O Óleo de Lorenzo: um emocionante drama real

Cena do filme O Óleo de Lorenzo
O Óleo de Lorenzo: direção de George Miller

QUE SE DANEM OS ESPECIALISTAS!

– Se o especialista falou, tá falado! Quem sou eu pra contestar? – Eis aqui uma noção que foi maliciosamente incutida em nossas mentes ao longo dos séculos. A disseminação do pensamento racionalista, somada ao aumento de produtividade possibilitado pela divisão de trabalho, estimulou uma confiança cega no método científico. Isso criou uma espécie de idolatria aos especialistas, que por saberem mais sobre alguns temas específicos, julgam-se aptos a decidir sobre todos os aspectos da nossa vida. Já nos acostumamos a ver os burocratas e tecnocratas – autoproclamados iluminados – agarrados às franjas do poder para tentar avançar sobre nossas liberdades individuais; tudo em nome do “bem geral” e de outras abstrações igualmente cínicas.
        A tirania dos especialistas não tem limites. Engana-se quem pensa que ela brota apenas nos campos das ciências exatas e naturais, onde o rigor científico e o empirismo são fertilizantes poderosos para o cultivo das grandes descobertas; nas ciências sociais, os pensadores coletivistas (positivistas e socialistas) colocam o crachá de expertos e espelham o mesmo método científico. Acham que sabem explicar e até prever os comportamentos da sociedade – ainda que ele seja o resultado da ação de uma infinidade de indivíduos autônomos e criativos, livres para tomar suas próprias decisões. Que arrogantes esses especialistas! Sem votos, tentam preencher a falta de representatividade com meras estatísticas e análises setoriais, que apenas revelam os aspectos da realidade na forma como eles se apresentavam no passado. São historicistas que adoram infectar os labirintos da burocracia.
        Tecnocratas estão sempre tentando nos convencer de que sabem o que é melhor para a maioria – nossos interesses individuais, nossas inclinações e nossos objetivos que esperem! Por isso, quando vejo personagens seguindo na contramão dessa ditadura, vibro! Foi com esse sorriso no canto dos lábios que assisti a O Óleo de Lorenzo, filme de 1992 dirigido por George Miller. O cinéfilo atento certamente se lembra desse longa como um drama emocionante, comovente e arrebatador, que fala de perseverança e nos surpreende com uma mensagem de esperança. Talvez não o associe de imediato com a abordagem política e salpicada de filosofia libertária que empreguei nos primeiros parágrafos da minha crônica, porém, se lembrar da sinopse do filme, talvez concorde com o meu ponto:
        O Óleo de Lorenzo conta a história do casal Odone, Augusto (Nick Nolte) e Michaela (Susan Sarandon), pais de Lorenzo (Zack O'Malley Greenburg). A família deixa as Ilhas Comores, na África Austral, e se muda para os Estados Unidos. O garoto começa a apresentar problemas neurológicos e é diagnosticado com uma doença hereditária chamada adrenoleucodistrofia (ALD). Os médicos são taxativos: a expectativa de vida de Lorenzo é de apenas mais dois anos! Acontece que Augusto e Michaela não se darão por vencidos. Ele é um economista do Banco Mundial e ela uma mãe decidia a não se deixar remoer pela culpa dos genes que carrega; moverão montanha – e cordilheiras! – para encontrar uma cura. Sem formação médica, o casal inicia uma pesquisa amadora e acumula conhecimento suficiente para desenvolver um tratamento à base de óleos de cozinha comuns, que interromperá o progresso da doença e salvará a vida do filho.
        O casal Odone se infiltra no mundo dos especialistas e ao longo dos anos conquista legitimidade para discutir com eles no mesmo nível intelectual. Sacrificam a vida pessoal, sucumbem ao estresse e comprometem o próprio casamento, mas jamais desistem. Tropeçam com a burocracia estatal, com a arrogância corporativista, com orgulho dos especialistas... Promovem seminários, patrocinam congressos e desafiam autoridades acadêmicas, mas conseguem que a medicina enfim consiga destilar o tal óleo, que por ser verdadeiramente curativo, receberá o nome do seu filho amado.
        A história que acompanhamos em O Óleo de Lorenzo é real. O diretor George Miller leu sobre a incrível epopeia do casal Odone em uma matéria do London Times e conseguiu convencê-los a transformá-la em filme; por certo estabeleceram entre si uma forte identificação, já que o próprio diretor havia estudado medicina – abandonou os estudos poucas semanas antes da formatura, para abraçar o cinema de vez. Mas observe, caro cinéfilo, que estamos falando aqui do diretor George Miller, aquele mesmo que fez sucesso com franquia Mad Max e se tornou um especialista nos filmes de ação!
        Na posse desta importante informação, podemos compreender de onde vem a força narrativa de O Óleo de Lorenzo. O filme assume uma natureza cinética e segue num ritmo visual intenso e furioso, até chegar em um final triunfante. Os protagonistas são heroicos, ainda que retratados sem idealizações – são humanos e algumas vezes desagradáveis; põem-se em ação de forma obsessiva, na medida em que a doença do filho se agrava e impõe um sentido de urgência. Por certo é um filme do diretor de Mad Max, mas ao invés de tiros e pancadarias, o que vemos é uma enxurrada de conhecimentos da medicina que precisamos aprender junto com os Odone; como eles, também nos atrevemos a nos tornar especialistas.
        A câmera de Miller é sempre ágil e nervosa e a fotografia assinada por John Seale – que ganhou o óscar com O Paciente Inglês – é expressiva e comovente. Para manter o filme em um constante ápice emocional, o diretor não hesita em lançar mão de uma trilha sonora com forte apelo dramático, que reúne diversas peças clássicas, entre elas Adagio for Strings, de Samuel Barber, que é de cortar o coração!
        Nick Nolte e Susan Sarandon encontraram o tom certo para interpretar o casal Odone, transmitindo credibilidade e verossimilhança. Por outro lado, um tema tão complexo e com grande alcance emocional não poderia ser apresentado sem gerar polêmicas: as autoridades médicas continuaram as pesquisas com o tal Óleo de Lorenzo e, apesar dos bons resultados alcançados, não comprovaram claramente sua eficácia. O fato é que o verdadeiro Lorenzo Odone viveu até os trinta anos – duas décadas a mais do que previram os especialistas. Que bom que seus pais não aceitaram cegamente o que eles davam como certo e se dispuseram a seguir na direção contrária: aprenderam o suficiente para confrontá-los!

Resenha crítica do filme O Óleo de Lorenzo

Título original: Lorenzo's Oil
Título em Portugal: Acto de Amor
Ano de produção: 1992
Direção: George Miller
Toteiro: George Miller e Nick Enright
Elenco: Nick Nolte, Susan Sarandon, Zack O'Malley Greenburg, Peter Ustinov, Kathleen Wilhoite, Gerry Bamman, Margo Martindale, James Rebhorn, Ann Hearn, Maduka Steady, Don Suddaby, Rocco Sisto, Carmen Piccini, Mary Wakio, Colin Ward, La Tanya Richardson, Jennifer Dundas, William Cameron, Peter Mackenzie, Laura Linney, Elizabeth Daily e Eliot Brinton

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