Tron: Ares: um filme de ação desenfreada

Cena do filme Tron: Ares
Tron: Ares: direção de Joachim Rønning

NO CINEMA, O IMPERATIVO VISUAL JÁ NÃO É O MEMSMO!

Quando Tron, filme dirigido por Steven Lisberger foi lançado em 1982, corri para o cinema. Já trabalhava com criação publicitária e tinha grande interesse pelo futuro da computação gráfica, cujas promessas só conseguia vislumbrar nas matérias das revistas; aliás, o mundo da computação acessível a todos os mortais ainda era assunto para a ficção científica, outra das minhas paixões. Para meu deleite, o filme misturava ambos os temas; este cinéfilo afoito voltou àquela sala de cinema na mesma semana, depois de ler o que pode sobre os detalhes da produção.
        É claro que a ideia de que o protagonista podia ser desmaterializado por um feixe de raios, para então ser sugado para um micromundo existente dentro de um chip de computador, soou para mim um tanto absurda; mas a considerei plausível diante do contexto narrativo. Confesso, porém, que me decepcionei quando descobri que apenas 15 minutos do filme continha imagens geradas por computador (CGI) – tecnologia que engatinhava na época. A maior parte, cerca de 53 minutos, era composta por cenas filmadas com atores em cenários reais, pintadas manualmente quadro a quadro, num sofisticado processo de animação que demandou o trabalho de mais de 500 artistas e produtores. Além disso, outros 17 minutos estavam recheados de efeitos animados desenhados à mão! Bem, em se tratando de uma produção da Disney, não fiquei surpreso.
        Mas onde estava, afinal, a tão alardeada computação gráfica? A julgar pelas poucas imagens que pude admirar, ela estava a décadas de conseguir criar imagens realistas; ainda seguiria apelando para a boa vontade do espectador, em alguns poucos experimentos – o próximo do qual me lembro foi apresentado no filme O Enigma da Pirâmide, em 1985. É claro que quando a continuação de Tron, intitulada Tron: O Legado e dirigida por Joseph Kosinski chegou aos cinemas em 2010, a tecnologia já estava amadurecida; a ideia original, criada por Steven Lisberger e realizada com tanto esforço, pôde finalmente receber um tratamento digital apropriado.
        Acontece que desde então a tecnologia digital se impôs e virou regra no mundo do cinema. Nenhum único frame chega aos olhos do espectador sem antes receber tratamento adequado, ainda que meramente cosmético ou corretivo. Por trás dessa ditadura, o que sempre esteve em primeiro plano era o imperativo visual; o objetivo era enganar os olhos do espectador com truques de prestidigitação: carros que se transformam em robôs gigantes, a terra que se abre em terremotos devastadores, portais estelares que deixam passar entidades alienígenas... A magia do cinema ensimesmou-se em suas infinitas possibilidades. Até que vem a Disney novamente com a sua franquia Tron e nos cutuca com novas promessas.
        Esse terceiro filme, intitulado Tron: Ares e dirigido por Joachim Rønning, é uma produção endinheirada, que se confunde com todas as outras geradas no universo dos super-heróis. Este cinéfilo criterioso já não estava interessado em conferir, mas por uma conjunção de fatores afetivos – um delicioso programa de fim de semana com toda a família num shopping em São Paulo é para ser aproveitado ao máximo –, decidi encarar; e devo reconhecer que não me arrependi!
        Numa sala de cinema IMAX, diante da enormidade da tela e do som estrondoso, o filme encontrou sua razão de ser: Tron: Ares é um filme de ação ágil e descomplicado, que só deseja entreter, ainda que os realizadores tentem nos fazer enxergar um certo verniz tecnológico e... filosófico! Antes de seguir com o raciocínio, deixe-me lembrar da sinopse:
        O que acompanhamos é a história que começou com Kevin Flynn (Jeff Bridges) e agora continua como uma guerra entre grandes corporações, que tentam percorrer o caminho inverso: usar o tal feixe de raios extrator como uma espécie de impressora 3D para trazer ao mundo real as armas e outros artefatos bélicos criados no mundo dos computadores. Uma dessas criações é o Programa de Controle Mestre Ares (Jared Leto), uma espécie de soldado infalível. O problema é que essas criações só se materializam por 29 minutos; depois, voltam a ter existência apenas digital. A corrida do filme é para encontrar um tal de “código de permanência” e evitar que ele caia em mãos erradas, enquanto Athena (Jodie Turner-Smith), um outro programa, luta sob as ordens do vilão Dillinger (Evan Peters).
        Tron: Ares é bem roteirizado. Tem poucos e bons personagens, segue uma trama envolvente e não se perde em cenas expositivas; vai direto para a ação e encontra soluções dramáticas convincentes. A direção do norueguês Joachim Rønning – ele já dirigiu outros sucessos da Disney como Piratas do Caribe: A Morte Não Conta e Malévola: Dona do Mal –, é segura e competente; espertamente ele conseguiu rejuvenescer as antológicas motos de luz e até remeter ao campo visual do primeiro Tron, com a ajuda de um envelhecido Jeff Bridges.
        Entre uma cena de perseguição e outra com tiros e explosões, encontrei tempo para refletir sobre as implicações filosóficas do filme. Especulei sobre a inversão de valores que mostra Ares, o deus grego da guerra, como o mocinho, enquanto Athena, a deusa da sabedoria, da inteligência, da justiça e das artes dá uma de vilã, exterminadora e implacável. Enxerguei na estampa de Jared Leto um esboço messiânico; uma espécie de Jesus Cristo, que se faz de Logos encarnado, mas que na verdade não passa de um anjo caído. E o mundo digital ficou mais parecido com o mundo do além, conforme entendido pelos espíritas, que é habitado por almas a espera de reencarnação.
        Estou viajando na maionese? Talvez, mas saí do cinema com uma certeza: o campo visual já não é o imperativo do cinema. Em tempos de inteligência artificial, a tecnologia digital nos trouxe para uma nova realidade cognitiva e agora está interferindo diretamente nas nossas habilidades narrativas! Contar histórias em 2025 é uma atividade muito diferente da que era em 1982! O ChatGPT que nos diga. Se quiser mais detalhes, pergunte a ele! Eu fiz a pergunta e gostei da resposta!

Resenha crítica do filme Tron: Ares

Ano de produção: 2025
Direção: Joachim Rønning
Roteiro: Jesse Wigutow
Elenco: Jared Leto, Greta Lee, Miru Kim, Evan Peters, Jodie Turner-Smith, Hasan Minhaj, Arturo Castro, Gillian Anderson, Jeff Bridges, Cameron Monaghan, Sarah Desjardins, Selene Yun, Catherine Haena Kim, Narsha Kim, Aaron Paul Stewart, Roger Cross, Roark Critchlow, Katharine Isabelle, Gary Vaynerchuk e Kwesi Ameyaw

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