à mesa, no centro de uma sala escura e vazia. Não é entediante. Ao contrário, é ágil e envolvente, porque o texto é bem escrito e revira um conteúdo denso e inquietante. É cinema de verdade porque os diretores sabem como posicionar a câmera, para estabelecer uma interface de intimidade entre os atores e o espectador. Para que possamos continuar, será preciso estabelecer a sinopse:
        O filme flagra o Dr. James Martin (Jordan Belfi), um psiquiatra forense que chega à penitenciária para entrevistar o assassino em série Edward Wayne Brady (Sean Patrick Flanery). O prisioneiro está no corredor da morte, com sua execução marcada para aquela noite. A missão do psiquiatra é avaliar a sanidade do condenado e decidir se ele está mentalmente qualificado para sentar na cadeira elétrica – ou se ele não passa de um pobre doente, incapaz de compreender a extensão das atrocidades que cometeu. Com a pose arrogante de quem tem nas mãos o poder de conceder vida ou morte, o médico não está preparado para o extraordinário poder de manipulação do condenado, diagnosticado com transtorno de personalidade dupla.
        Acontece que a outra personalidade que habita o assassino afirma ser um demônio, vindo das profundezas do inferno para cooptar toda a humanidade. Acontece que o psiquiatra é um ateu, agarrado às suas convicções ideológicas e não vai cair nessa conversinha. Acontece que o demônio sabe de coisas estarrecedoras sobre o psiquiatra e vai ruindo sua empáfia. Com eloquência assustadora, garante: até o final da entrevista, o próprio psiquiatra terá cometido três assassinatos. E de nada adiantará resistir, pois ao final, ele estará fazendo todas as vontades do demônio.
        Nefarious foi baseado no romance A Nefarious Plot, escrito em 2016 por Steve Deace – que também é apresentador de talk show e um dos produtores do filme. Entretanto, o roteiro assinado pela dupla de diretores não é propriamente uma adaptação, mas um preâmbulo, narrando acontecimentos que antecedem o que é contado no romance. Assim, o que agora podemos ver no cinema é um drama aterrador sobre uma trágica batalha espiritual travada dentro da alma de um assassino em série, que já se sabe condenado à danação eterna nas profundezas do inferno.
        Tragado para o campo de batalha, o psiquiatra acredita que seu ateísmo o manterá a salvo, mas descobre que suas respostas prontas, decoradas das cartilhas progressistas, mal conseguem arranhar a superfície da realidade cósmica. Confrontado com a verdadeira natureza do mal – que brota na alma de cada indivíduo conforme as sementes que decidimos regar – ele descobrirá que o demônio é real, que a fé em Deus é o antídoto para o medo e que o bem e o mal não são construções sociais passíveis de serem relativizadas.
        Os detratores acusam Nefarious de ser uma peça de propaganda cristã e conservadora, mas não podem negar: é uma peça muito bem projetada! A sufocante atmosfera de suspense psicológico lembra àquela que respiramos em O Silêncio dos Inocentes. O conteúdo teológico é consistente e os princípios filosóficos bem articulados. O trabalho dos atores é notável, a direção foi exercida com objetividade e o roteiro é habilidoso em prender o interesse do espectador até o final. E sim, o filme consegue meter medo!
        Os diretores Konzelman e Solomon chegaram em Hollywood com o firme propósito de ir contra a corrente do sistema. Como roteiristas, escreveram Deus Não Está Morto e Você Acredita?. Como diretores lançaram o filme 40 Dias – O Milagre da Vida para lutar contra o aborto. E agora, com Nefarious, esperam lançar luz sobre a escuridão que está descendo sobre a humanidade.
        A dupla está consciente de que o maior esforço de persuasão dos conservadores deve ser empreendido no âmbito da narração de histórias e que o grande campo de batalha contra as forças nefastas é o da cultura pop. Ao que parece, estão dispostos a seguir lutando: já têm em mãos uma sequência escrita por Steve Deace, intitulada A Nefarious Carol, pronta para ser adaptada, caso o filme Nefarious tenha um bom desempenho nas bilheterias. Particularmente, torço para que isso aconteça!

Resenha crítica do filme Nefarious

Ano de produção: 2023
Direção: Chuck Konzelman e Cary Solomon
Roteiro: Chuck Konzelman e Cary Solomon
Elenco: Sean Patrick Flanery, Jordan Belfi, Tom Ohmer, Glenn Beck, Daniel Martin Berkey, Mark De Alessandro, Cameron Arnett, James Healy Jr., Sarah Hernandez, Jarret LeMaster, Grifon Aldren, Eric Hanson, Stelio Savante, Robert Peters, Tina Toner e Maura Corsini

Comentários

  1. Texto excelente, bem redigido, objetivo. Verei o filme.

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    1. Muito obrigado! Vale a pena conferir esse filme!

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  2. Também não sou entusiasta do gênero terror mas pela sua resenha foi conferir

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