Plano de Fuga: filmado numa prisão verdadeira no México

Cena do filme Plano de Ação
Plano de Fuga: direção de Adrian Grumberg

UM ANTI-HERÓI VIVENDO NUM MUNDO PIOR DO QUE ELE

Nós, cinéfilos, quando apertamos o play em um filme de ação, sabemos bem o que esperar: cenas empolgantes, repletas de tiros, socos, pontapés e perseguições, editadas com precisão para comunicar agilidade, velocidade e fúria. Trata-se normalmente de uma produção endinheirada, repleta de efeitos especiais e feita para cultuar um herói – ou um anti-herói – que invariavelmente consegue derrotar a encarnação do mal, representada pelo vilão.
        Sobre este gênero, pairam duas confusões sobre as quais gostaria de refletir. A primeira delas é quanto ao emprego do termo ação. Ora, todo filme tem ação! São os atos praticados pelos personagens que impulsionam a história e costuram o enredo. A diferença é que nos chamados filmes de ação, os personagens agem como resposta aos imperativos do mundo que os cerca. Os realizadores não têm tempo, nem disposição, para investigar os impactos psicológicos. Ficam apenas nas camadas dos estereótipos.
        Já em um drama denso, a ação acontece principalmente no mundo interno dos personagens. Razão e emoção disputam um jogo complexo, que impulsiona a história para além da ação externa. Dependendo das habilidades do diretor e do roteirista, esse tipo de filme pode ser igualmente ágil e empolgante. Ficamos grudados na poltrona, ainda que nenhum tiro tenha sido disparado.
        O que hoje entendemos como filme de ação foi moldado lá nos anos 1960 e 1970, quando a indústria cinematográfica percebeu que as histórias policiais, de guerra, de espionagem, de ficção científica e de bangue-bangue poderiam servir de ambientação para seus espetáculos de pura ação. Dramas, comédias, romances... As estruturas narrativas dos diferentes gêneros ficaram reduzidas aos seus elementos básicos, deixando mais espaço para a pirotecnia. Foi quando os efeitos especiais ganharam protagonismo. Na medida em que a tecnologia digital evoluiu, as cenas de ação ganharam elementos de realismo e ficaram mais... fantasiosas!
        O cinema de ação de Hong Kong também ajudou a moldar a feições atuais do gênero, já que Hollywood decidiu incorporar os cacoetes orientais e reduziu ainda mais as complexidades narrativas. Os personagens não precisam mais percorrer arcos de transformação, já que a história se moldará a eles. O trabalho dos dublês e dos técnicos por trás das câmeras agora são tão determinantes quanto o dos astros que atuam como chamariz para a bilheteria.
        Decorrente da superficialidade narrativa que impera no gênero, a segunda confusão que surge é quanto ao uso do termo anti-herói. Já vi bandidos, criminosos e todo tipo de escroques abjetos serem tratados como anti-heróis. Ora, esses devem receber na testa o rótulo de vilões. Atuam na legião do mal e agem na contramão dos valores éticos e morais. O verdadeiro anti-herói é o protagonista que, apesar de não contar com os atributos do herói clássico, e de não colecionar todas as virtudes necessárias, consegue se posicionar do lado certo da trama, graças à sua firmeza de caráter e à escala de valores que estabelece para a sua conduta.
        O protagonista de Plano de Fuga, filme de 2012 dirigido por Adrian Grunberg é um bom exemplo de anti-herói. O sujeito é um canalha sem escrúpulos. Já matou, já roubou e não pretende mudar de vida, até que imperativos externos o abrigam a agir. Como seus antagonistas são muito piores do que ele, o que o obriga a fazer escolhas moralmente acertadas, o espectador não vê problemas em torcer por ele. Antes de seguir explicando esse ponto, é melhor examinar a sinopse do filme.
        Plano de Fuga conta a história de um gringo interpretado por Mel Gibson. Depois de um assalto milionário, ele tenta escapar da polícia saltando com o carro para o lado mexicano da fronteira. Lá é preso por policiais corruptos, que ficam com seus dois milhões de dólares e o mandam para El Pueblito, um bizarro arremedo de penitenciária superlotada, que abriga famílias inteiras. Funciona como uma verdadeira cidade, controlada pelo crime organizado e mantida por um sistema carcerário corrupto. Enquanto se vale de suas habilidades de gatuno para sobreviver, o gringo conhece um garoto de 10 anos (Kevin Hernandez) e se penaliza com sua condição: o infeliz é mantido como um troféu pelo mandachuva da prisão, o nefasto Javi Huerta (Daniel Giménez Cacho). O astuto gringo traça um plano arriscado. Manipulando todo mundo, tentará salvar o garoto, acabar com os bandidos, recuperar seu dinheiro e dar aos policiais corruptos o que eles merecem. Não economizará na violência!


