Encontros e Desencontros: emoções que se perdem na tradução
Encontros e Desencontros: direção de Sofia Coppola
NEM COMÉDIA, NEM ROMÂNTICA. ESTÁ MAIS PARA UMA PROVOCAÇÃO
– Ah! Esse é aquele longa-metragem onde nada acontece! – Exclamou o cinéfilo arrependido, que eventualmente entrou na sala de cinema para assistir a Encontros e Desencontros e esperava desfrutar uma comédia romântica. Escrito e dirigido em 2003 por Sofia Coppola, o filme rendeu para a diretora o Óscar de melhor roteiro original, mas não deve ser rotulado como um exemplar tradicional do gênero. Está mais para uma provocação. É um tanto disperso, mas para quem se atreve a embarcar na sua proposta, é divertido e envolvente.Não assisti a esse filme no cinema. Lembro que aluguei uma cópia em DVD, junto com outros três filmes que deveriam ser devolvidos na segunda-feira. Aproveitei o preço promocional que a locadora oferecia naquela sexta-feira chuvosa. É claro que acabei deixando esse filme para o domingo à noite. E assisti sozinho, já que minha mulher não conseguiu resistir aos apelos do sono, que se apoderou dela logo nas primeiras cenas.
Aliás, a cena de abertura é, de imediato, uma insinuação que não se concretiza ao longo do filme – o derrière de Scarlett Johansson é sugestivo, mas engana os que apostam em apelos eróticos mais... apimentados. Na sala escurecida, reclinado na solidão do sofá, as cenas que se seguiram vieram num ritmo quase burocrático, que para mim irradiavam uma estranha familiaridade. Mas para falar sobre isso, será preciso antes apresentar a sinopse do filme:
Encontros e Desencontros narra a história de Bob Harris (Bill Murray), um ator de meia idade consagrado internacionalmente, que chega a Tóquio para estrelar uma campanha publicitária do uísque Hibiki, da marca Suntory. Hospeda-se no luxuoso hotel Park Hyatt Tokyo, onde é paparicado por uma trupe de produtores e agenciadores locais. Longe de se afetar com o glamour da sua estada, ele transborda melancolia e tédio. Passa por uma crise no casamento de 25 anos e agora experimenta o choque cultural numa cidade que parece funcionar com engrenagens demais. Passa a vagar pelo hotel, feito um autômato. É lá que esbarra com Charlotte (Scarlett Johansson), uma jovem americana introspectiva, enclausurada pelo tédio – distrai-se como pode enquanto espera pelo marido, John (Giovanni Ribisi), um renomado fotógrafo que passa os dias mergulhado no trabalho. O que acontece entre Bob e Charlotte não é propriamente uma química. Está mais para uma... engenharia. Os dois se tornam amigos, enquanto tentam passar o tempo juntos. Casas noturnas, festas, karaokês... É de se supor que ambos terão um caso, mas não fazemos ideia de como isso acontecerá.
Sofia Coppola criou essa história a partir de fragmentos de experiências que viveu na juventude em Tóquio, quando era recém-casada com Spike Jonze. Costurou um roteiro fluente. Orbitou ao redor de dois personagens solitários, atropelados pela vastidão da cultura pop oriental num momento complicado para ambos: parecem esperar por eventos transformadores que fatalmente virão.
O cinéfilo de hoje que decidir dar o play em Encontros e Desencontros ficará surpreso com a facilidade com que nós – os que vivemos uma vida antes da internet – éramos capazes de nos isolar do mundo. Nada de aplicativos de mensagens, de chamadas de vídeo ou de compartilhamentos de imagens e documentos. Podíamos nos trancafiar, com nossas solidões, pelo tempo que desejássemos, certos de que a tarja de “não perturbe” colocada no trinco da porta seria respeitada. É o que fazem Bob e Charlotte, enquanto tentam interagir com um mundo alienígena, turbulento de informações, que não conseguem assimilar por causa do abismo cultural e do idioma incompreensível que os sacode.
O título original do filme, Lost in Translation (em português, algo como Falha de Tradução) é particularmente revelador do seu conflito central. Algumas passagens com pitadas de humor mostram como a cultura oriental pode ser incompreensível para os não versados. Nas festas, nos restaurantes, nas ruas... Um ocidental caído de paraquedas é colocado imediatamente na condição de analfabeto. Foi assim que me senti, no começo dos anos 1990, quando passei 45 dias a trabalho em Seul, na Coreia do Sul. Caminhava pelas ruas sem compreender o que diziam as placas e os letreiros. A maioria das vitrines não se revelavam de imediato: podia ser uma farmácia, uma loja de conveniência, um restaurante, um escritório... Pegar um taxi, um trem ou um ônibus era uma verdadeira odisseia. A televisão, o rádio e os jornais eram inúteis!
Esta sensação de isolamento do mundo vibrante e pulsante que enxergava lá fora, enquanto tentava interagir com o mínimo de civilidade e educação, foi o que despertou em mim certa familiaridade enquanto assistia a Encontros e Desencontros. A mesma sensação que me ajudou a perceber o principal significado do filme: o que se perde na tradução não são apenas as sutilezas culturais, mas principalmente as trocas entre os mundos internos dos dois personagens. Bob e Charlotte não se compreendem. Ela, tão jovem – a personagem teria 20 anos, mas na época, a atriz contava apenas 17! Ele, calejado e empanturrado de experiências. Ela, com a vida inteira pela frente. Ele, a pensar na vida que lhe resta... Nenhum parece disposto a se revelar, a se fazer entender. Parecem cansados de traduzir tudo...
Encontros e Desencontros é cinema de qualidade. A atuação irretocável de Bill Murray é um dos seus pontos fortes. A presença da bela Scarlett Johansson é hipnótica. A sucessão de imagens e sons nos chega num ritmo preciso e envolvente. Mas quem espera flagrar Bob e Charlotte em cenas apaixonadas, talvez se decepcione. No máximo verá o casal deitado na mesma cama, enquanto assistem na TV ao filme A Doce Vida, de Federico Fellini. Aliás, uma excelente referência colocada pela diretora, que ressalta o estilo de vida fútil e hedonista da aristocracia centrada no culto às celebridades. Vejam só! Encontrei um elemento cinematográfico que não se perdeu na tradução!
Resenha crítica do filme Encontros e Desencontros
Título original: Lost in translationAno de produção: 2003
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Scarlett Johansson, Bill Murray, Giovanni Ribisi, Fumihiro Hayashi, Hiroko Kawasaki, Anna Faris, Asuka Shimizu, Akiko Takeshita, Ryuichiro Baba e Kanuyoshi Minamimagoe
Gostei desse filme. Está na minha de Filmes para rever.
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