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Kill Bill: o poder narrativo de um diretor inovador

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Kill Bill: direção de Quentin Tarantino UM SÓLIDO CASTELO DE REFERÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS Tinha doze para treze anos quando entrei pela primeira vez no Cine Arlequim, um pulgueiro no centro de Curitiba, que mantinha uma promoção imperdível: pelo preço de um único ingresso, era possível assistir a três filmes, exibidos em sequência. Esse não era, entretanto, o maior atrativo; o que me animava era o fato de que um dos três filmes era sempre uma pornochanchada, proibida para menores de 18 anos. Se chegasse no começo da sessão e comprasse uma entrada inteira, o bilheteiro fazia vista grossa. Uma vez na plateia, teria que esperar uma eternidade para finalmente ver o que de fato interessava; teria que passar por dois filmes de kung fu, daqueles produzidos na China, com legendas em português.           Nos primeiros anos da década de 1970, as pornochanchadas que alvoroçavam meus hormônios eram produções ingênuas e leves, se comparadas às de hoje – no máximo exibia...

Sobre Meninos e Lobos: o perturbador Mystic River

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Sobre Meninos e Lobos: direção de Clint Eastwood PROFUNDIDADE DRAMÁTICA E CINEMA MINUCIOSO Sobre Meninos e Lobos , dirigido em 2003 por Clint Eastwood, não é um filme fácil. É doloroso, incômodo e provocador; obriga o espectador a encarar uma gama de emoções fortes, experimentadas por personagens introspectivos, com os quais é difícil estabelecer empatia – não desejaria de estar no lugar de nenhum deles! Ainda assim, é um grande filme, que merece ser visto e revisitado; oferece cinema de qualidade e tem lugar de destaque na filmografia de um diretor ousado o suficiente para transitar na contramão do cinema comercial – ao invés de impor um ritmo vertiginoso, pontuado com cenas rápidas, editadas em frenesi, prefere os planos longos, que capturam as minúcias do que seus atores têm para oferecer.           Antes de falar do filme, porém, gostaria de lembrar do material original, que foi adaptado para as telas: o livro Sobre Meninos e Lobos – Mystic River , escr...

O Talentoso Ripley: um remake imprescindível

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O Talentoso Ripley: direção de Anthony Minghella UMA ILHA DE GÉLIDA PSICOPATIA, CERCADA DE BELEZAS Tempos atrás, escrevi uma crônica sobre a minissérie Ripley , dirigida em 2024 por Steven Zailian. Lembro que Ludy e eu maratonamos os oito episódios com avidez, hipnotizados por aquela produção envolvente; minha mulher, inclusive, ficou interessada em rever o filme O Talentoso Ripley , dirigido em 1999 por Anthony Minghella – o que fizemos dias depois. Num primeiro momento, considerei desnecessário escrever sobre essa adaptação do romance de Patricia Highsmith; seria cair em redundância, já que o personagem e a trama de assassinatos que ele protagoniza estão descritos no meu texto anterior. Acontece que a qualidade do cinema realizado por Minghella é tão notável que mudei de ideia; decidi revisitar o mundo do psicopata gélido que consegue se safar da punição por seus crimes, graças a uma combinação de sorte com uma gélida meticulosidade.           O romance d...

Os Vigaristas: uma comédia dramática envolvente

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Os Vigaristas: filme de Ridley Scott UM FILME REPLETO DE VIGARICES Para iniciar minha crônica sobre o filme Os Vigarista s, dirigido em 2003 por Ridley Scott, pensei em duas abordagens distintas. A primeira tem relação com seu título original, Matchstick Men – numa tradução livre, algo como “homens palito de fósforo” –, que inglês é uma gíria para vigaristas ou amigos do alheio; há, porém, uma sutileza: a sonoridade é bastante próxima à expressão Majestic Men – numa tradução livre, algo como “homens majestosos”. Um anglófono, portanto, entende que a estampa majestosa de um vigarista é parte integrante do seu ser, e que ela se desmanchará depois que a vítima tomar consciência de que foi tapeada; será apenas um inútil palito de fósforo carbonizado e deformado. Ou seja: só esse título original já fez rodar um filme inteiro na minha cabeça de cinéfilo ansioso.           A segunda abordagem está relacionada com episódios reais que vivenciei. Lembro que minha mã...

Pequenas Cartas Obscenas: uma comédia de mistério

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Pequenas Cartas Obscenas: direção de Thea Sharrock UMA HISTÓRIA REAL, CONTADA DE MANEIRA INVENTIVA Uma história pode ser contada de muitas maneiras; tão diversas que, depois de comparar as versões produzidas, talvez duvidemos que possa se tratar da mesma história. Exagero? Não! Os cinéfilos experientes sabem ao que me refiro – já devem ter lembrado de alguns filmes que guardam poucas relações com seus remakes, para além da sinopse básica. As feições de um filme primeiro são determinadas pelas decisões narrativas que os roteiristas tomam, quando começam a costurar a história; depois, temos as decisões do diretor durante as filmagens, que afetam a natureza audiovisual da obra; finalmente, temos aquelas tomadas durante o processo de edição, que provavelmente são as mais decisivas e determinam seu tom, seu ritmo e sua atmosfera. Como um cinéfilo curioso, minha maior diversão é perceber como essas variáveis pipocam na tela.           Assim que comecei a assistir...

Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes

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Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes: direção de Guy Ritchie AÇÃO INTELIGENTE, COM MUITO CHARME E ESTILO Esbarrei em Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes , filme dirigido em 1998 por Guy Ritchie, há dois anos; o título entrou na grade da TV por assinatura, justo num horário em que decidi me estatelar no sofá e zapear sem rumo. Não tenho o hábito de pescar (muito menos a habilidade necessária), mas me senti como se tivesse apanhado um peixão. O filme já tinha mais de 20 anos e ainda exalava muito frescor; misturava ação, comédia, violência e gângsteres ingleses, numa história inusitada, com narrativa ágil, repleta de diálogos inteligentes e uma linguagem audiovisual bem elaborada. Ah, e como esbanjava estilo!           Uso os verbos no passado na tentativa de expressar meu entusiasmo enquanto aproveitava, no conforto do sofá, aqueles momentos mágicos para qualquer cinéfilo; o filme continua exalando frescor e ainda carrega motivos de sobra entusiasmar....

Conclave: suspense papal voltado para os não católicos

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Conclave: direção de Edward Berger NARRATIVA MANIPULADORA, PERSONAGENS CARICATOS Esta crônica contém spoilers . Um tal alerta logo de início não é comum aqui na Crônica de Cinema; por regra, evito revelar detalhes cruciais, para não estragar a surpresa dos cinéfilos. No entanto, Conclave , filme de 2024 dirigido por Edward Berger, pisa num terreno tão escorregadio que decidi fazer uma exceção. Caso você ainda não tenha assistido a esse filme, sugiro que o faça antes de continuar a leitura; mas peço que tenha em mente alguns pontos importantes: o filme descarta o conteúdo religioso, para se concentrar nos meandros da disputa eleitoral de um novo papado; esboça os embates políticos de forma caricata e desenha personagens estereotipados; escancara um viés progressista, com uma narrativa manipuladora em favor de mudanças na Igreja; desconsidera a fé como princípio vital que há dois mil anos rege o catolicismo – ao contrário, o filme enaltece a dúvida, o exato oposto da fé!    ...

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