O Pianista: o drama de um artista empenhado em sobreviver
O Pianista: filme dirigido por Roman Polanski
Ano de produção: 2002
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Ronald Harwood
Elenco: Adrien Brody, Thomas Kretschmann, Emilia Fox, Michał Żebrowski, Ed Stoppard, Maureen Lipman, Frank Finlay, Jessica Kate Meyer, Julia Rayner, David Singer, Richard Ridings, Daniel Caltagirone e Valentine Pelka
UMA AUTOBIOGRAFIA CRUA E OBJETIVA VIROU UM FILME EMOCIONANTE
Ok, admito:
O Pianista é um dos meus filmes preferidos. Não tenho ascendência judia, nem
guardo reminiscências familiares da Segunda Guerra Mundial. Minha atração pela
obra é puramente... cinematográfica. Em comparação com produções mais
elaboradas e vistosas, essa é até simples: a narrativa é linear, sem flashbacks
ou ações paralelas. Tudo o que vemos nos chega pelos olhos do protagonista. É
documental, mas dramatizado. É triste, mas edificante. Cada cena é construída
para valorizar o personagem e sua história.
Na primeira
vez que assisti ao filme O Pianista, o fiz com o respeito e a reverência de quem está
diante de uma obra-prima. Depois disso, a cada vez que me disponho a revê-lo,
sei que não será a última. É uma produção de 2002, mas poderia ser de 2022 ou de
2042! Por ela, Roman Polanski ganhou o Oscar de melhor diretor, Adrien Brody o
de melhor ator e Ronald Harwood o de melhor roteiro adaptado.
Elogiar O
Pianista é chover no molhado. Muito já se escreveu sobre o filme e há pencas de
críticas, reportagens e vídeos por toda a internet, partindo de diferentes
pontos de vista. Mas um cinéfilo que se preza não há de se contentar com opiniões
e especulações. Gostamos de ir à fonte, buscar algo mais consistente para
saciar nossa sede de bom cinema. E como meus interesses estão focados na arte
da escrita, decidi descobrir como o livro de Wladislaw Szpilman virou filme.
Minha tarefa investigativa foi simples. Em poucos cliques cheguei a uma palestra que o próprio Sir Ronald
Harwood proferiu na BAFTA – British Academy of Film and Television Arts. O dramaturgo
britânico é autor de várias peças de teatro e de roteiros de filmes como O Fiel
Camareiro, O Escafandro e a Borboleta e, é claro, O Pianista! Experiente, ele transita
desenvolto entre a linguagem teatral e o imperativo da imagem no cinema. Ouvir seu
depoimento foi esclarecedor.
Ele começa
contando que o convite para escrever o roteiro partiu do próprio Roman Polanski,
que em 2000 assistiu em Paris à peça Taking Sides, escrita por ele, que falava
sobre música e nazistas. Pela grande afinidade com temas que envolvem a Segunda
Guerra Mundial e o Holocausto, Polanski achou que ele seria o homem certo para fazer
a adaptação de O Pianista.
A obra autobiográfica
de Wladyslaw Szpilman foi publicada em 1946 na Polônia e ficou esquecida por
décadas, até ser traduzida para o inglês em 1999. Harwood conta que encontrou no livro uma história contada sem sentimentalismos ou detalhamentos, como se o autor descrevesse
o sofrimento de outra pessoa. Mas um elemento chamou sua atenção: a aparição do
capitão Wilm Hosenfeld, perto do fim, salvando a vida de Szpilman. Percebeu que
nesse momento de redenção estava contida toda a essência do filme.
Harwood e Polanski
logo entraram em acordo quanto ao conteúdo e à forma que o filme tomaria. Preservariam
a abordagem do autor como observador, mas não usariam Szpilman como narrador.
Isso implicaria em extrair da ação todo o conteúdo emocional da história, já
que na maior parte do tempo o personagem estaria sozinho em cena.
Harwood então
acompanhou Polanski até Varsóvia, onde passaram dias revirando arquivos com imagens
repugnantes, feitas pelos nazistas. Visitaram os locais históricos e assistiram a documentários deprimentes – material que depois serviu de referência para que
Polanski e sua equipe de produção reproduzissem com realismo o gueto de
Varsóvia no set de filmagem.
Quando
voltou e se sentou para escrever o roteiro, Harwood não sabia por onde começar.
Levou dias sem encontrar a solução, até que ao receber uma ligação de Polanski,
viu-se obrigado a confessar que estava estagnado.
– Pelo amor
de Deus – explodiu o diretor. – O livro se chama O Pianista! Comece com ele
tocando piano!
Foi o
empurrão que o roteirista precisava. Deslanchou, tendo em mente que o maior
desafio seria transformar Szpilman e sua família em personagens, sem criar
estereótipos, já que o livro os apresentava de forma simbólica – talvez porque
o autor desejasse aplacar a dor que sua lembrança evocava. Para vencer o
desafio, Harwood buscou nas memórias de sua própria família judia algumas
referências valiosas.
Depois que
entregou o roteiro, Harwood foi com Polanski para uma casa nas proximidades de
Paris, onde se trancaram por um mês trabalhando diariamente nos ajustes necessários.
Por determinação de Polanski, começaram justamente pelas cenas finais, que
envolvem o oficial alemão. Para o roteirista, essa foi a forma que o diretor encontrou
de focalizar sua imaginação no objetivo final da história. Ambos representavam
as cenas em voz alta, enquanto Polanski desenhava esquemas indicando o local no
set ou o ângulo da câmera, produzindo ótimos esboços.
Para Harwood,
mais do que finalizar o roteiro como um documento técnico, estavam assegurando a
precisão do relato, garantindo que não houvesse a contaminação de emoções
falsas na história de Szpilman. O roteirista lembra que o próprio Polanski fez
ajustes em alguns pontos, valendo-se de sua própria experiência – o diretor foi
um sobrevivente do gueto e preferiu usar no filme sua própria versão de como
foi salvo por um policial de embarcar para Treblinka.
Harwood
conta que, terminados os ajustes, não houve mais alterações no roteiro. Nem
mesmo a cena derradeira, quando Szpilman toca um concerto para piano com
orquestra completa – considerada cara demais pelos produtores – sofreu alterações.
Em sua
palestra, Sir Ronald Harwood fornece ainda algumas dicas preciosas para os que desejam
aprender o ofício de escrever roteiros. Mas são tecnicidades, que talvez não interessem
aos cinéfilos. O importante é a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a
história desse filme memorável e descobrir como se dá a interação entre diretor
e roteirista, na hora de encontrar o jeito certo de contar uma história.
Lamentavelmente
o próprio Wladyslaw Szpilman não conseguiu assistir a esse filme. Morto em
2000, ele certamente se surpreenderia com a talentosa adaptação que Roman
Polanski fez da sua obra O Pianista.
Resenha crítica do filme O Pianista
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Ronald Harwood
Elenco: Adrien Brody, Thomas Kretschmann, Emilia Fox, Michał Żebrowski, Ed Stoppard, Maureen Lipman, Frank Finlay, Jessica Kate Meyer, Julia Rayner, David Singer, Richard Ridings, Daniel Caltagirone e Valentine Pelka
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