O Brutalista: exaustivo exercício de narrativa vaga e imprecisa

O Brutalista: direção de Brady Corbet
UM ARQUITETO VITIMISTA E UM MECENAS ESTEREOTIPADO
Não gostei de O Brutalista, filme de 2024 dirigido por Brady Corbet. É frio, distante, infectado de ideologia woke e aborrecido; tem três horas e meia de duração e não consegue nem mesmo arranhar a superfície do tema que propõe investigar. Seu protagonista, se tem algum conteúdo artístico e intelectual, não mostrou a que veio; aliás, veio para se lamentar, fazer-se de vítima, meter-se em excessos hedonistas e devolver ao mundo a raiva que cultivou em sua alma confusa. Os demais personagens que o orbitam não passam de bonecos inanimados, sem vontade própria; obedientes apenas aos devaneios do diretor e da roteirista, Mona Fastvold – mulher de Corbet –, que fazem questão de projetar em cada um deles as próprias crenças progressistas. Ainda assim, o filme se deu bem no Óscar: levou as estatuetas de melhor ator, para Adrien Brody, melhor trilha sonora e melhor fotografia.O Brutalista é uma obra de ficção. Conta a história de László Tóth (Adrien Brody), um arquiteto húngaro de ascendência judia, que foge do comunismo no pós-guerra e chega aos Estados Unidos para tentar reconstruir a vida. Deixa na Hungria a mulher, Erzsébet (Felicity Jones) e a sobrinha, Zsófia (Raffey Cassidy). Na Filadélfia, Tóth presta serviços para Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), um industrial multimilionário que se interessa pelo seu trabalho – o arquiteto estudou na Bauhaus, onde abraçou o estilo brutalista. Entre Van Buren e Tóth se estabelece uma relação de patrocinador e patrocinado: o arquiteto é instado a projetar e construir a sede do Instituto Van Buren, um centro comunitário em homenagem à recém-falecida mãe do milionário, que abrigará uma biblioteca, um teatro, um ginásio e uma capela. As obras se estenderão por anos e marcarão as vidas do arquiteto e do rico industrial.
Os que se interessam por arquitetura talvez se lembrem do tal movimento – ou estilo – que ficou conhecido como brutalismo. Em voga entre os anos 1950 e 1970, partiu do conceito popularizado por Le Corbusier, que lançou mão do tal béton brut (concreto bruto, ou aparente, no idioma francês), para idealizar suas construções com formas geométricas imponentes. Edifícios brutalistas compartilham uma estética marcante: erguem-se geralmente em estruturas maciças, causam um impacto visual monumental na paisagem urbana e priorizam a funcionalidade. A ornamentação é descartada; ao invés dela o que temos é a exposição crua dos materiais empregados, como tijolos, concreto, vidro... As grandes obras públicas foram as primeiras a se render ao brutalismo: bibliotecas, hospitais, universidades, palácios governamentais...
Os brutalistas bem que tentaram se impor também nas obras residenciais, mas a frieza e a impessoalidade dos seus projetos sugeriam o oposto de acolhimento e conforto; ainda assim, ficaram com a pecha de... modernos. É que o estilo surgiu no pós-guerra, quando a Europa devastada precisava ser reconstruída de forma rápida, prática e econômica. As construções erguidas em concreto bruto, que pareciam robustas e resistentes ao tempo, logo viraram símbolo de uma nova era de modernidade. Ainda hoje o brutalismo exerce influência na arquitetura e seu maior legado talvez tenha sido o de depreciar o estilo decorativo e relegá-lo ao passado. O conceito clássico de beleza, apegado aos valores mais sólidos da civilização ocidental, foi substituído por uma noção mais... progressista!
Os cinéfilos que não se ligam em arquitetura ficam mesmo é com a acepção mais cortante e violenta da palavra brutalista, principalmente ao vê-la colada à imagem de um Adrien Brody a irradiar dor e sofrimento – quem o viu em O Pianista não espera dele menos do que uma atuação visceral! O problema é que agora ele encarna um personagem que não se deixa desvendar. A falta de cenas expositivas nos sonega as emoções com motivações mais profundas; só ficamos com as caras e bocas que garimpamos na superfície. Na segunda metade do filme, quando Felicity Jones entra em cena para encarnar a mulher misteriosa do arquiteto, perdemos as esperanças de vez: as cenas estilosas continuam abundantes, sem tocar a alma dos personagens.
O Brutalista chega a ser irritante! O milionário, embora interpretado com competência por Guy Pearce, não passa de uma caricatura; é o estereótipo do capitalista explorador e desumano que só pode ter acumulado fortuna depois de chafurdar em ilegalidades e tramoias; fútil, vazio e pretencioso, parece se divertir mais com a submissão que consegue impor ao “pobre” arquiteto. Aliás, o diretor faz questão de mostrar a relação de mecenato que se estabelece entre os dois como um autêntico estupro – literalmente, com o perdão do spoiler! O artista aviltado, vitimado e incompreendido em sua angústia existencial, tem todas as justificativas para se entregar aos excessos das drogas e da bebida. O capitalista... bem, tem mais é que pagar a conta!
As locações, os figurinos, os objetos de cena e os cenários são bem elaborados. A fotografia de Lol Crawley é competente – o filme, aliás, foi rodado em película 35 mm, no formato VistaVision, lançado pela Paramount nos anos 1950 (nos deliciamos com a alta resolução que ele nos proporcionou em alguns filmes de Alfred Hitchcock). A trilha sonora assinada por Daniel Blumberg é envolvente e cria uma certa atmosfera de sofisticação.
A direção de arte, porém, falhou justamente no elemento mais importante: o design arquitetônico! O projeto apresentado e erguido pelo arquiteto fictício László Tóth é um horror; um caixote asfixiante de concreto, desprovido de bom gosto e sem interesse em transmitir acolhimento. A capela que ele desenha se limita a explorar um manjado truque de iluminação – os arquitetos medievais e renascentistas já o dominavam com desenvoltura – que faz projetar uma cruz sobre um altar monolítico. A intenção é essa mesma: insinuar que a religiosidade e a espiritualidade não passam de ilusão e pirotecnia.
Recheado de pseudointelectualidades, O Brutalista é um exaustivo exercício de narrativa vaga e imprecisa. Os próprios exibidores, nas peças de promoção do filme, insistem na lenga-lenga de que ele conta a história de um imigrante que se desencanta com o sonho americano. Tolice! Essa gente nem sequer sabe do que se trata o sonho americano! O protagonista não desembarca na América com o propósito de empreender, acumular riquezas com o próprio esforço e construir uma vida próspera, ancorada na liberdade e nas oportunidades de ascensão social. Está mais interessado em se agarrar às benesses de um mecenas, de quem espera nada além de financiamento; e que não venha com cobranças!
O que mais me irritou em O Brutalista foi a cena final: ela vem com a narração em off de uma verdadeira pérola do asqueroso pensamento progressista; uma frase acintosa, que tenta passar pano para as porcarias vividas pelo protagonista, ao afirmar que o mais importante de tudo é o destino, não a jornada! É, caro leitor, esse filme nos enrola durante quase quatro horas, apenas para tentar nos convencer de que, na vida, os fins justificam os meios. É brutal!
Resenha crítica do filme O Brutalista
Título original: The BrutalistAno de produção: 2024
Direção: Brady Corbet
Roteiro: Brady Corbet e Mona Fastvold
Elenco: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Ariane Labed, Stacy Martin, Alessandro Nivola, Emma Laird, Isaach de Bankolé, Michael Epp, Jonathan Hyde, Peter Polycarpou, Maria Sand e Salvatore Sansone
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