        Plano de Fuga consegue ser divertido. É um filme ágil, bem escrito e realizado com competência. No universo dos filmes de ação, está acima da média. Remete aos clássicos do gênero lançados nos anos 1980 e 1990, filmados na raça, sem as facilidades da computação gráfica. O que mais chama a atenção é que as filmagens aconteceram numa prisão de verdade, que havia sido fechada pelo governo mexicano depois de pressionado por ativistas dos direitos humanos. Os produtores conseguiram usar as instalações como locação, arregimentando para a figuração vários de seus “ex-moradores”.
        Sim, caro leitor, o modelo de prisão mostrado no filme realmente existe no México! Prisioneiros podem levar seus familiares – inclusive as crianças – e estabelecer atividades empreendedoras, desde que, é claro, sigam as regras estabelecidas pelos chefes da prisão. Carcereiros e prisioneiros se revezam no controle, mantendo a panela de pressão funcionando em benefício próprio.
        A ideia para o filme surgiu primeiro na mente de Mel Gibson. Ele concebeu as linhas gerais da história e convocou alguns dos seus colaboradores costumeiros para escrever o roteiro: o produtor Stacy Perskie e seu assistente de direção Adrian Grunberg. O trabalho ficou tão bom que o próprio astro decidiu estrelá-lo, e entregou o comando nas mãos de Adrian Grunberg, que fez de Plano de Fuga o seu filme de estreia como diretor.


        Grunberg realizou o filme como uma homenagem aos antigos filmes de ação. Pesquisou bastante e tratou de ser realista. Garante que todos os elementos da trama guardam verossimilhança, por mais assombrosos que pareçam. No entanto, percebo que a força motriz do seu filme está nos personagens que conseguiu caracterizar – é claro que todos vestidos com estereótipos, à exceção do protagonista.
        Não que o tal gringo apareça como um personagem complexo, cheio de nuances. Não passa de um canalha oportunista e dotado de um poderoso instinto de autopreservação, mas consegue se impor alguns limites. Consegue ser mais sensato e moralmente centrado do que todos os demais bandidos que o cercam. Consegue receber o rótulo de anti-herói, ao menos durante o curto recorte da história que protagoniza. Apesar de ostentar o carisma de um... Mel Gibson, ninguém pode garantir que seguirá na retidão depois de ter se saído vitorioso.
        Em outros filmes de ação, no entanto, há protagonistas tratados como anti-heróis sem o merecer. Veja por exemplo o caso de Arthur Fleck, o arqui-inimigo do Batman, que ganhou um filme só para ele: Coringa, realizado em 2019. O criminoso demente, inescrupuloso, hediondo, desumano e caótico não passa de um reles vilão. Uma alma diminuta, capaz de produzir apenas o mal. Como alguém ousaria chamá-lo de anti-herói? Só mesmo aqueles que seguem uma escala de valores invertida, priorizando o... lado escuro da força!


Resenha crítica do filme Plano de Fuga

Título original: Get the Gringo
Ano de produção: 2012
Direção: Adrian Grunberg
Roteiro: Mel Gibson, Stacy Perskie e Adrian Grunberg
Elenco: Mel Gibson, Kevin Hernandez, Dolores Heredia, Daniel Giménez Cacho, Jesús Ochoa, Roberto Sosa, Tenoch Huerta, Peter Gerety, Peter Stormare, Bob Gunton, Scott Cohen, Patrick Bauchau, Mayra Serbulo, Stephanie Lemelin, Tom Schanley, Mario Zaragoza e Dean Norris

Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema